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São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2003

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ELIO GASPARI

O perigoso asteróide Bush

"Vamos ver", essa era a resposta de George W. Bush às pessoas que duvidavam da sua capacidade de governar os Estados Unidos. Pelo que se viu até hoje, ele disputa o título de pior presidente do século passado. Tem a agressividade de Theodore Roosevelt, mas faltam-lhe a cultura e a valentia pessoal (um lutou em Cuba e se exercitava nas montanhas, o outro fugiu do Vietnã e corre na esteira). Vai a uma guerra contra um ditador sanguinário sem o mandato internacional de seu pai em 1991, o equilíbrio de John Kennedy na crise dos mísseis de Cuba em 1962 e, nem de longe, a autoridade de Franklin Roosevelt em 1941.
George W. Bush faz tudo para parecer um homem decidido, mas se parece mais com aqueles imperadores romanos de filmes americanos de segunda categoria.
Envolveu os Estados Unidos em tamanha histeria patriótica que mal se discutem alguns detalhes inquietantes de sua máquina de guerra. O general Tommy Franks, que vai comandá-la, diz que não sabe ligar um computador. Mesmo assim, mandou montar uma biga de guerra ao custo de US$ 400 mil. É um tanque cibernético construído sobre o chassi de um lançador de mísseis. Vem com a previsão de que enguiçará logo que se torne necessário. Por essa e outras razões, fabricaram-se quatro. Franks foi repreendido por ter discutido assuntos secretos na presença da mulher, Cathy. Foi aliviado da acusação de ter agido impropriamente ao designar guarda-costas para protegê-la e um assistente para acompanhá-la. O secretário de Estado Colin Powell (ele mesmo um destacado general da última guerra) tornou-se uma figura patibular, autojustificativa, capaz de sustentar posições opostas com o desembaraço de um mercador.
O patriotismo americano, uma das forças motrizes de sua sociedade, foi confundido com a denominação das batatas fritas no restaurante da Câmara dos Deputados. A política de Bush, por inepta, uniu boa parte do continente europeu em torno de uma contradita. Tem a seu lado, na militância, só a Espanha. Encrencou o governo e a base trabalhista do primeiro-ministro Tony Blair. Com umas poucas mãos de cartas, reconduziu a política européia a marcos anteriores à guerra de 1914. Nesse sentido, talvez o mundo venha a dever a Bush o pontapé que permitiu um renascimento do ideal de civilização europeu. Uma civilização com escolas, saúde e aposentadorias públicas, tudo aquilo que os americanos chamam de atrasado. Fez do antiamericanismo um meio de vida, para satisfação de várias gerações de mistificadores do Terceiro Mundo.
Jamais um senhor da guerra entrou numa briga tão forte quanto ao desfecho e tão fraco quanto às consequências. Depois do colapso da União Soviética, do comunismo e da idéia revolucionária, os americanos passaram a povoar seu imaginário com asteróides, naves e vírus capazes de ameaçar a civilização. Ao mesmo tempo em que os cinemas divertiam o público com o patriotismo do estilo "Independence Day", outra corrente de diversão retratava o presidente dos Estados Unidos como um charlatão cínico, eventualmente depravado. Pois aconteceu o impensável. A ameaça não vem do asteróide, mas do presidente dos Estados Unidos, que nada tem de charlatão, muito menos de cínico ou depravado. É assombrosamente verdadeiro, simples.
George W. Bush joga seu país numa guerra contra um tirano sanguinário do Terceiro Mundo, convencido de que faz o certo, pelo bem de seu povo. A complicação está no fato de que o mundo pode conviver com tiranos do Terceiro Mundo. Já se acostumou com eles. O que não se sabe é como conviver com esse tipo de presidente americano. É esse o verdadeiro "vamos ver".


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