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ALOIZIO MERCADANTE
Líder critica meta de inflação de 2005, mas diz que superávits permitem modelo próprio de desenvolvimento
Governo Lula reverte lógica da receita neoliberal, diz senador
MARCIO AITH
EDITOR DE DINHEIRO
É curiosa a natureza da relação
do senador e economista Aloizio
Mercadante com o poder.
Por pertencer ao núcleo histórico do PT e ser líder do governo no
Senado, divide com ele o ônus de
administrar o país.
No entanto, como parlamentar,
não influi diretamente na orientação econômica do ministro Antonio Palocci (Fazenda), da qual
discorda em vários aspectos.
Em entrevista à Folha, Mercadante, 50, reforçou os dois aspectos de seu cargo. Disse que há
uma forte retomada econômica e
que o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva já "conseguiu reverter a
lógica do modelo neoliberal" ao
virar a balança comercial e reduzir a dependência externa do país
de capitais externos. No entanto,
criticou a decisão do CMN de
manter a meta de inflação de 4,5%
para 2005 e, contrariando entrevista recente de Palocci ao "Financial Times", negou que o governo
estude encaminhar projeto de autonomia do BC no ano que vem.
Folha - O sr. defendia, desde o começo do ano, a flexibilização da
meta de inflação de 2005. O Conselho Monetário Nacional rejeitou
sua proposta. E agora?
Aloizio Mercadante - Torço para
estar errado, mas a decisão pode
prejudicar a sustentação do crescimento para o ano que vem. Já
não cumprimos a meta neste ano,
não faz sentido tornar a do próximo ano ainda mais rígida. O mercado já projeta uma inflação de
6,5% para os próximos 12 meses.
O limite da banda é de 7% [para
2005], e já estamos muito próximos disso. Já há um choque de
oferta em virtude da cotação do
petróleo, o Fed [o banco central
dos EUA] deve começar a elevar
os juros, e o crescimento chinês
deve desacelerar. Seria muito
ruim se tivermos que voltar a elevar os juros em 2005.
Folha - A economia dá sinais de
recuperação, mas ainda há dúvidas
sobre os custos do remédio adotado, sobre a abrangência e sobre o
fôlego da retomada.
Mercadante - Assumimos o governo num cenário macroeconômico extremamente adverso. Tínhamos uma desvalorização muito brusca do real, o país estava
sem crédito e a taxa de risco-país
praticamente inviabilizava o financiamento externo. A dívida
pública atingia um patamar que
dificultava muito qualquer margem de manobra na política monetária, na taxa de juros. O perfil
da dívida era muito ruim. Havia
um volume muito grande da dívida indexada ao dólar e, evidentemente, não havia muita margem
de manobra para construir uma
política econômica que não fosse
a de fazer um ajuste severo, com
elevado custo social, econômico e
político. No entanto, o custo foi
menor do que o de qualquer outra
aventura que pudesse ser tentada
naquele cenário.
Nós estamos conseguindo reverter a lógica do modelo neoliberal. O Consenso de Washington
estava baseado na idéia da privatização, da desregulamentação, do
Estado mínimo e num processo
de inserção passiva do país na
economia globalizada, que se dava
por meio de um déficit na conta de
transações correntes extremamente
elevado, que gerava
privatização e desnacionalização da
economia. Você era
obrigado a vender
patrimônio público
e gerava um passivo externo dolarizado que, em oito
anos, aumentou em
mais de US$ 200 bilhões.
Folha - O economista João Sayad diz
que a recuperação
econômica está e ficará concentrada no
setor exportador enquanto os juros internos continuarem altos. O sr. concorda?
Mercadante - Não. A retomada
começou pelo setor exportador,
mas agora você tem uma reação
forte do conjunto da economia. A
recuperação está se espalhando
agora para praticamente todas as
regiões do país e para praticamente todos os setores da indústria. É preciso entender que o
ponto fundamental desse processo foi a superação da vulnerabilidade externa. Estamos batendo
recordes de exportação e de superávit comercial, mesmo com as
importações crescendo.
Folha - Quais são
os sinais de que esse
dinamismo está contaminando o resto
da economia?
Mercadante - Os
bens de consumo
durável tiveram um
crescimento de
21,5% no primeiro
semestre. As vendas
internas de veículos
nesses seis meses
foram 35% superiores às de igual período do ano passado. Os setores de semiduráveis e de
não-duráveis tiveram um crescimento de 1,3% nos cinco
meses. Esses setores
historicamente entram de forma
tardia no processo de recuperação. Mas entram, como resultado
do aumento do nível de emprego
e da massa salarial. O crescimento
do emprego também é inequívoco. As vendas internas cresceram
agora 10% neste mês, mostrando
que continuam fortes. O avanço
também resulta de programas do
governo como o de empréstimos
vinculados à folha de pagamento,
que já atinge R$ 2,5 bilhões.
