São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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Frases revelam as razões da ira contra o presidente



MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

"Ele desvalorizou os pobres". Note bem: não foi a moeda, o real, que ele desvalorizou; foram os pobres. Ele é FHC. A autora da frase, síntese do inferno astral do presidente, tem 55 anos, mora em Ribeirão Preto (SP), dita "a Califórnia brasileira" pelos índices de prosperidade que exibe, tem renda familiar entre R$ 273 e R$ 408, não concluiu o primário, votou em Lula (PT) nas últimas eleições e acha "péssimo"o governo de Fernando Henrique Cardoso.
A frase de dona M. -vamos chamá-la assim porque o anonimato em pesquisas é inviolável- faz parte dos 3.771 questionários do Datafolha sobre a avaliação de FHC. Aqui, não há números; só frases. Elas seguem a proporção dos índices da pesquisa: oito (56%) são dos que acham FHC ruim/péssimo, quatro (27%), regular, e duas (13%), ótimo/bom.
Todos os clichês que se repetem sobre o presidente -é frouxo para mandar, é teleguiado por ACM e pelo FMI, privilegia os ricos e despreza o social- grudaram à sua imagem, demonstra a pesquisa. FHC virou o clichê.

Traição e ira
Não é só entre os eleitores de Lula, como Dona M., que FHC está mal. Há uma certa unanimidade na imagem negativa -ela independe de níveis de renda, escolaridade, sexo e crença política.
Os próprios eleitores de FHC consideram-se traídos. "Ele mentiu dizendo que haveria emprego para todos e veja a atual situação... Está uma merda!", diz um homem de 30 anos de Curitiba (PR), cuja renda familiar é inferior a R$ 272. Ele votou em FHC em 1998 e pretende anular o voto em 2002.
"E a gente? Cadê o emprego pra gente trabalhar?", pergunta uma mulher de 55 anos de Acaraú, no litoral do Ceará, com renda familiar abaixo de R$ 272. Após decepcionar-se com FHC, diz que votará em Ciro Gomes (PPS) em 2002.
"Ele é falso e hipócrita", avalia uma eleitora de 31 anos de Itacoatiara (AM). Ela votou em FHC e hoje dá nota zero para o seu governo. Diz que votará em Lula.
No outro extremo do país, em Pelotas (RS), uma mulher de 32 anos, também eleitora de FHC, diz sentir-se traída: "Ele prometeu mundos e fundos na campanha e não fez nada. Foram só promessas de campanha". Ela planeja votar em Lula em 2002.
Os eleitores de FHC que estão no topo da pirâmide econômica não têm uma visão muito melhor do presidente. "Ele não deixa os empresários investir no país", resume um paulistano de 36 anos, com curso superior e renda familiar entre R$ 2.721 e R$ 6.800.
O desemprego, anos-luz à frente, e a volta do fantasma da inflação são as principais razões listadas para se reprovar FHC. O maior trunfo do presidente -a estabilização de preços - já não exerce o mesmo fascínio.
"Esse Plano Real faz as pessoas perderem o emprego e só aumenta a inflação", diz uma mulher de 42 anos de Jaboatão, na região metropolitana de Recife. Ele cravou FHC na eleição de 1998 e planeja votar em Ciro no próxima disputa presidencial.
"Antes, ele tinha o poder de iludir o povo. Agora, não consegue mais enganar ninguém. A inflação já está subindo", diz um eleitor de Lula de Agudos, no interior paulista, que vive com uma renda familiar inferior a R$ 272.

Viagens e indiferença
A síndrome de Viajando Henrique Cardoso, o personagem do programa "Casseta & Planeta", também colou à imagem do presidente. FHC é visto como um "bon-vivant" alheio às agruras do cotidiano. "Ele só viaja e não sabe nada dos problemas da nação. Por exemplo: a inflação. Ele diz que não existe, mas a gente tá vendo os preços subirem", diz um eleitora de São Paulo (SP).
Na lista das causas do desemprego entram itens plausíveis ("juros altos", "impostos exorbitantes") e outros quase paranóicos. A tal paranóia, mesclada com xenofobia, aparece quando os eleitores comentam a venda de estatais para empresas estrangeiras.
"Ele está vendendo as empresas do Brasil para outros países e isso gera desemprego. As empresas só contratam pessoas de outros países para trabalharem aqui", acredita uma mulher de 25 anos de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Ela vai de ACM em 2002.
FHC falou tanto que investiria na área social que as cobranças voltam como um bumerangue sobre ele. Cobra-se de tudo: saúde, educação, aumento nas aposentadorias, redução da violência e casas populares.
"Ele deixou os pobres esquecidos. Só se preocupa em pagar juros aos banqueiros", diz um eleitor de FHC de 41 anos de Curitiba.
Para um presidente que já teve 47% de índice de ótimo e bom, em dezembro de 1996, até os elogios soam xoxos. Uma eleitora de FHC de Vilha Velha, que acha o seu governo bom, pondera: "Pelo menos o país não afundou".


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