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4º FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Palestras da "intelligentsia" européia não atraem indianos pobres, mais interessados em debater a pobreza e a discriminação
Multidão de excluídos atropela intelectuais
GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A MUMBAI
As passeatas dançantes e os grupos de discussão promovidos por
milhares de excluídos asiáticos
atropelaram as conferências dos
intelectuais de esquerda. Esse tipo
de palestra foi a marca dos três
Fóruns Sociais Mundiais, ocorridos em Porto Alegre.
A "intelligentsia" está longe dos
holofotes. Ontem, o francês Bernard Cassen, diretor-geral do "Le
Monde Diplomatique" e presidente de honra do grupo antiglobalização Attac (Associação pela
Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos),
levantou-se da mesa durante uma
coletiva em que os jornalistas da
Ásia só faziam perguntas sobre
jornais comunitários a palestrantes de seu continente. "O fórum
de Porto Alegre era mais acadêmico", diz Hermílio Santos, professor de sociologia e funcionário
do governo do Rio Grande do Sul.
Em Mumbai entraram em cena
grupos para os quais a miséria
não é um objeto de estudo, mas
sim uma condição de vida -como o movimento das prostitutas
de Calcutá (a sigla é DMSC), um
dos maiores do mundo, e o dos
trabalhadores tribais indianos.
Enquanto os seminários oficiais
do fórum estão quase às moscas,
as reuniões da Campanha Nacional de Direitos Humanos dos chamados "intocáveis" (a casta mais
baixa da Índia) são tão concorridas que há pessoas sentadas no
chão. Essas discussões ocorrem
em hindi e não são traduzidas.
A coordenação do fórum estima
a presença de cerca de 30 mil homens e mulheres intocáveis (de 78
mil participantes) no Nesco
Ground, onde se realiza o evento.
Sérgio Haddad, presidente da
Abong (Associação Brasileira de
Organizações Não-Governamentais), diz que a falta de tradução simultânea faz com que os seminários e conferências oficiais, todos
em inglês, fiquem esvaziados. "Há
militantes brasileiros e de outros
países que não conseguem participar das discussões", ressalta Regina Novaes, presidente do Ibase
(Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas).
Falta de interesse
Há outros motivos que limitam
o interesse dos excluídos pelos debates oficiais do fórum: muitas
questões ali tratadas não lhes dizem respeito, e às vezes o enfoque
dado aos temas não condiz com a
realidade dos indianos pobres.
Um exemplo são as privatizações,
criticadas pelos intelectuais de esquerda. Na Índia, o problema não
existe, pois não há estatais à venda. "O léxico político dessas pessoas é outro", compara Novaes.
Os movimentos de proteção à
infância lutam contra o trabalho
infantil, uma causa mundial, e,
quase na mesma intensidade,
contra o casamento de crianças,
um problema localizado. Nas aldeias da Índia, onde vive 60% da
população, as meninas se casam
aos 11 anos. "As famílias não têm
como proteger suas filhas contra
raptos ou contra a violência sexual. Procuram um marido para
elas e passam adiante a responsabilidade", explica John Menachery, diretor da ONG holandesa
Child Helplines International. De
janeiro a outubro de 2003, a ONG
atendeu a 217.442 crianças.
O economista Nelson Delgado,
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, afirma que os excluídos asiáticos discutem temas
mundiais do ponto de vista prático e sempre abordando a participação popular (uma tradição entre os indianos), a pobreza (o dia-a-dia de quase todos) e as chamadas questões de gênero, já que as
mulheres são o grupo mais forte
da sociedade civil organizada.
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