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ENTREVISTA da 2ª/JOSÉ EDUARDO ELIAS ROMÃO
Para responsável pela classificação indicativa dos programas de TV,
nova portaria dá mais autonomia aos pais
Classificação não impõe censura, é somente indicativa
PEDRO DIAS LEITE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
À frente de um órgão acusado de tentar
impor uma volta da censura ao país, o
diretor do Dejus (Departamento de
Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça), José
Eduardo Elias Romão, 33, diz que "não
há qualquer pretensão de travestir-se
em superego das famílias brasileiras".
José Eduardo Elias Romão
está no centro do debate sobre
a classificação indicativa, que
define os horários adequados
de exibição de programas na
TV. Em entrevista à Folha, ele
defende que a classificação dá
muito mais autonomia aos pais
e diz que nunca houve tanta liberdade no Brasil.
Romão também argumenta
que seu departamento não tem
nenhum poder de policiar,
tampouco de punir, só de monitorar. Quando constata uma
violação, encaminha ao Ministério Público, que decide se vai
ou não à Justiça, com ampla
possibilidade de participação
das emissoras de TV.
As TVs, aliás, são alvo de Romão: segundo ele, a auto-regulamentação já foi tentada, mas
fracassou por culpa das próprias emissoras.
O advogado, que não é filiado
a nenhum partido, também rejeita que haja subjetividade nas
classificações. Diz que gostaria
que as redes fizessem como os
fabricantes de cereais: "O que
tento é convencer as emissoras
de fazer da classificação indicativa um valor agregado do seu
produto, como os cereais fazem com a informação nutricional".
A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Críticos vêem a instituição
da classificação indicativa como
uma volta da censura. Como o sr.
responde?
JOSÉ EDUARDO ELIAS ROMÃO - A
classificação surge para afastar
a censura. A classificação não
impõe censura, é somente indicativa. Um órgão que só tem o
poder de indicar, mas não tem
autoridade para punir ou policiar, não pode exercer censura.
A Divisão de Censura, anterior
à Constituição de 88, tinha o
poder de cercear, proibir, multar, restringir o acesso, cancelar
a veiculação de notícias. E poder algum tem o Dejus.
Em casos de inadequação, o
Ministério da Justiça classifica
ou reclassifica o produto, encaminha ao Ministério Público,
que vai analisar sua procedência, e pode encaminhar ao Judiciário. As emissoras que descumprirem uma classificação
do Ministério da Justiça não
sofrerão qualquer punição.
Nunca houve tanta liberdade.
FOLHA - Muitos pais acham que a
classificação indicativa é uma maneira de alguém escolher por eles o
que seus filhos vêem.
ROMÃO - Haverá pais ou pessoas que pensam que há um
cerceamento na opção que fazem. Mas o processo de elaboração dessa política vem demonstrando que esse é o único
modo de proteger crianças que
não estão acompanhadas dos
pais. Não é verdadeiro que o
Ministério da Justiça pretenda
se colocar no lugar dos pais.
FOLHA - E censura prévia? O ministério pode de fato analisar antes o
que é veiculado na TV?
ROMÃO - A idéia de censura
prévia está sempre associada à
possibilidade de a autoridade
ter o corte, impedir que seja
exibido. O ministério, nessa
portaria, transformou a análise
prévia numa decisão das emissoras. É uma exceção. Se a
emissora solicita dispensa da
análise prévia e não justifica a
razão pela qual classificou como livre um conteúdo com cenas inadequadas, como sexo
explícito ou grave violência, cabe ao ministério reclamar que a
emissora apresente o conteúdo
para ser examinado.
FOLHA - E se houver violação?
ROMÃO - Nós comunicamos a
emissora. Se o programa já foi
classificado, a emissora terá
duas advertências, para que
justifique a razão pela qual
aquela inadequação para aquele horário foi ao ar. Se a emissora diz que não há inadequação
ou tenta apenas desconstruir
ou rechaçar, o ministério pode
reclassificar o programa. A
emissora terá que mudar o programa de horário? Não. Só após
uma decisão do Judiciário.
FOLHA - Os critérios de classificação também são muito criticados.
Como foram definidos?
ROMÃO - Há uma diferença entre os critérios de classificação
e os indicadores. Os critérios
foram definidos por lei. Em
2001 se publicou a lei 10.359,
que define sexo e violência como os dois critérios para a análise das obras. Em 2006, o Ministério da Justiça construiu, a
partir dos critérios, indicadores. O critério sexo é bastante
amplo. O que é sexo para uma
família do interior de Minas
não é necessariamente sexo para uma família do Rio, do Leblon. Essas diferenças podem
existir -e deverão existir- em
sociedade.
