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Fraude com recursos para festas repete "sanguessuga"
Emendas direcionam R$ 53 milhões do Ministério do Turismo a ONGs ligadas a políticos
PF e órgãos de controle do governo apuram esquema de propina similar ao usado na compra de ambulâncias superfaturadas em 2006
DIMMI AMORA
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Políticos estão fazendo, literalmente, a festa com dinheiro
público. Associam-se a ONGs
para conseguir recursos do Ministério do Turismo e realizar
eventos festivos, num esquema
que muitas vezes envolve fraudes e tira proveito de falhas de
fiscalização do governo federal.
A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União investigam corretagem de emendas
parlamentares, pagamento de
propina a quem libera a verba e
uso de notas frias.
O esquema é similar ao conhecido como a máfia dos sanguessugas, que eclodiu em
2006 e consistia no superfaturamento de ambulâncias compradas com recursos provenientes de emendas apresentadas pelos congressistas ao Orçamento da União.
Entre as 50 ONGs que mais
receberam dinheiro do Turismo para organizar festas entre
2007 e 2009, a Folha identificou que 26 têm relação direta
com políticos e partidos. As entidades receberam R$ 53 milhões no período.
Pelo menos nove deputados
federais beneficiaram-se dos
recursos, seja diretamente ou
por meio de assessores ou doadores de campanha. São eles:
Armando Monteiro (PTB-PE),
Sandro Mabel (PR-GO), Alfredo Kaefer (PSDB-TO), Geraldo
Magela (PT-DF), José Ayrton
(PT-CE), Sandes Júnior (PP-GO), Rodovalho (PR-DF), Rômulo Gouveia (PSDB-PB) e
Leo Alcântara (PR-CE).
Além disso, há entidades
contempladas e subcontratadas que são ligadas a deputados, vereadores e assessores.
É o caso do IEC (Instituto
Educar e Crescer), de Brasília.
Fundado em 2005, recebeu R$
1,3 milhão para o 2º Circuito
Goiano de Rodeios e subcontratou a Companhia de Rodeios
Luiz Maronezzi, do filho do tesoureiro do PR de Goiás. A
emenda para que o IEC realizasse a festa foi do presidente
do partido no Estado, deputado
Sandro Mabel.
Mais verba
Na primeira gestão do presidente Lula, o governo federal
gastou R$ 116,5 milhões para a
realização de festas e eventos.
Nos três últimos anos do atual
mandato, esse valor chegou a
R$ 601,2 milhões.
De 2007 a 2009, 69% da verba foi transferida diretamente
para governos estaduais e prefeituras, onde rotineiramente
são encontrados problemas nas
prestações de contas. Os outros
31% (R$ 187,2 milhões) foram
para ONGs, que podem receber
recursos sem concorrência pública.
Do dinheiro destinado às festas em 2010, só 5% foi previsto
pela pasta. O restante foi incluído por congressistas. A prática
de inflar o orçamento do ministério com emendas começou
em 2003. No ano passado, 88%
de todos os recursos da pasta tiveram esta origem.
O orçamento só para festas
neste ano é de R$ 765 milhões,
quase oito vezes superior ao de
2006. Como o valor máximo de
um evento patrocinado é de R$
300 mil, se todo o recurso fosse
utilizado poderiam ser realizadas 2.550 festas no país.
A maioria dos parlamentares
não especifica o beneficiário
dos recursos na elaboração do
orçamento. Para ter flexibilidade, escolhe uma modalidade de
emenda mais genérica que permita definir posteriormente
para onde vai a verba.
A liberação dos recursos segue o seguinte roteiro: as entidades apresentam projetos e os
parlamentares enviam carta ao
ministro indicando valor e nomes dos destinatários da verba.
Assustado com a voracidade
recente dos congressistas e
com a suspeita de fraudes, o
próprio ministério tomou a iniciativa de municiar com informações e documentos a Polícia
Federal e a Controladoria-Geral da União, que apuram irregularidades no caminho do dinheiro -do pedido do Congresso às prestações de contas.
As investigações ainda não
foram centralizadas e a maioria
delas está sob sigilo.
Procuradores do Ministério
Público Federal de Pernambuco e de Goiás, por exemplo,
apuram ramificações do esquema em seus Estados. Em Goiás,
identificaram que um representante de uma ONG teve 20
entradas registradas no Congresso em seis meses.
Corretagem
Segundo investigadores ouvidos pela Folha, as irregularidades começam no Congresso,
ainda na fase de apresentação
de emendas, com pagamento
de comissão a deputados ou a
funcionários de gabinetes, como no caso dos sanguessugas.
Ofertado por representantes
de ONGs ou exigido pelos gabinetes, o pagamento é calculado
por meio de um percentual do
valor da emenda.
No Ministério do Turismo,
auditorias já identificaram casos de recursos repassados para organizações que mal tinham sido abertas e cuja finalidade não era a realização de
eventos. Não havia avaliação
sobre a capacidade dessas
ONGs de realizar festas.
Além disso, a aprovação do
projeto, a assinatura do contrato e a autorização para gastar
os recursos aconteceram diversas vezes num único dia, num
procedimento incomum na administração pública. A prática
cria o que os técnicos chamam
de "corrida por notinhas" para
comprovar os gastos.
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