São Paulo, domingo, 18 de junho de 2006

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ELIO GASPARI

A Anac quer bater na torcida da Varig

O programa Smiles tem 5,6 mi de credores (ou bobos?) que não receberam sequer uma palavra de conforto

A AGÊNCIA Nacional de Aviação Civil, Anac, comporta-se como um esquadrão que durante um jogo sobe à arquibancada para bater na torcida do time que está perdendo. Foi isso que fez seu presidente, Milton Zuanazzi. Ele classificou os benefícios do programa de milhagem Smiles como brindes e acrescentou que se trata de "um contrato entre as partes" que só vale enquanto a companhia estiver em atividade. Tudo bem, e se ela for passada adiante?
Confortando a galera que mofa nos aeroportos porque os vôos sumiram, Zuanazzi deu uma aula: "O usuário tem que compreender que isso é uma conseqüência de qualquer empresa que está em crise". A Anac e o doutor é que são pagos para compreender as conseqüências da crise de uma concessionária de rotas aéreas. Uma companhia saqueada ao longo de décadas deve R$ 5,8 bilhões (ervanário equivalente a todas as despesas com a agricultura familiar em 2004), cancela cerca de cem vôos em apenas uma semana, e o doutor da agência reguladora dá lições de compreensão à patuléia.
O programa de crédito de milhas da Varig tem 5,6 milhões de consumidores habilitados. Brinde é aquele xampu que o hotel deixa no banheiro. O Smiles, como diz o próprio Zuanazzi, é um contrato. Se a Varig acabar, acontece um mico geral, da Viúva à Boeing e delas à turma do Smiles. É o jogo jogado. A questão está em saber o que acontecerá com a carteira da milhagem se a empresa for vendida.
O que se está mercadejando não é uma empresa aérea, mas um bouquet de concessões de rotas, uma propriedade do povo brasileiro. O bem público é leiloado como coisa particular enquanto o interesse privado de alguns milhões de pessoas é desprezado. O crédito do Smiles é moral. Um valor respeitado por algumas pessoas, mas nem todas. Os sábios estudam uma solução para os credores da Varig, para seus funcionários, para a biografia dos maganos que saquearam a empresa e dos aeroburocratas que levaram bolas por baixo das pernas. Vale tudo, até censurar um sindicato de trabalhadores. Como sempre, os impostos devidos à Viúva viram sorvete. Como sempre, o velho e bom BNDES financiará o comprador, oferecendo-lhe ainda o selo de garantia de suas arcas.
Falta quem demonstre algum interesse pelos passageiros que ajudaram a fazer da Varig o que ela foi. Se há um grupo que só deu alegrias à empresa, foi o das pessoas que juntaram milhas no programa Smiles. Não se trata de uma escumalha incômoda, muito menos idiota.

Austrália e Brasil
Duas afinidades históricas que aproximam o Brasil e a Austrália, a respeito das quais as pessoas bem educadas não gostam de falar:
1) A cachaça
Desde 1787, quando a primeira frota inglesa, carregada com 736 ladrões e vigaristas, aportou no Rio de Janeiro, a cidade matou a sede dos colonizadores da Austrália. Penaram terríveis ressacas, mas levaram mudas de cana de açúcar para a colônia penal. Quase todos os comboios que transportaram 160 mil desgraçados para a Austrália fizeram escala no Rio.
2) O canibalismo
Os aborígenes australianos, assim como os índios brasileiros, comiam gente. Tudo indica que os caetés comeram o bispo Sardinha, mas não há registro de celebridade almoçada na Austrália. Para quem acha que os indígenas, por canibais, foram marcados pela inferioridade, aqui vai uma surpresa: Alexander Pearce, um irlandês que roubara seis pares de sapatos, fugiu de uma colônia australiana, em 1822, com outros sete companheiros. Durante os dois meses que andaram pelo mato inóspito, comeram-se. Sobrou Pearce. Capturado, contou tudo, mas ninguém acreditou. Meses depois, voltou a fugir e um outro preso teve a péssima idéia de acompanhá-lo. Quando Pearce foi apanhado, mereceu crédito porque levava no casaco a janta do dia.

Reserva
Toda aproximação do México com o Mercosul será puro teatro. Para a diplomacia do presidente Vicente Fox, a prioridade está em manter o Brasil longe do projeto da Alca. Os mexicanos (e os canadenses) não gostam da idéia de um regime que dê a Pindorama benefícios semelhantes aos que eles desfrutam no mercado americano por conta do Nafta.

Bancada do Gulag
Bafejado pela onipotência (e impunidade) que a possível reeleição de Lula promete, o comissário Ricardo Berzoini sonha com a criação da lista fechada de candidatos para a Câmara. Coisa assim: a patuléia vota no partido, mas a caciquia é quem decide quem vai para Brasília. Protótipo de uma seleção petista se a novidade estivesse em vigor neste ano:
Deputados federais por São Paulo: João Paulo Cunha, Antonio Palocci, Professor Luizinho, José Genoino e Angela Guadagnin. Pelo Rio de Janeiro: Marcelo Sereno. (Roberto Jefferson viria na lista doPTB.) Por Goiás: Delúbio Soares. Pelo Ceará: José Nobre, com sua cueca.

Geraldo Ratchett
Durante a convenção do PSDB, em Belo Horizonte, Geraldo Alckmin teve a companhia de Aécio Neves, José Serra, FFHH e Tasso Jereissati. Ganhou o apelido de Mr. Ratchett. Samuel Ratchett era o milionário americano de "Crime no Expresso Oriente", obra-prima de Agatha Christie. O cidadão tomou 12 facadas enquanto dormia. O detetive Hercule Poirot, tendo percebido que o criminoso não saíra do trem, desvendou o mistério. Seria injusto dizer como, mas certamente os companheiros de viagem de Alckmin conhecem a história.
Na lista de passageiros do trem havia cinco homens (noves fora seis mulheres). Na mesa do PSDB havia quatro grão-duques. Há um à solta.

Tunga na gaveta
Lula e Geraldo Alckmin namoram propostas de reforma da Previdiencia que significam uma nova tunga (a terceira em dez anos) no bolso dos trabalhadores. Falta-lhes coragem para levantar o assunto durante a campanha.

SEU JORGE TEM UM ADMIRADOR DE PRIMEIRA

O samba "Tive razão", de Seu Jorge, entrou na lista de 15 músicas prediletas do repórter americano Anderson Cooper. Ficou na companhia de Charlie Parker e Nina Simone.
O prestígio de Anderson Cooper é a melhor novidade jornalística da televisão americana. Tem 39 anos e começou correndo mundo com uma câmera na mão. Ralou confusões na Somália, na Bósnia, em Ruanda e no Irã. Celebrizou-se pela ira santa com que acompanhou o estrago do furacão Katrina para a CNN. Interpelava hierarcas empulhadores, pedindo que falassem sério. Ganhou o apelido "emo-anchor", mas blindou sua vida pessoal. Tem um finíssimo senso de mau humor e horror a lero-lero. Nasceu na família Vanderbilt, do magnata das ferrovias e, como bebê, foi fotografado por Diane Arbus. Estudou em Yale e na Universidade de Hanói.
Jorge Mário da Silva, o Seu Jorge, nasceu em 1970, na Baixada Fluminense, numa casa de um cômodo. Começou a vida como borracheiro. Teve um irmão assassinado numa chacina. O de Anderson pulou do 14º andar da cobertura da família, num bairro chique de Nova York.


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