São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 2006

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Marcos Nobre

O dinheiro não vota

DE POLÍTICA mesmo tivemos apenas os últimos 15 dias. Mas surgiram nesse curto período problemas realmente importantes. Só não foram aprofundados porque Alckmin nada tem a dizer.
Quando teve a chance, quando seu conselheiro econômico Nakano pôs as cartas na mesa, Alckmin disse que no governo dele só falava ele. E calou-se.
Só abre a boca para perguntar: "de onde veio o dinheiro?" E o mais surpreendente é que todo mundo sabe a resposta: de um sistema político decrépito a que o governo Lula se adaptou ao invés de reformar. Para além da esfera criminal, o que importa é a estrutura política que produz o dinheiro e como reformá-la para fortalecer a democracia.
Não o emplastro charlatão da "reforma política", receitado sempre que problemas reais aparecem e não se quer resolvê-los de verdade. Não chavões como o do "voto distrital" ou "distrital misto". Um sistema político que não consegue resolver nem mesmo se deve ou não haver emendas parlamentares individuais ao Orçamento vai conseguir demarcar distritos?
Partidos como os que conhecemos vão agora fazer "listas fechadas" de candidatos? Conversa fiada. Uma conversa séria poderia começar por uma avaliação das novidades dessas eleições. Já dá para perceber, por exemplo, que a verticalização foi um desastre.
Foi imposta pelo TSE de maneira extemporânea, no prazo-limite para as negociações finais de alianças, e produziu uma confusão partidária e eleitoral inédita mesmo para padrões brasileiros.
Conjugada ao dispositivo da cláusula de barreira, conseguiu o contrário do que se pretendia: aumentou a dispersão de votos e mostrou o apreço do eleitorado por pequenos partidos. Isso sem contar, uma vez mais, a desastrada intervenção do TSE, que apresentou três interpretações diferentes do dispositivo. (Aliás, será que o Conselho Nacional de Justiça vai fazer uma avaliação séria da atuação do TSE nessas eleições?)
A polarização efêmera deste segundo turno não deve deixar esquecer a modorra que foi o primeiro.
Não deve deixar esquecer o desânimo inédito com que o eleitorado foi votar. Não deve deixar esquecer que aumentaram significativamente os votos brancos e nulos nas eleições proporcionais. É preciso fazer mudanças radicais, que tornem o sistema político sujeito a controles rígidos e permanentes, para além das eleições a cada quatro anos. O financiamento público de campanhas pode ser um bom ponto de partida para essa discussão.
Mas, principalmente, é preciso que mudanças radicais tragam de volta o prazer de votar, prazer que se podia ver nas ruas e nos rostos até 2002. Já é mais que tempo, por exemplo, de se pensar seriamente em tornar o voto facultativo. Nesse caso, o eleitorado teria muito mais do que a possibilidade de decidir se o que de fato importa é perguntar de onde veio o dinheiro.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

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