São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Elio Gaspari

As teles dormiram e acordaram a BandaBrás


A entrada do Estado na mercado da banda larga não seria um retrocesso e pode até vir a ser um avanço

AS OPERADORAS de telecomunicação deram-se conta de que, na copa do Planalto, cozinha-se a criação de uma rede estatal de acesso à internet por banda larga. Condenando a ideia, Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, sócia da Oi, disse que em 1998, quando a União vendeu o controle do Sistema Telebrás, fez opção pelo modelo privado de telecomunicações e concluiu: "O retrocesso não faz sentido".
Calma. A criação de uma BandaBrás pode ser um erro, mas essa conversa de "retrocesso" embute uma satanização do Estado que fez a desgraça da privataria tucana, para alegria de alguns gatos gordos. Onze anos de gestão privada resultaram numa fenomenal expansão da rede de telefonia e também no seguinte:
Segundo a União Internacional de Telecomunicações, o Brasil tem o serviço de celular mais caro do mundo. As operadoras respondem que isso é consequência de um carga tributária de 40% sobre o valor da ligação. Tudo bem, tirando-se 40% do indicador da UIT, o minuto brasileiro sai pelo preço do argentino com os impostos e custa oito vezes mais que o indiano.
O Brasil tem 5,3 ligações de banda larga na internet para cada cem habitantes. A Argentina e o Chile têm 8,8. As leis do mercado fizeram com que o número de paulistas ligados à rede veloz (2,4 milhões) seja maior que o de todos os clientes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (2 milhões). Metade dos municípios brasileiros está fora da rede.
Os teletecas do governo planejam utilizar uma base já existente de 31 mil quilômetros de fibras ópticas para levar a banda larga a 87% da população, em 4.245 municípios. Comparando-se esse projeto com os resultados e os preços oferecidos pelas operadoras, retrocesso seria deixar as coisas como estão. A ideia de o governo concorrer com a rede privada não faz mal a ninguém.
O que prejudicou o país, e muito, foi o monopólio da rede estatal. Em 1995, a Embratel tinha uma fila de 15 mil pessoas esperando acesso a um provedor de internet. Um telefone valia US$ 10 mil na Barra da Tijuca e 2.000 votos no interior do Estado do Rio.
Se as operadoras não conseguem, ou não querem, ir além do filé mignon do negócio da internet, o melhor que pode acontecer é a entrada do Estado.

POVO DE OBAMA
Se os dispositivos de segurança não blindarem a visita do companheiro Obama ao Brasil, ele atrairá multidões só comparáveis às das visitas dos papas e aos grandes comícios pelas Diretas em 1984. O último presidente americano a ver povo durante sua passagem pelo Brasil foi o general Eisenhower, escoltado por JK.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e sabe que a Ordem dos Advogados do Brasil não paga salários a seus dirigentes. Nos seus tempos áureos, ser presidente da Ordem era encrenca, nada mais. O idiota não entende é por que se gasta dinheiro nas campanhas dos candidatos à presidência de seções estaduais da OAB. Eremildo ouviu falar de pedidos de doações na escala dos R$ 200 mil. No Rio, ao aumento dos custos eleitorais correspondeu uma queda no nível da disputa.

EM SILÊNCIO
O prefeito Gilberto Kassab prometeu que durante seu governo não instituiria o pedágio urbano em São Paulo. A insistência da burocracia dos transportes para exigir que os carros novos saiam das fábricas com "chips" indica que a promessa poderá até ser cumprida, mas Kassab deixará tudo pronto para a cobrança. Felizmente o Ministério Público Federal foi atrás do caso dos "chips" e ganhou uma liminar na Justiça. Os "chips" permitirão que uma rede de antenas espalhadas pela cidade monitore a passagem de um veículo. É propaganda enganosa chamá-los de "rastreadores" e é impreciso tratá-los como "localizadores". O sinal do "chip" não permite que se localize um carro, muito menos rastreá-lo com alguma precisão.

APARELHO ERRADO
De um sábio: "A diretoria da Vale não errou quando demitiu o economista Demian Fiocca. Errou quando contratou o ex-presidente do BNDES para uma de suas diretorias". Fiocca saiu do banco em 2007 e um ano depois assumiu as funções de diretor de gestão da Vale. Deixou a cadeira em maio passado. À mesma época, deixou a Vale o diretor de relações institucionais, Walter Cover. Em 2004, Cover chefiava a Sala de Investimentos que o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, montara no Planalto. Cover e Dirceu foram companheiros de cadeia em 1968. Fiocca é o atual presidente da Nossa Caixa.

FORDLÂNDIA
"Fordlândia - Ascensão e Queda de Henry Ford na Cidade Perdida da Selva", do professor americano Greg Grandin (New York University), entrou na lista dos 20 finalistas do Prêmio Nacional do Livro, um dos mais prestigiosos do gênero nos Estados Unidos. É um retrato minucioso e perspicaz da aventura amazônica do pai do capitalismo industrial americano. O fracasso de Henry Ford, contado por Grandin, é uma aula para todos os sábios que têm uma solução para o progresso da Amazônia.
Entre os concorrentes não há um favorito óbvio. No palpite, o título mais forte é "O Primeiro Magnata" ("The First Tycoon"), uma vasta biografia (meio chata) de Cornelius Vanderbilt (1794-1877), famoso por ter montado o maior império ferroviário e marítimo dos Estados Unidos. Hoje talvez seja mais lembrado como trisavô de Anderson Cooper, o astro da CNN. A edição brasileira de "Fordlândia" chegará às livrarias no ano que vem.

ÀS VEZES A PATULEIA ENSINA AOS SÁBIOS

Uma pessoa capaz de lembrar que "o mundo tem problemas, mas as universidades têm departamentos" deveria ganhar algum prêmio. Elinor Ostrom ganhou o Nobel de Economia sem ser economista e escreveu um livro onde só há algarismos na numeração das páginas. Seu estilo pode ser seco, mas entende-se tudo o que diz. Chama-se "Governing Commons" (Governando Comunidades com Áreas de Uso Comum, numa tradução livre).
A professora Ostrom dissecou comunidades de pescadores do Japão, sistemas de irrigação espanhóis e grupamentos de suíços. Seu objetivo foi desmentir a ideia segundo a qual a propriedade comum acaba em colapso econômico e destruição do meio ambiente. Pelo contrário, desde que sejam respeitados alguns princípios (e ela ensina quais) a propriedade comum funciona, e bem.
Quem acredita na eficácia da criação das regiões metropolitanas e na centralização das delegacias educacionais pode ler na internet um trabalho da professora (infelizmente, em inglês), intitulado "A Análise de Políticas no Futuro das Boas Sociedades".
Ostrom mostra como essas ideias perderam adeptos, diz porquê e recomenda, entre outras coisas, que se acredite menos em reformas concebidas por sábios e mais naquilo que as comunidades têm a dizer.
Chega-se ao artigo passando "Policy Analysis in the Future of Good Societies" e "Elinor Ostrom", no Google.


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