São Paulo, sexta-feira, 19 de março de 2010

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Até a PF teve prédio erguido por acerto de empreiteiras

Inquérito constata que construtoras burlaram concorrência para a sede do INC

Empresa que abandonou a licitação para fazer a obra confirmou ter feito acerto "por fora" com a Gautama, que venceu a concorrência


LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

O esquema usado por empreiteiras para driblar os processos de licitação e repartir contratos públicos "por fora" não poupou nem a obra do prédio onde trabalham os peritos da Polícia Federal que investigam os "consórcios paralelos".
Auditoria do governo federal e inquérito da PF constataram que quatro construtoras fizeram um pacto a fim de burlar a concorrência para a construção da nova sede do Instituto Nacional de Criminalística.
Os peritos do INC são justamente aqueles que analisaram os documentos apreendidos em quatro operações policiais (Castelo de Areia, Caixa Preta, Aquarela e Faktor -ex-Boi Barrica) e verificaram que, em todo o país, as empreiteiras fecham previamente acordos à margem das licitações para dividir a execução das obras e os respectivos pagamentos. Os "consórcios paralelos" foram motivo de série de reportagens da Folha nesta semana.
No caso do prédio do INC, obra iniciada em 2002 e concluída em 2005, as empresas fraudadoras da licitação colocaram em contrato as cláusulas do acerto, no qual detalharam toda a divisão "por fora".
O acordo veio à tona porque a empreiteira que venceu a concorrência, a Gautama, deu um calote nas demais, o que levou uma das "prejudicadas", a construtora Atlanta, a entrar com uma ação na Justiça para fazer valer o esquema paralelo.
O protesto da Atlanta, porém, saiu pela culatra: ela não só perdeu a ação, como a Justiça ainda encaminhou a documentação à PF, que abriu um inquérito sobre o caso. A Folha obteve cópia desses papéis, que posteriormente chegaram à Controladoria-Geral da União.
Em 2008, o Ministério Público Federal já suspeitava da existência de um "consórcio paralelo" por trás das obras do INC. Na época, entrou com uma ação para anular o contrato entre a Gautama e a PF, pedindo a devolução de R$ 20,7 milhões aos cofres públicos.
Mas foi só em setembro de 2009 que a CGU concluiu o processo administrativo comprovador da fraude. As quatro empresas envolvidas no con- luio (Gautama, Atlanta, Habra e Vértice) foram declaradas inidôneas. Não podem participar de concorrências públicas por, no mínimo, dois anos.
A Gautama tornou-se nacionalmente conhecida em 2007 como alvo da PF na Operação Navalha, que apontou superfaturamento e desvio de dinheiro público em obras espalhadas pelo país. O dono, Zuleido Veras, chegou a ser preso.
O edital para a construção do prédio do INC, localizado ao lado da Superintendência da PF no Distrito Federal, foi lançado em outubro de 2001. Dias depois, naquele mesmo mês, as quatro empreiteiras assinaram um "protocolo de intenções" pelo qual estabeleciam que, caso a Gautama ganhasse a concorrência, a execução da obra e os pagamentos seriam divididos assim: a Gautama ficaria com 67% do empreendimento, e as demais, com 11% cada uma. Em 6 de dezembro, a Gautama assinou o contrato com a PF.
Na ação protocolada em março de 2004 na Justiça, a Atlanta reconheceu que, uma vez fechado o acordo clandestino, abandonou a concorrência para facilitar o caminho da Gautama: "Feito tal ajuste, declinou a autora de participar diretamente da licitação, posto estarem acertadas na execução compartilhada da obra, caso fosse a ré a vencedora do certame, como tudo indicava, e efetivamente veio a ocorrer", escreveu a empreiteira, que pedia indenização de R$ 278 mil pelo descumprimento do acerto.
"Apesar da aparência de legalidade conferida pelo nome de "protocolo de intenções", o que as citadas empresas acordaram foi a prática de um ilícito destinado a fraudar o caráter competitivo do certame", escreveram os auditores da CGU. Segundo eles, as quatro empreiteiras infringiram a Lei de Licitações. A concorrência para o INC não permitia a formação de consórcios, o que tornou a irregularidade mais óbvia.
O escândalo dos "consórcios paralelos" já levou à malha fina da PF e das polícias estaduais grandes empreiteiras do país e obras importantes como os metrôs de Rio, Brasília, Fortaleza, Salvador e Porto Alegre e a BR-101. As investigações, porém, foram bloqueadas pelo Superior Tribunal de Justiça.


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