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ELIO GASPARI
O perigoso asteróide Bush
"Vamos ver", essa era a
resposta de George W.
Bush às pessoas que duvidavam
da sua capacidade de governar
os Estados Unidos. Pelo que se
viu até hoje, ele disputa o título
de pior presidente do século passado. Tem a agressividade de
Theodore Roosevelt, mas faltam-lhe a cultura e a valentia
pessoal (um lutou em Cuba e se
exercitava nas montanhas, o
outro fugiu do Vietnã e corre na
esteira). Vai a uma guerra contra um ditador sanguinário sem
o mandato internacional de seu
pai em 1991, o equilíbrio de John
Kennedy na crise dos mísseis de
Cuba em 1962 e, nem de longe, a
autoridade de Franklin Roosevelt em 1941.
George W. Bush faz tudo para
parecer um homem decidido,
mas se parece mais com aqueles
imperadores romanos de filmes
americanos de segunda categoria.
Envolveu os Estados Unidos
em tamanha histeria patriótica
que mal se discutem alguns detalhes inquietantes de sua máquina de guerra. O general
Tommy Franks, que vai comandá-la, diz que não sabe ligar um
computador. Mesmo assim,
mandou montar uma biga de
guerra ao custo de US$ 400 mil.
É um tanque cibernético construído sobre o chassi de um lançador de mísseis. Vem com a
previsão de que enguiçará logo
que se torne necessário. Por essa
e outras razões, fabricaram-se
quatro. Franks foi repreendido
por ter discutido assuntos secretos na presença da mulher,
Cathy. Foi aliviado da acusação
de ter agido impropriamente ao
designar guarda-costas para
protegê-la e um assistente para
acompanhá-la. O secretário de
Estado Colin Powell (ele mesmo
um destacado general da última
guerra) tornou-se uma figura
patibular, autojustificativa, capaz de sustentar posições opostas com o desembaraço de um
mercador.
O patriotismo americano,
uma das forças motrizes de sua
sociedade, foi confundido com a
denominação das batatas fritas
no restaurante da Câmara dos
Deputados. A política de Bush,
por inepta, uniu boa parte do
continente europeu em torno de
uma contradita. Tem a seu lado, na militância, só a Espanha.
Encrencou o governo e a base
trabalhista do primeiro-ministro Tony Blair. Com umas poucas mãos de cartas, reconduziu
a política européia a marcos anteriores à guerra de 1914. Nesse
sentido, talvez o mundo venha a
dever a Bush o pontapé que permitiu um renascimento do ideal
de civilização europeu. Uma civilização com escolas, saúde e
aposentadorias públicas, tudo
aquilo que os americanos chamam de atrasado. Fez do antiamericanismo um meio de vida,
para satisfação de várias gerações de mistificadores do Terceiro Mundo.
Jamais um senhor da guerra
entrou numa briga tão forte
quanto ao desfecho e tão fraco
quanto às consequências. Depois do colapso da União Soviética, do comunismo e da idéia
revolucionária, os americanos
passaram a povoar seu imaginário com asteróides, naves e vírus capazes de ameaçar a civilização. Ao mesmo tempo em que
os cinemas divertiam o público
com o patriotismo do estilo "Independence Day", outra corrente de diversão retratava o presidente dos Estados Unidos como
um charlatão cínico, eventualmente depravado. Pois aconteceu o impensável. A ameaça
não vem do asteróide, mas do
presidente dos Estados Unidos,
que nada tem de charlatão,
muito menos de cínico ou depravado. É assombrosamente
verdadeiro, simples.
George W. Bush joga seu país
numa guerra contra um tirano
sanguinário do Terceiro Mundo, convencido de que faz o certo, pelo bem de seu povo. A complicação está no fato de que o
mundo pode conviver com tiranos do Terceiro Mundo. Já se
acostumou com eles. O que não
se sabe é como conviver com esse
tipo de presidente americano. É
esse o verdadeiro "vamos ver".
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