São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004

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JANIO DE FREITAS

O bando de covardes

Outra vez aí? Você não viu o presidente do seu país dizer que os jornalistas são "um bando de covardes"? Você gasta dinheiro para ler esse bando e depois diz que o seu dinheiro é curto porque o Lula é que não tem palavra, até hoje não fez nada para cumprir a promessa de dobrar o poder de compra dos salários, que até diminui mês a mês.
Para não deixar a sabedoria presidencial sem um reparo -no jornalismo fica sempre bem um pequeno reparo junto com o aplauso, e vice-versa-, parece-me que o presidente poderia precisar melhor o alcance do adjetivo tão bem escolhido. Nem todos merecem ser atingidos pelo denuncismo de Lula. Covardes, bem entendido, são só essa maioria que não tem a coragem de se pôr a serviço do governo.
Ah, que energia, quantas horas valiosas, que elucubrações e que desnudamento o bando de covardes exige de Lula, de Dirceu, Gushiken, Palocci, do Meirelles de tão virtuosas transações.
Ou, perdulário comprador de jornal, não fosse pelo bando de covardes, por que você acha que Lula daria a Henrique Meirelles o título e os privilégios judiciais de ministro, por acaso, menos de 24 horas antes de desfechada pelo governo uma coleta, em âmbito nacional, de documentação sobre movimentadores ilegais de dólares? Alguns covardes sugerem que Lula não agiu só pela glória de ser o primeiro na história a elevar um banco à condição de ministério, já que à frente da entidade estará um ministro e não mais um presidente. Banco com status de ministério, aliás, convenhamos que fica muito bem no governo Lula.
À primeira vista, parece que o bando de covardes exige do governo apenas projetos de "controle da atividade de jornalismo", da lei da mordaça contra procuradores e promotores, da proibição de informações jornalísticas por funcionários, e outros fascistismos assim notórios. Quem dera. O bando de covardes obriga o pessoal da Presidência a esmiuçar tudo. Com descobertas alarmantes.
Caso, por exemplo, você talvez nem saiba, de um tal art. 100 que o Congresso introduziu na Lei de Diretrizes Orçamentárias, normalizando o acesso parlamentar, hoje restrito, ao Siafi, que reúne os dados da administração financeira do governo. Acesso indispensável à fiscalização do Congresso sobre as contas e ações do governo, como exige o art. 71 da Constituição. Mas o bando de covardes gosta muito de descobrir, pelo exame das contas, realidades sombrias que o governo esconde. Logo, com a mesma ligeireza da medida provisória transformada em socorro urgente para Meirelles, Lula derrubou, pelo veto, o art. 100 da transparência que, por mais de 20 anos, o PT cobrava.
Como se vê por essas medidas, e por outras não relembradas, todas típicas de governo amedrontado, seria possível discutir quem, de fato, compõe um bando de covardes. Não vale a pena, porém. Todos sabem que mesmo os jornalistas incorretos jamais poderiam trair os leitores como, só para fazer uma comparação, é a traição de certos políticos à boa-fé dos eleitores, e até à própria biografia.


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