São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LAVOURA ARCAICA

Segundo a organização, sucroalcooleiros não avançaram como o resto do país; produtores dizem estar lutando contra essa imagem

OIT vê mais ações antiescravidão, mas critica setor da cana

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DAS REGIONAIS

O país evoluiu nos últimos dois anos nas ações de combate ao trabalho escravo, mas o setor sucroalcooleiro não acompanhou essa evolução, avalia Patrícia Audi, coordenadora nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, da OIT (Organização Internacional do Trabalho). ""Somente no ano passado, o Ministério Público Federal apresentou 36 denúncias-crime. O maior incentivo à exploração do trabalhador era a impunidade, mas esse quadro está mudando."
Audi compartilha com os produtores de açúcar e álcool a avaliação de que o Brasil corre risco de perder mercados se o país for acusado de dumping social por nações importadoras.
O diretor técnico da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), Antonio de Padua Rodrigues, afirma que o setor está tentando se livrar da pecha de explorar a mão-de-obra.
Rodrigues diz que, há dois meses, a Unica foi ao Parlamento do Reino Unido e ao PV (Partido Verde) alemão tentar convencer os europeus de que o setor não pratica dumping social ou ambiental. ""Acham que a gente desmata a Amazônia e mantém escravos para produzir açúcar", diz.
O coordenador da Pastoral do Migrante no Estado, Jadir Ribeiro, diz que há um fenômeno novo. A cada ano, trabalhadores de Estados cada vez mais distantes vêm para São Paulo colher cana. ""Antes eles eram do sul da Bahia e do Vale do Jequitinhonha [norte de Minas Gerais]. Agora, há gente do Maranhão e do Piauí."
Se para a Unica somente 10% dos cortadores de cana são migrantes, para a pastoral, que faz a avaliação com base nos relatórios de seus núcleos espalhados pelo Estado, o número é bem maior, cerca de metade deles.
Uma amostragem feita pela pastoral com 367 famílias do Nordeste que já haviam voltado às suas cidades de origem após trabalhar em São Paulo revelou: somente 15% conseguiram deixar o serviço espontaneamente, sem dívidas ou ameaças.
Uma forma de os empregadores driblarem a fiscalização, diz o coordenador da pastoral, é manter os alojamentos no meio dos canaviais. ""Pegamos um caso em que, por falta de comida, o trabalhador andava 10 km para comprar bolacha."
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catanduva, Walter Hipólito, relata um caso de quase tráfico humano.
Em março, um ônibus chegou de Pernambuco a Catanduva (SP) com cerca de 30 trabalhadores. O motorista começou a procurar ""gatos" com a seguinte oferta: por R$ 150, ele ""venderia o passe" dos trabalhadores.
""Se o "gato" concordasse, ficava com o passe e uma nota promissória de R$ 150 assinada pelo cortador. Ficamos sabendo, pusemos fogo nas notas promissórias e libertamos o pessoal."
No Estado de São Paulo, os trabalhadores geralmente chegam em ônibus clandestinos fretados, em grupos de 30 a 50 pessoas, vindo por estradas secundárias e pouco fiscalizadas. Na cidade origem, eles são amealhados pelos "gatos", que fazem os primeiros contatos em bares da periferia.
A Pastoral do Migrante diz ter localizado neste ano 66 alojamentos no meio de canaviais e estima haver 15 mil migrantes em cidades-dormitórios, como Novais, Catiguá e Santa Adélia.


Texto Anterior: Personagem: Família sofre abuso, deixa SP, mas retorna
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.