Mas o Estado, quando interpreta uma determinada cena,
não pode se valer da subjetividade de seus analistas. Quando
eu digo sexo, o ministério tem
de afirmar: o sexo é o comportamento sexual, com penetração, entre um homem e uma
mulher, ou dois homens, duas
mulheres etc. Pode parecer jocoso, ou desconfortável, mas
esse nível de objetividade é
uma das garantias que o processo de classificação oferece às
emissoras e à população. Se a
emissora discorda desse entendimento, tem como refutá-lo.
FOLHA - O sr. fala de objetividade,
mas o ex-diretor-adjunto do Departamento de Justiça e Classificação
Indicativa do ministério, Tarcízio Ildefonso, disse [quando ainda estava
no cargo] que o programa das "Meninas Superpoderosas" não era especialmente recomendado para
crianças porque elas se reúnem num
shopping e isso estimula o consumismo. Se a reunião fosse num parque, poderia ser. Não é extremamente subjetivo?
ROMÃO - Claro que é. Por isso
que é uma manifestação que ele
fez numa entrevista, como aqui
faço à Folha. Há opiniões que
posso produzir, que não expressam ou não significam
uma decisão administrativa do
ministério.
FOLHA - As emissoras argumentam que seria melhor uma auto-regulamentação que uma classificação indicativa partindo do ministério. Dizem, também, que esse é o
modelo de vários países.
ROMÃO - Não é verdade que haja auto-regulamentação na
maioria dos países. Não é assim
na Inglaterra, na Austrália, na
França e nos EUA, que é o modelo do liberalismo. O que
ocorreu nesses diversos países?
A auto-regulamentação, ou não
se produziu -as emissoras não
chegaram a um acordo, porque
são competidoras- ou, quando
se produziu, não houve cumprimento.
Esse é o caso da Espanha, e é
o caso do Brasil. Aqui, em 1990,
saiu a primeira portaria que especifica as regras da classificação indicativa, com vinculação
horária. As emissoras, num
grande esforço, disseram ao Estado que fariam regras próprias
para o padrão de ética e de conteúdo adequado à proteção da
criança e do adolescente. E o fizeram. Em 1993, a Abert, que
reunia até então todas as grandes emissoras comerciais, produziu um Código de Ética. Foi
cumprido? Não houve uma
única advertência.
FOLHA - Mas a classificação não
pode atrapalhar também o conteúdo jornalístico das emissoras?
ROMÃO - Essa dúvida estava
posta em 2000, quando a portaria dizia que qualquer programa ao vivo poderia ser classificado. Essa dúvida só se desfez
com a portaria 264, que expressamente diz que programas noticiosos, seja qual for a qualidade do jornalismo, e não é o Ministério da Justiça que tem
condições de dizer, não pode
ter classificação indicativa.
FOLHA - O sr. foi criticado por ser jovem. Aos 33 anos, comanda o departamento que define a classificação que todo o país terá de acompanhar.
ROMÃO - A crítica sobre a pouca idade tem uma premissa que
é falsa, como se a política, o trabalho de classificação pudesse
se submeter a mim e por mim
ser avaliada.
FOLHA - Sua equipe também é jovem e mal-remunerada. A média da
faixa etária não passa de 30 anos e o
salário é baixo.
ROMÃO - Não tem como dourar
a pílula, é mal-remunerada, R$
1.200 é insuficiente. O ponto
para nós aqui é que, até agora,
existem acúmulos nesse processo que transcendem a minha experiência e a capacidade
de minha equipe. Mas há uma
vantagem nessas pessoas que
têm uma média de idade com
certeza muito abaixo da dos
censores, que eram pessoas
muito mais velhas. Esse grupo
se abre e se obriga a se vincular
a um processo, do qual participam necessariamente outras
tantas experiências. A maior
vantagem é saber que há tantos
limites que só um método democrático pode nos levar a superá-los. Não há qualquer pretensão de travestir-se em superego das famílias brasileiras.
Se ainda tenho dificuldades,
como todo pai, para educar, fazer opção dos meus próprios filhos, quem diria fazer opção para os filhos de todas as pessoas
de nosso país. É por vivenciar
as dificuldades dos pais, que de
modo algum poderia colocar
dificuldades.
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