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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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ELIO GASPARI

Dorme-se no Rio, acorda-se em Kubanacan

A gente finge que não está percebendo, mas a ordem constitucional brasileira arrisca-se a sofrer o tranco da necessidade de uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro. Pode-se ter votado em Rosinha Garotinho, pode-se até torcer pelo seu êxito. O que não se pode é ir dormir cedo, depois de assistir à novela "Kubanacan", para se acordar no dia seguinte com o general Camacho na Secretaria de Segurança (Humberto Martins na novela, Anthony Garotinho na vida real).
Há Estados onde os bandidos fogem dos quartéis pela porta da frente. Também há Estados onde os presídios de segurança máxima recebem pizza-delivery e um secretário de Estado visita delinquentes. Talvez haja Estados onde a Secretaria da Fazenda tenha um propinoduto que começa na Suíça, e a patuléia, por muito esperta, faz que não sabe onde termina. O que não há, nunca houve, é um Estado onde todas essas coisas acontecessem ao mesmo tempo, numa só administração.
O que o casal Garotinho, com suas idéias folgadas e roupas apertadas, está fazendo ao Rio de Janeiro é uma tristeza. O Rio já foi governado por empreendedores como Carlos Lacerda, democratas como Negrão de Lima, homens probos como o almirante Faria Lima. Se hoje a sua política não é a mesma, a culpa não é só dos Garotinho. Infelizmente, são deles o último ato e a conta.
Vale lembrar que o PT-Federal antecipou sua opção preferencial pelo poder em 1997, quando, no interesse de Benedita da Silva, impôs a candidatura de Garotinho à sua militância. Um dia alguém pesquisará o tamanho dessa transigência, na qual Lula jogou seu prestígio e defenestrou Vladimir Palmeira em benefício do casal. (Os adversários dos Garotinho eram chamados de "radicais".) Garotinho não estava de todo errado em 1999, quando chamou o PT de "partido da boquinha". O comissário José Dirceu certamente há de recordar o que lhe disse dona Rosinha na reunião em que se afastaram.
Rompidos, o PT-Federal e o casal Garotinho impõem à população do Rio de Janeiro a potencialização de seus defeitos. O casal tem um prazer quase sádico de repetir que o problema do tráfico é federal. O PT-Federal tem um prazer teatral em fazer de conta que não ouve. Trata a governadora do Rio de Janeiro com a deferência que o rei da Inglaterra dava à rainha de Tonga.
Ambos são espertos o suficiente para saber que não estão fazendo o outro de bobo. Enganam a escumalha, que lhes paga os salários.
O Estado do Rio de Janeiro caminha para a intervenção federal porque suas instituições estão se esfarelando. Se dona Rosinha fosse apenas uma governadora incapaz de distinguir cobrança de ICMS no destino de destino de ICMS cobrado, um bom secretariado teria sido solução. Desdenhou esse caminho. Deu a Secretaria de Segurança ao marido, que se julga no direito de lecionar ignorância informando que houve homicídio até no Jardim do Éden.
A intervenção federal -mecanismo previsto na Constituição- seria uma batata quente para Lula. Um governo que não sabe o que fazer com o professor Cristovam Buarque dificilmente saberá o que fazer com o Rio. À primeira vista, é melhor deixar a situação piorar muito nas mãos de um adversário do que melhorar um pouco nas mãos de um aliado. Esse caminho seria funcional se a eleição fosse no ano que vem. Pena, quem acaba logo é "Kubanacan". O Rio terá mais três anos e meio de Rosinha Garotinho.


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