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São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

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ESTADOS

Estatal desembolsou R$ 16,6 mi referentes a créditos de ICMS e obras estaduais; 2 beneficiárias existem só no papel

Petrobras pagou a empresas dívidas de MS

FABIANO MAISONNAVE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

A Petrobras pagou obrigações e dívidas do governo de Mato Grosso do Sul para 14 empresas, inclusive a uma que nem mesmo fica no Estado. Algumas delas foram doadoras de campanha do governador Zeca do PT. No total, foram pagos R$ 16.360.890,80.
São cinco empreiteiras, oito agropecuárias e uma imobiliária. Os pagamentos ocorreram entre os meses de setembro de 2001 e maio de 2002 e foram depositados diretamente nas contas bancárias das empresas beneficiárias.
Tais dívidas são referentes a supostos débitos atrasados relativos a obras realizadas para o Estado e a descontos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a que algumas empresas alegam ter direito.
Das 14, duas empresas que receberam dinheiro da estatal existem apenas no papel: a TSM Empreendimentos Imobiliários, de Campo Grande, que recebeu R$ 1.857.414,14 em maio de 2002, e a Produção Comércio e Representação Agropecuária, de Várzea Grande, em Mato Grosso, que obteve R$ 378.583,30 em setembro de 2001.
As operações ocorreram logo depois de as duas organizações terem sido vendidas.
O governo estadual, procurado diversas vezes, não explicou quais obras ou serviços foram realizados.
A reportagem apurou que, das cinco empreiteiras beneficiadas, três contribuíram para as campanhas de Zeca do PT -reeleito- e ou também do agora deputado federal Vander Loubet (PT), sobrinho de Zeca e seu principal articulador político no Estado.
São elas: Hélio Corrêa, Cobel e Financial. Esse número sobe para quatro, caso seja levado em consideração que outra empreiteira beneficiada, a Anfer, pertence aos mesmos sócios da Financial. Juntas, essas empresas receberam R$ 7.278.943,21 da Petrobras.
Em 2002 a Financial doou R$ 32,2 mil para a campanha do governador e mais R$ 21,5 mil para a de Loubet. Já a Hélio Corrêa contribuiu com R$ 20 mil para o sobrinho de Zeca.
A Cobel doou R$ 25 mil para a primeira eleição de Zeca, em 1998. O governo, ao responder pedido formal de esclarecimentos formulado pela reportagem, também não quis comentar essas doações.
A Agência Folha deixou recados com pedidos de entrevista para os empresários Hélio da Silva Corrêa, Antonio Fernando de Araújo Garcia, da Anfer e Financial, e Julio Cesar Alamy, da Cobel, mas eles não ligaram de volta.
Em entrevista por e-mail, Loubet negou participação nas transferências de crédito entre a Petrobras e as empresas.
Em troca do pagamento das dívidas de Mato Grosso do Sul com tais empresas, a estatal deixou de repassar, em valor equivalente, o que deve de ICMS ao Estado.
A Petrobras alega que foi obrigada a fazer tal operação com as empreiteiras e agropecuárias.
O governo de Zeca do PT, por sua vez, afirma ter somente autorizado a transação entre a Petrobras e as demais empresas.
No caso das agropecuárias, a Agência Folha apurou que algumas delas foram procuradas por "consultores", que tinham informações sobre os créditos a que cada uma tinha direito.
Eles prometiam a liberação do dinheiro para as empresas em troca de uma comissão.
Tanto os processos de transferência de crédito das empreiteiras com os das agropecuárias foram aprovados em cerca de um mês, em média, segundo apurou a Folha. O processo administrativo da TSM, por exemplo, foi interposto na Secretaria Estadual de Receita e Controle no dia 23 de abril do ano passado. Em apenas 13 dias, a operação foi autorizada.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, esses processos costumam tramitar durante mais de um ano. Um procurador do Estado que lida com casos desse tipo afirmou que, se toda a documentação da empresa estiver correta, o prazo mínimo de aprovação é de seis meses.
No ano passado, o procurador da República em Brasília Luiz Francisco de Souza abriu investigação para apurar essas operações no Estado. Ele suspeita que a Petrobras pagou por créditos inexistentes, com o envolvimento de funcionários da estatal.
Em janeiro passado, Luiz Francisco determinou à Receita Federal que realizasse auditoria fiscal em todas as 14 empresas.
As agropecuárias tinham direito à isenção de ICMS sobre produtos comprados fora do Estado.
Como pagavam automaticamente o imposto ao efetuar as aquisições, tornaram-se credoras do Estado. Algumas dessas empresas esperavam receber o dinheiro cinco anos atrás.
Em vez de pagar parte do ICMS que deve regularmente ao Estado, a Petrobras pagou essa dívida do governo com as empresas.
Ou seja: fez um pagamento indireto, beneficiando as agropecuárias, todas localizadas na região de Dourados, a 210 km de Campo Grande.
No caso das empreiteiras e da imobiliária, haveria dívidas de Mato Grosso do Sul por obras não pagas. Mais uma vez, a Petrobras pagou indiretamente ao Estado o que deve em ICMS, cobrindo as dívidas com as empreiteiras.
No período em que foram feitos esses pagamentos às empreiteiras, o secretário de Infra-Estrutura era Delcídio do Amaral Gomez.
Ele assumiu o cargo e se filiou ao PT após deixar a Diretoria de Gás e Energia da Petrobras, onde era apadrinhado de Jader Barbalho (PMDB-PA), hoje deputado federal. No ano passado, sem nunca ter se candidatado, Gomez se tornou o primeiro senador eleito pelo PT em Mato Grosso do Sul.
Procurado pela Agência Folha, o petista também não respondeu aos pedidos de entrevista.


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