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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003

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RACISMO

Decisão contra Siegfried Ellwanger, acusado de propagar idéias anti-semitas, deve servir de referência para casos semelhantes

Por 8 a 3, STF mantém condenação de editor de livros

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem, por 8 votos contra 3, que propagar idéias anti-semitas por meio da edição de livros é crime de racismo e manteve a condenação do editor do Rio Grande do Sul Siegfried Ellwanger, acusado de incitar o ódio contra o povo judeu.
Embora os ministros tenham levado em conta questões específicas desse caso, como o próprio teor das obras editadas, eles firmaram o entendimento do tribunal sobre o tema. Por isso, a decisão servirá de referência para eventuais processos semelhantes.
O ministro Marco Aurélio de Mello disse que esse foi o julgamento mais importante de que ele participou em 13 anos no STF. Para o presidente do tribunal, Maurício Corrêa, a decisão é a mais "emblemática do ponto de vista dos direitos civis" desde a promulgação da Constituição de 88.
O processo foi julgado em cinco sessões plenárias, desde dezembro de 2002, e adiado sucessivamente por pedidos de vista. Ontem votaram Marco Aurélio de Mello e Sepúlveda Pertence.
O advogado de Ellwanger, Werner Becker, argumentou no pedido de habeas corpus que os judeus não constituem raça e, por isso, o anti-semitismo não seria racismo. O STF apreciou essencialmente duas questões: se os judeus constituem ou não uma raça e se publicar livros com idéias anti-semitas representa simples exercício da liberdade de expressão ou extrapola esse direito.
Os três votos favoráveis à anulação da sentença de condenação foram de Moreira Alves, que se aposentou em abril último, Carlos Britto e Marco Aurélio.
Alves, que foi o relator do habeas corpus, acolheu a tese de que judeu não é raça. Para os outros dois, o princípio constitucional da liberdade de expressão pode legitimar a edição de livros, ainda que neles haja idéias reprováveis.
Em defesa da absolvição, Marco Aurélio citou a polêmica declaração do ministro da Segurança Alimentar, José Graziano, contra a migração de nordestinos para São Paulo, classificando-a de "cena constrangedora para o governo".
"Inexistem no Brasil os pressupostos sociais e culturais aptos a tornar um livro de cunho preconceituoso contra o povo judeu verdadeiro perigo atentatório à dignidade dessa comunidade."
A Constituição estabelece o racismo como crime imprescritível e inafiançável (artigo 5º, inciso XLII). Se fosse acusado de outro tipo de discriminação, Ellwanger seria beneficiado pela prescrição do crime. O Ministério Público o acusou de incitar ódio, desprezo e preconceito contra judeus. A denúncia é de 1991. Inicialmente a 8ª Vara da Justiça Criminal de Porto Alegre o absolveu. Mas o TJ-RS acolheu um recurso do Ministério Público e o condenou a dois anos de prisão, convertidos em prestação de serviços comunitários.
Alguns dos livros editados são "O Judeu Internacional", de Henry Ford, "Hitler - Culpado ou Inocente?", de Sérgio Oliveira, e "Holocausto judeu ou alemão - Nos bastidores da mentira do século", dele mesmo. Para julgar o habeas corpus, muitos ministros leram algumas dessas obras.
"A Justiça puniu exemplarmente alguém que fomenta o ódio e o preconceito, que, além de ofensivo e imoral, é proibido pela Constituição", disse Henry Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista.


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