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ENTREVISTA DA 2ª/KEITH CAMPBELL
Inventor da técnica que deu origem ao primeiro animal clonado a partir de uma
célula adulta diz que resistência aos transgênicos atrapalhou progresso na área
Promessa da clonagem foi exagerada, diz pai de Dolly
EM FEVEREIRO de 1997, o embriologista inglês Keith Campbell protagonizou um dos
feitos científicos mais notáveis de todos os
tempos. No dia 27 daquele mês, a revista
"Nature" publicava um artigo científico assinado por
Campbell e outros quatro pesquisadores da equipe do
geneticista Ian Wilmut detalhando a primeira clonagem de um animal a partir de uma célula adulta -a
ovelha Dolly, nascida em 1996 na Escócia.
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Dez anos depois da publicação, que chocou o planeta por
abrir a possibilidade de reprodução sem a participação de
dois pais -e escancarou para o
público as portas do arsenal da
biotecnologia, para o bem e para o mal-, o futuro da clonagem não parece tão brilhante.
Várias empresas que apostavam na clonagem animal como
forma de produzir remédios
para seres humanos fecharam
as portas. A mais ilustre delas
foi a PPL Therapeutics, que co-patricinou a produção de Dolly.
O outro flanco da tecnologia,
a produção de células-tronco
embrionárias humanas sob
medida (a chamada clonagem
terapêutica), ainda tenta se recuperar do escândalo do caso
Woo-Suk Hwang, o cientista
coreano que fraudou resultados de pesquisas na área.
Campbell, 52, foi o criador da
técnica da transferência nuclear (pela qual o núcleo de
uma célula é fundido a um óvulo sem núcleo e "convencido" a
se dividir como um embrião),
que tornou a clonagem possível. Ele diz que a promessa da
tecnologia de produzir terapias
e novas drogas em um prazo
curto "foi exagerada", mas que
sua invenção tem um potencial
enorme, ofuscado sobretudo
nos EUA e na Europa pela resistência aos transgênicos.
Nesses países, "o lobby antimodificação genética interrompeu o desenvolvimento de
várias aplicações".
Em entrevista à Folha, concedida por telefone de sua sala
na Universidade de Nottingham, Campbell defendeu sua
área de pesquisa e falou de sua
ovelha favorita.
FOLHA - A publicação da criação de
Dolly completa uma década na semana que vem. A clonagem cumpriu sua promessa?
KEITH CAMPBELL - Sim e não. A
clonagem de animais já foi aplicada a um amplo número de espécies. Nós já entendemos
mais os fundamentos do processo. Mas a eficiência ainda é
baixa. O problema é que nós
nunca pensamos nisso como
um método para produzir um
grande número de animais. A
idéia era introduzir mudanças
genéticas nos animais, ou produzir um número pequeno de
animais com um grande perfil
genético. Eu acho que as aplicações têm sido objeto de politicagem sobre a imagem da indústria da biotecnologia.
No final dos anos 1990, a indústria da biotecnologia teve
dificuldades e várias empresas
fecharam. A PPL Therapeutics
[empresa que co-produziu
Dolly] fechou. Isso é relevante
na Europa e na América do
Norte, onde o lobby antimodificação genética interrompeu o
desenvolvimento de várias
aplicações potencialmente
úteis. Se você olhar para os países asiáticos e do Pacífico, eles
estão realmente indo adiante
nas aplicações da tecnologia da
clonagem para proteínas humanas, resistência a doenças,
melhoramento animal e transplante. A Europa e da América
do Norte não utilizaram ao máximo as oportunidades.
FOLHA - Então, o fato de Europa e a
América do Norte não aproveitarem
as oportunidades da tecnologia se
deve à resistência do público?
CAMPBELL - Minha opinião pessoal é que sim, em parte é a opinião do público contra a modificação genética, que foi alimentada pelo debate sobre os
alimentos transgênicos. A Europa tem caminhado na direção da produção orgânica. Para
ser sincero, eu acho que se nós
pudermos fazer animais resistentes a doenças, nós não teremos de ter tantos antibióticos
ou outros tratamentos. Os animais transgênicos, na prática,
são um método de produção
agrícola orgânico.
FOLHA - Um pesquisador de Harvard acaba de publicar um livro no
qual afirma que as empresas de biotecnologia são tão perdedoras de dinheiro que ele não consegue entender como elas sobrevivem. O sr. concorda com esse argumento?
CAMPBELL - Até certo ponto,
sim. Há duas questões aqui.
Uma é a escala de tempo na
qual as pessoas acreditavam
que nós fôssemos conseguir
um retorno. Isso jamais seria
num prazo curto.
FOLHA - A promessa não foi um
tanto exagerada?
CAMPBELL - Quanto à escala de
tempo, sim, foi exagerada, talvez. As grandes farmacêuticas
gastam fortunas para colocar
novas drogas no mercado. mas
a razão pela qual elas podem
sobreviver é que elas já têm
drogas no mercado. Assim, você ganha dinheiro e pode bancar o desenvolvimento de novas drogas. É por isso que a
maior parte das novas drogas
vem de grandes empresas. Para
que empresas pequenas possam desenvolver novos produtos, elas precisam de muito
tempo. Veja os animais transgênicos. Os animais transgênicos que produzem drogas no
leite começaram a ser desenvolvidos na década de 1980. E o
primeiro produto chegou ao
mercado no ano passado.
