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Até a PF teve prédio erguido por acerto de empreiteiras
Inquérito constata que construtoras burlaram concorrência para a sede do INC
Empresa que abandonou a licitação para fazer a obra confirmou ter feito acerto "por fora" com a Gautama, que venceu a concorrência
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL
O esquema usado por empreiteiras para driblar os processos de licitação e repartir
contratos públicos "por fora"
não poupou nem a obra do prédio onde trabalham os peritos
da Polícia Federal que investigam os "consórcios paralelos".
Auditoria do governo federal
e inquérito da PF constataram
que quatro construtoras fizeram um pacto a fim de burlar a
concorrência para a construção
da nova sede do Instituto Nacional de Criminalística.
Os peritos do INC são justamente aqueles que analisaram
os documentos apreendidos
em quatro operações policiais
(Castelo de Areia, Caixa Preta,
Aquarela e Faktor -ex-Boi
Barrica) e verificaram que, em
todo o país, as empreiteiras fecham previamente acordos à
margem das licitações para dividir a execução das obras e os
respectivos pagamentos. Os
"consórcios paralelos" foram
motivo de série de reportagens
da Folha nesta semana.
No caso do prédio do INC,
obra iniciada em 2002 e concluída em 2005, as empresas
fraudadoras da licitação colocaram em contrato as cláusulas
do acerto, no qual detalharam
toda a divisão "por fora".
O acordo veio à tona porque
a empreiteira que venceu a
concorrência, a Gautama, deu
um calote nas demais, o que levou uma das "prejudicadas", a
construtora Atlanta, a entrar
com uma ação na Justiça para
fazer valer o esquema paralelo.
O protesto da Atlanta, porém, saiu pela culatra: ela não
só perdeu a ação, como a Justiça ainda encaminhou a documentação à PF, que abriu um
inquérito sobre o caso. A Folha
obteve cópia desses papéis, que
posteriormente chegaram à
Controladoria-Geral da União.
Em 2008, o Ministério Público Federal já suspeitava da
existência de um "consórcio
paralelo" por trás das obras do
INC. Na época, entrou com
uma ação para anular o contrato entre a Gautama e a PF, pedindo a devolução de R$ 20,7
milhões aos cofres públicos.
Mas foi só em setembro de
2009 que a CGU concluiu o
processo administrativo comprovador da fraude. As quatro
empresas envolvidas no con-
luio (Gautama, Atlanta, Habra
e Vértice) foram declaradas
inidôneas. Não podem participar de concorrências públicas
por, no mínimo, dois anos.
A Gautama tornou-se nacionalmente conhecida em 2007
como alvo da PF na Operação
Navalha, que apontou superfaturamento e desvio de dinheiro
público em obras espalhadas
pelo país. O dono, Zuleido Veras, chegou a ser preso.
O edital para a construção do
prédio do INC, localizado ao lado da Superintendência da PF
no Distrito Federal, foi lançado
em outubro de 2001. Dias depois, naquele mesmo mês, as
quatro empreiteiras assinaram
um "protocolo de intenções"
pelo qual estabeleciam que, caso a Gautama ganhasse a concorrência, a execução da obra e
os pagamentos seriam divididos assim: a Gautama ficaria
com 67% do empreendimento,
e as demais, com 11% cada uma.
Em 6 de dezembro, a Gautama
assinou o contrato com a PF.
Na ação protocolada em
março de 2004 na Justiça, a
Atlanta reconheceu que, uma
vez fechado o acordo clandestino, abandonou a concorrência
para facilitar o caminho da
Gautama: "Feito tal ajuste, declinou a autora de participar
diretamente da licitação, posto
estarem acertadas na execução
compartilhada da obra, caso
fosse a ré a vencedora do certame, como tudo indicava, e efetivamente veio a ocorrer", escreveu a empreiteira, que pedia
indenização de R$ 278 mil pelo
descumprimento do acerto.
"Apesar da aparência de legalidade conferida pelo nome
de "protocolo de intenções", o
que as citadas empresas acordaram foi a prática de um ilícito destinado a fraudar o caráter
competitivo do certame", escreveram os auditores da CGU.
Segundo eles, as quatro empreiteiras infringiram a Lei de
Licitações. A concorrência para o INC não permitia a formação de consórcios, o que tornou
a irregularidade mais óbvia.
O escândalo dos "consórcios
paralelos" já levou à malha fina
da PF e das polícias estaduais
grandes empreiteiras do país e
obras importantes como os
metrôs de Rio, Brasília, Fortaleza, Salvador e Porto Alegre e
a BR-101. As investigações, porém, foram bloqueadas pelo
Superior Tribunal de Justiça.
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