São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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LAVOURA ARCAICA

Setenta trabalhadores foram resgatados de região conhecida como Terra do Meio pela Força Aérea Brasileira na semana passada

Sudoeste do Pará é novo foco de escravidão

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL AO SUL DO PARÁ

A Terra do Meio, uma área de floresta densa entre os rios Xingu e Iriri, no sudoeste do Estado do Pará, é o novo foco de ocorrência de trabalho escravo na região Norte do País.
Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a Terra do Meio abrange uma área de cerca de 8 milhões de hectares, pertencentes à União e ao Pará, mas já apresenta vários pontos de desmatamento.
Na quinta-feira passada, 70 trabalhadores foram resgatados por um avião Búfalo da FAB (Força Aérea Brasileira) de um local que estava sendo desmatado para os fins de formação de pastagem e criação de gado.
Um trabalhador fugiu do local, em abril, com a ajuda de um barqueiro, e denunciou as condições de trabalho à Polícia Rodoviária Federal, em Altamira. Os policiais o enviaram de ônibus a Marabá (sudoeste do Pará), onde prestou depoimento na Delegacia Regional do Trabalho.
Entre a denúncia e o resgate dos trabalhadores passaram-se mais de dois meses. Segundo o Ministério do Trabalho, a demora deveu-se às dificuldades de identificação e de acesso ao local. A FAB cedeu quatro helicópteros ao Ministério do Trabalho para que a operação fosse realizada
O fugitivo ficou em um abrigo da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Marabá até a chegada dos fiscais. Ele falou à reportagem da Folha no início de julho, quando, por questão de segurança, foi identificado com o nome fictício de José Nonato.
Nonato, 42, analfabeto, disse que mora com a mãe e cinco irmãos em um sítio em Caxias (MA) e que todos os anos, em novembro, deixa sua propriedade para trabalhar, por empreitada, em fazendas no Pará, para complementar a renda familiar.
No último novembro, ele saiu de Caxias com mais nove trabalhadores e foi contratado por um empreiteiro de mão-de-obra, o ""gato", na rodoviária de Redenção (sul do Pará). Eles foram levados à Terra do Meio por barco.
Nonato disse que chegou à fazenda no dia 8 de novembro e que trabalhou até 27 de abril, sem receber salário. Ele decidiu fugir depois que pediu um adiantamento ao "gato" e foi informado de que ele e os conterrâneos estariam devendo R$ 3.700 e não teriam direito a pagamento.
Segundo ele, tinha sido combinado o pagamento de R$ 90 por alqueire desmatado, livre de despesas, mas a comida, remédios e até os instrumentos de trabalho eram vendidos a preços majorados pelo empreiteiro, para desconto no salário.

Motosserra
O trabalhador rural Jesualdo Alves de Souza, 45, localizado pela reportagem em Redenção, disse que trabalhou durante dois meses (em maio e junho) como operador de motosserra em uma fazenda na Terra do Meio e que os trabalhadores eram vigiados por 15 homens armados.
Ele afirmou que viajou 380 km por terra e navegou durante dois dias em uma balsa até chegar à fazenda e que não sabe o nome da propriedade, porque não havia placa de identificação.
Jesualdo disse que os trabalhadores atuavam em equipes de três operadores de motosserra e um auxiliar. Trabalhavam, segundo ele, até aos domingos, dormiam em barracas construídas com teto de plástico, sem paredes, e não podiam deixar a fazenda antes do fim da empreitada.

Relatório do governo
Reportagem da Folha publicada ontem mostrou que, também no Pará, além de Rondônia e Tocantins, modernas fazendas de criação de gado estão sendo punidas e autuadas pelo governo federal por exploração de trabalhadores.
Levantamento feito em relatórios do Ministério do Trabalho mostrou que o uso de mão-de-obra escrava está presente em grandes empreendimentos agrícolas para a exportação e em fazendas de criação de gado.


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