FOLHA - E a clonagem terapêutica?
CAMPBELL - Isso ainda não funcionou. Se pudermos fazer funcionar, será ótimo. Mas o problema é que há muito poucos
óvulos humanos disponíveis.
Então eu não acho que será viável produzir células-tronco
embrionárias para todo mundo
no mundo por meio da clonagem terapêutica, porque não
haverá óvulos humanos o suficiente. E ainda por cima há essas pequenas objeções éticas e
religiosas à produção dos embriões e à sua destruição para a
produção de células-tronco.
FOLHA - Desde o surgimento de
Dolly nós temos visto vários lunáticos anunciando a clonagem reprodutiva humana. Quando o sr. vê essas notícias, o sr. pensa algo como
"Deus do céu, o que foi que eu fiz?"
CAMPBELL - Não é o que eu fiz. O
que me aborrece é que as pessoas dão corda a essas visões,
porque isso vende jornal. Então, as pessoas podem dizer o
que elas quiserem e, infelizmente, isso acaba traduzido em
reportagens sérias. [A seita
dos] raelianos... sabe, sem prova científica nenhuma! Eles
não tinham nem mesmo a capacidade de entender aquilo
que estavam anunciando.
FOLHA - O sr. acha que a clonagem
reprodutiva humana virá a ser feita?
CAMPBELL - Seria um equívoco
completo, dado o que sabemos
sobre a clonagem animal e as
anormalidades com as quais
precisamos lidar. Os animais só
vivem 15 ou 20 anos. Mesmo
que achássemos que resolvemos os problemas da clonagem
animal, não saberíamos quais
seriam os potenciais efeitos no
longo prazo em seres humanos.
FOLHA - A fraude envolvendo o coreano Woo-Suk Hwang levou a clonagem de volta à estaca zero?
CAMPBELL - Não acho que tenha
feito regredir ao zero. Eu acho
que teve um grande efeito na
clonagem terapêutica humana,
mas acho que o episódio fez as
pessoas pararem por um momento para pensar sobre a biologia do processo. Espero que
não seja um efeito duradouro.
FOLHA - O quão ruim é a reputação
da biotecnologia e em especial da
clonagem na cabeça do público?
CAMPBELL - Há dois problemas
com o público. Um é ignorância. Eles não foram educados
sobre quais são os potenciais
benefícios da clonagem. E há
tantos benefícios que eu acho
que nós temos de continuar.
Mesmo que seja só como uma
ferramenta de pesquisa, para
entender o que dá errado em
embriões normais.
FOLHA - O sr. então vê mais benefício na clonagem como ferramenta
de pesquisa que terapia?
CAMPBELL - As duas coisas. A
FDA recentemente relatou que
não há nenhum problema em
comer clones ou as crias de clones. A clonagem nos dá a habilidade de reter animais de grande mérito genético e disseminar essa genética mais amplamente do que nunca. Além disso, há várias outras aplicações,
como preservar animais de
criação raros. Há o potencial
em várias outras espécies para
produzir animais que modelem
doenças humanas, porque hoje
nós só temos camundongos para fazer esses estudos e, você
sabe, os camundongos são uma
criatura muito pequena e não
muito parecida com humanos.
Podemos usar modificação genética em porcos para simular
doenças humanas e buscar novos tratamentos. Podemos produzir células-tronco embrionárias de pessoas com doenças
genéticas raras e usá-las para
testar drogas.
FOLHA - No que o sr. está trabalhando no momento?
CAMPBELL - Estamos tentando
obter células-tronco embrionárias de animais de criação,
para usá-las na modelagem de
terapias humanas ou mesmo
terapias para animais. A terapia
celular com células-tronco embrionárias pode não ser aplicável somente a humanos. Ela pode ter usos em animais, como a
produção de osso e cartilagem
em cavalos de corrida com perna quebrada, por exemplo.
FOLHA - Que avanços foram feitos
para resolver os problemas de regulação genética que adoeceram Dolly
no fim da vida?
CAMPBELL - Dolly não estava
doente no fim da vida. Ela não
morreu de alguma conseqüência da clonagem. Dolly morreu
de uma infecção viral, que causa em ovelhas o equivalente ao
câncer de pulmão.
FOLHA - Mas ela teve atrite.
CAMPBELL - Ela teve artrite, mas
não se sabe se isso se deveu à
clonagem, a algum problema
genético ou ao fato de que ela se
apoiava muito nas patas traseiras para pedir comida. Ou, como um amigo meu disse uma
vez, se eu passasse seis anos
num celeiro na Escócia, eu
também teria artrite (risos). É
frio e úmido!
FOLHA - Quais são as suas lembranças de Dolly? Parece que ela tinha uma queda por câmeras...
CAMPBELL - Ela gostava de câmeras porque as associava a comida. Todo mundo dava comida para fazê-la chegar perto,
para que pudesse ser fotografada. Ela gostava de gente e de comida. Era uma ovelha muito
sociável, de personalidade.
FOLHA - Ian Wilmut disse no ano
passado num tribunal que ele não tinha feito Dolly e que 66% do crédito
era do sr. Como está essa questão?
CAMPBELL - Nada mudou muito.
Fazer Dolly foi um trabalho de
equipe. Mas eu fui a pessoa que
colocou as idéias científicas
nesse trabalho. Eu fui o inventor da tecnologia, mas trabalhei
dentro da equipe de Wilmut.
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