São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2006

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ELEIÇÕES 2006

"A elite virou a explicação para tudo no Brasil, do bicho-de-pé à dor no fígado", afirma cientista político vinculado ao PSDB

Intelectual diz que agora tudo é culpa da elite

DA REDAÇÃO

O cientista político Bolivar Lamounier, 63, criticou as declarações do governador Cláudio Lembo à Folha. Intelectual filiado ao PSDB e bastante próximo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Lamounier disse que estranhou as declarações do pefelista e considerou sua argumentação inteiramente equivocada.
"Eu acho que no Brasil tá se alastrando esse negócio de [culpar a] "elite". É tão tensa a situação do país. Nos deixa tão perplexos imaginar que há 25 anos, 30 anos atrás não havia essa criminalidade, e de repente ela está aí nessa escala. As pessoas ficam perplexas e ficam procurando explicações açodadas, precipitadas, e acabam inventando explicações que são completamente erradas. A elite virou a explicação para tudo no Brasil, do bicho-de-pé à dor no fígado. Tudo é culpa da elite."
De acordo com o cientista político, o governador recorreu a um esquema explicativo muito simplista: "Ele acabou dizendo que os ricos são culpados do mal, portanto, os pobres são isentos do mal. Não é isso que estamos discutindo, o que estamos discutindo é o crime: os criminosos organizados são empreendedores do crime, empresários do crime". Na avaliação do cientista político, "enfiar o assunto branco-preto no meio foi mais infeliz ainda".
Lamounier disse que é difícil compreender as razões que levaram o governador a criticar a elite: "Acho difícil compreender por que ele falou isso porque não me parece que seja a visão de mundo que ele transmite. Eu fiquei muito surpreso. Ele é um homem de muita capacidade intelectual. Eu achei que isso [a entrevista] foi um grande equívoco".
O cientista político, que no ano passado lançou "Da Independência a Lula - Dois Séculos de Política Brasileira", pela editora Augurium, atribuiu as declarações à pressão e ao isolamento do governador durante a crise provocada pela ofensiva do PCC (Primeiro Comando da Capital): "Conheço muito bem o governador há muitos anos e não me lembro dele dizer nada nessa linha. Acho que foi a pressão que ele viveu, alguma introspecção que ele passou após o caos que ele viveu, desatou a refletir sobre o assunto e infelizmente refletiu de maneira infeliz".

Críticas ao PSDB
Esse isolamento de Lembo também seria a razão para suas críticas aos políticos do PSDB -Fernando Henrique Cardoso, José Serra e até Geraldo Alckmin: "Sou levado a crer que, em meio a tensão que ele passou, ele não tenha recebido suficiente atenção. Talvez ele tivesse se sentido muito sozinho, muito sem apoio. Mas acho impossível ser diferente, porque foi uma emergência. Ele falou de uma maneira muito fora de foco, muito fora do que se espera dele normalmente. Ele foi extremamente infeliz nas declarações. Elas não refletem bem o que ele normalmente diz e pensa. Foi um grande equívoco dizer isso".
Apesar disso, Lamounier não acredita que a entrevista possa ter um impacto eleitoral, mesmo considerando as dificuldades enfrentadas pelo presidenciável Geraldo Alckmin: "O ex-governador Geraldo Alckmin já se licenciou há dois meses. Ninguém pode prever se uma coisa [a ofensiva do PCC] vai acontecer ou não. Aconteceu com o substituto do governador. Quem tentou utilizar isso politicamente foi o [Ricardo] Berzoini, o Tarso Genro. O governador, eu acho que ele foi só infeliz. Devido à tensão que estava vivendo, talvez muito introspectivo, acabou suscitando hipóteses que não são usuais dele e que são erradas. Ele acabou esposando aquela teoria do bom selvagem de [ Jean-Jacques] Rousseau, que ele explicitamente descarta na própria entrevista. Foi extremamente incoerente". (MAURICIO PULS)


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