Folha- Qual é o fôlego desse crescimento?
Mercadante - Essa é a grande
questão. O desafio é a sustentabilidade desse crescimento. Os índices de ocupação da capacidade
produtiva da indústria estão atingindo 83%. Alguns setores, como
os de papel e papelão e o de siderurgia, já bateram no teto da capacidade instalada. É muito importante que os investimentos venham logo para que haja oferta de
produtos. Caso contrário, haverá
pressão inflacionária, o que exigiria a desaceleração do processo de
recuperação, o que não é bom para o país. Daí a importância que
eu dava à mudança da meta de inflação em 2005. O grande debate
que o Brasil precisa fazer é como
crescer e como sustentar o crescimento. Essa é a nova agenda. Alguns outros pontos têm que entrar no debate. O país tem registrado no Banco Central US$ 86 bilhões de dinheiro de brasileiros
no exterior, que saíram contabilizados e comunicados ao Banco
Central. E estudos de bancos privados mostram que pelo menos
um volume igual foi transferido
sem registro. Então, estamos falando de algo em torno de US$
180 bilhões a US$ 200 bilhões de
brasileiros no exterior. Precisamos pensar em estímulos para
trazer ao menos parte desses recursos de volta, como o México e
a Itália já fizeram. Uma outra
questão: temos hoje mais ou menos uns R$ 80 bilhões no "overnight". É um dinheiro praticamente sem risco, com uma taxa
de juros muito alta, para um prazo muito curto. Precisamos dar
algum tipo de estímulo fiscal para
alongar essas aplicações.
Folha - Segundo os críticos das
PPPs (Parcerias Público-Privadas),
o projeto elaborado pelo governo
conflita com as leis de Responsabilidade Fiscal e de Licitações.
Mercadante - As PPPs são indispensáveis porque a logística nacional é insuficiente para acompanhar o ritmo do aumento da
produção agrícola industrial, sobretudo à voltada às exportações.
Estamos com o saldo comercial
crescendo 24% neste ano, enquanto o comércio mundial cresce 2,5%. Precisamos de infra-estrutura e de investimento de longo prazo. O setor privado não os
faz e o setor público não tem condições de fazê-los.
Folha - O problema é definir
quem vai pagar a conta.
Mercadante - A PPP permite que
o Estado dê garantias ao setor privado, mas respeitando a Lei de
Responsabilidade Fiscal. Estamos
falando de investimentos de 35
anos, de 40 anos num patrimônio
que é público e que vai voltar para
o Estado depois desses prazos.
Durante esse período, a remuneração do investimento é insuficiente se for feita simplesmente
pelos consumidores. Então, o Estado tem que suprir, complementar essa remuneração. Essa é a
idéia do Fundo Garantidor, que seria
administrado pelo
BNDESPar. Esse
Fundo Garantidor
seria composto por
ativos que o Estado
antecipa. Portanto,
é compatível com a
Lei de Responsabilidade Fiscal porque estaríamos colocando agora os
ativos que vão dar
garantia para aquele compromisso futuro.
Folha - Consta que
o ministro Antonio
Palocci defende a
exigência de unanimidade para aprovação dos projetos
dentro do conselho
encarregado de selecionar as obras
das PPPs. Palocci estaria buscando
o poder de veto.
Mercadante - Estamos fazendo
um Conselho Gestor para uma lei
que vai acompanhar os investimentos por 30 ou 40 anos. Acho
saudável esse tipo de preocupação, mas não há nenhuma instância do Estado brasileiro na qual a
unanimidade seja pré-condição.
Nenhuma instância, nenhuma,
nenhuma. Todas as câmaras, todos os conselhos, todos os processos de definição são feitos por
maioria. As PPPs são um investimento privado e,
como todo investimento privado, têm
um risco. Agora, é
um risco com responsabilidade pública, para viabilizar
o investimento e
dar equilíbrio contratual. Não é possível transferir todo o
risco do investimento para o Estado. Se fosse assim, o
Estado faria o investimento. Ele não o
faz porque não tem
condições.
Folha - Em entrevista ao "Financial Times", o ministro Palocci disse que o governo encaminharia
em 2005 o projeto de
autonomia do BC.
Mercadante - Não há nenhuma
discussão sobre esse tema no momento. Dentro do parlamento
não existe, e não conheço essa discussão dentro do governo. Não
tenho informação sobre isso.
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