|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIO GASPARI
O fantasma do Conselheiro ainda assusta
Não é Canudos que se repete na periferia das grandes cidades. É o andar de cima
O GOVERNADOR de São Paulo,
Cláudio Lembo, prestou
uma contribuição para o debate da questão da segurança pública nas grandes cidades brasileiras ao
dizer que "está acontecendo uma repetição de Canudos".
Ao primeiro lance de vista, parece
o contrário. Canudos foi uma aldeia
perdida no sertão baiano, habitada a
partir de 1893 por miseráveis e pelo
"povo do 13 de maio". Um caso de
excluídos encrencados porque que
se excluíram. "Por causa do flagelo
do Conselheiro, não há trabalhadores", reclamava um fazendeiro. Nas
grandes cidades brasileiras sucede o
oposto. A encrenca resulta da exclusão de gente que deseja ser incluída.
Os sertanejos do Conselheiro não
eram bandidos e os bandidos de hoje
não são sertanejos. O crime organizado de Canudos foi o massacre,
praticado pelo Exército, dos prisioneiros e sobreviventes da destruição
do arraial.
Andando-se nas cercanias do Alto
do Mário, no Parque de Canudos,
ainda se acham pedaços de pentes
de balas disparadas durante a guerra. Andando-se pela avenida Paulista, passa-se por um tipo especial de
"repetição de Canudos". Como a
guerra do sertão é história, o que
se dizia a seu respeito em 1897 parece hoje manipulação pueril. A jeremiada de Lembo permite que os
brasileiros do século 21 se vacinem
contra as mistificações neurastênicas do 19.
Pode-se começar pelas declarações do cardinalato tucano-pefelê
tentando associar as ações dos bandos criminosos ao PT. O raciocínio é
simples: a crise da segurança prejudica o candidato Geraldo Alckmin e
ajuda "nosso guia", portanto há uma
conexão entre o PCC e o PT. Como o
Conselheiro condenava a República,
seu arraial seria parte de uma conspiração monarquista. Existiria uma
carta da princesa Isabel endereçada
a ele. Haveria oficiais austríacos em
Monte Santo, como haveria guerrilheiros colombianos nos morros do
Rio no ano passado. Os jagunços disparavam balas de aço de "armas modernas, que não possuímos", da
mesma forma que a quadrilha de
Fernandinho Beira-Mar conseguira
um míssil para retirá-lo da penitenciária de Presidente Bernardes.
Há na idéia da "repetição de Canudos" um certo receio do conflito e
uma certa ameaça com o desfecho. A
idéia de sair por aí matando bandidos, amigos de bandidos, suspeitos e
parentes de suspeitos faz algum sucesso, como fez sucesso a patriotada
jacobina que mudou o nome da rua
do Ouvidor. A tropa que bombardeava Canudos era politicamente
correta: comemorou a Queda da
Bastilha com uma salva de 21 tiros.
Graças ao arquivo da correspondência do barão de Jeremoabo (Cícero
Dantas, dono de 59 fazendas), sabe-se que os fazendeiros pediam a degola dos sobreviventes, pois tinham
medo de um sertão invadido por
"bandos errantes".
Não é Canudos que se repete. É o
andar de cima de Pindorama que
não muda. No campo traiçoeiro das
semelhanças históricas, pode-se
deixar o sertão de lado. Em 1897, no
Rio, dizia-se que havia um novo Brasil logo adiante. Acabara-se de arrendar (escandalosamente) a Central do Brasil. O Conselheiro, o "povo de 13 de maio" e os "bandos errantes" eram um Brasil atrasado que
atrapalhava o progresso e derrubava
o valor dos papéis da dívida em Londres. Felizmente, o mais conhecido
descendente do barão nunca se meteu em brigas sertanejas. Daniel
Dantas criou a Brasil Telecom e tornou-se um dos marqueses da privataria dos anos 90.
Texto Anterior: Procurador pede a TSE que Cristovam seja impugnado Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Lula declara ao TSE gastos de R$ 476 mi com publicidade Índice
|