São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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ELIO GASPARI

O grão-ficcionista Gushiken

O comissário Luiz Gushiken, secretário de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, conseguiu se tornar o mais desastrado ocupante da cadeira de grão-propagandista do governo. A extensão do estrago chegou ao seu apogeu na semana passada, quando o boletim eletrônico "Em Questão" divulgou uma entrevista falsa (repetindo, falsa) do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Não era uma entrevistinha qualquer, daquelas em que os maganos divulgam estatísticas irrelevantes. Era um destampatório. O ministro investia contra "o fascismo das grandes corporações da mídia". Gil não dissera o que o Planalto lhe atribuíra, e a Secom desculpou-se e demitiu a responsável pelo erro. O comissariado anabolizara uma entrevista, injetando-lhe frases velhas, extraídas de contextos diferentes. O ministro não chamara as grandes corporações da mídia de fascistas, mas há gente na Secom que acha assim e gostaria de vê-lo dizendo isso.
A encrencas e parolagens do comissário podem ajudar a antever o que seria o modo petista de informar, segundo os çábios de plantão.
O governo de Lula ainda não completara seis meses quando a Secom produziu o primeiro episódio de dirigismo cultural. Um aviso da Eletrobrás condicionava os patrocínios da empresa a projetos com o zelo de "atuar em sintonia com a política governamental, em especial com o Programa Fome Zero". Dirigismo dá nisso, o Fome Zero sumiu, não sintoniza coisa alguma.
Em setembro de 2003, o comissariado da Secom produziu uma revista de nome "Brasil". Nela informou ao leitores que o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, já tinha começado a trabalhar em defesa da patuléia. Falso. O Conselho só existia no papel. O governo não nomeara os seus integrantes. Eles só foram definidos em dezembro de 2003.
O comissário Gushiken gosta de pontificar sobre a imprensa e a alma humana. Ele diz, por exemplo, que "o ensinamento baha'i aponta que "nem tudo o que um homem sabe pode ser revelado, nem tudo o que lhe é possível revelar deverá ser julgado oportuno, nem todo dizer oportuno pode ser considerado adaptável à capacidade dos que ouvem'".
Talvez ele ache que a patuléia não é capaz de entender a diferença entre um Conselho inexistente e um Conselho de verdade. Isso pode explicar o fato de a Secom ter se metido, em março passado, em outro caso de manipulação embusteira. Colocou no ar um filmete de propaganda produzido por Duda Mendonça onde se mostrava uma paisagem do vigor da agricultura familiar financiada pelo governo. Tudo falso. A fazenda mostrada era parte de um empreendimento agrícola de 1 milhão de metros quadrados. Os trabalhadores eram empregados do fazendeiro e nada tinham a ver com a agricultura familiar. O slogan dessa campanha era "o trabalho sério já começa a dar resultado".
Todas as lambanças em que Gushiken se meteu tiveram um desfecho comum: empulhavam a choldra. Convivendo com profissionais dessa qualidade, Lula está mais do que certo ao defender a criação de um Conselho para defender a qualidade do jornalismo de Pindorama.

O amigo do rei

O ministro da Defesa, José Viegas, vem se mostrando um zagueiro demolidor no desmanche de um ataque dos fantasmas da falecida Transbrasil contra a bolsa da Viúva. Falida e aterrada, a empresa aérea apresenta-se como dona de hangares, escritórios e balcões em todos os aeroportos do país. Suas dívidas chegam a R$ 1 bilhão, e o espeto cravado na Infraero é de R$ 6 milhões.
No dia 27 de agosto, os advogados da falecida reuniram-se com Viegas. Querem vender à empresa americana Ocean Air os espaços aeroportuários. Viegas rebarbou a proposta.
Se os interesses da Viúva forem preservados, a Infraero assume os hangares e balcões da Transbrasil. Por decisão da Justiça, poderia fazê-lo desde o dia 5 de maio passado.
Na defesa dos interesses da Transbrasil e do seu ex-presidente Antonio Celso Cipriani está o advogado Roberto Teixeira, irmão de fé de Lula desde os anos 80, padrinho de um de seus filhos e hospedeiro do casal Da Silva entre 1989 e 1998. Em junho, Lula desceu de helicóptero no sítio de Teixeira no interior paulista para assistir ao casamento da filha do doutor.

Falta de sorte?

O Palácio do Planalto avisa que não terá misericórdia dos banqueiros que venham a ser apanhados nas transações ilegais de divisas.
Essa informação desestimula os doutores a pedir proteção, mas não significa que o aviso seja sincero.

Miséria elegante

Um curioso assustou-se com a estrutura usada pelo ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Ele dispõe de um autointitulado "serviço do cerimonial".
Quando o Brasil tinha metade dos pobres que tem hoje, só o presidente da República e o Itamaraty tinham esse tipo de despesa.
Ananias usufrui do cerimonial da fome.

Contas abertas

Mais um candidato com prestação de contas na Internet: é André Correa, que disputa a Prefeitura do Rio pelo PPS. Ele lista R$ 130 mil doados até dia 28 de agosto.
Com isso, são dois os candidatos cariocas com as contas na Internet, pois Jandira Feghali, do PC do B, também abriu seus números antecipadamente.
Em São Paulo, Luiza Erundina mostrou suas contas, conforme prometera. Arrecadou R$ 61 mil e gastou R$ 378.
Os demais querem que os eleitores confiem neles para gastar o dinheiro dos impostos, mas não confiam nos cidadãos a ponto de contar como recebem e como gastam dinheiro em suas campanhas.

O culto ao Companheiro-Presidente

Culto à personalidade é uma coisa assim: a Biblioteca Nacional organizou uma lista de 2.000 títulos para abastecer o seu programa Livro Aberto. Tem de tudo. Desde "A Divina Comédia" de Dante e "Lúcia McCartney", de Rubem Fonseca, a manuais de matemática ou trabalhos de culinária. Numa inédita excentricidade, incluíram uma biografia do presidente da República. Chama-se "Lula, Filho do Brasil", escrito pela jornalista Denise Paraná.
Lula é o único homem público vivo numa lista de 54 obras biográficas ou memorialísticas. Fazendo-lhe companhia, só Oswaldo Aranha (1894-1960) e o Barão do Rio Branco (1845-1912). Noves fora Winston Churchill (1874-1965), nenhum outro governante, brasileiro ou estrangeiro.
Discutir listas de livros é uma forma de suicídio. A compra dessas obras custará uma mixaria. A seleção da Biblioteca Nacional é valente e benigna: Nelson Rodrigues, Chico Xavier, Olga e Zico. É bom ver uma lista sem medalhões, mas é difícil admitir que numa seleção desse tipo só o Barão de Mauá, Assis Chateaubriand (Chatô) e Silvio Santos possam representar o empresariado. Isso numa galeria onde há três jogadores de futebol e três compositores.
O livro de Denise Paraná é um trabalho magnífico. Ninguém produziu um retrato de Lula tão revelador e, em certos momentos, estarrecedor. Assenta-se em entrevistas com ele e seus familiares. "Lula Filho do Brasil" ensina que ele é o único governante do mundo que, nas suas palavras, presenciou e apoiou um linchamento (página 80).
Fernando Henrique Cardoso teve um livro-entrevista publicado durante seu mandarinato. Nunca foi incluído em cestas de compras oficiais. Lula absorveu a herança bendita do serviço de manicure que atendia FFHH. Bem que poderia ficar com a herança maldita de não gastar dinheiro da choldra na sua glorificação bibliográfica.
(Em tempo: manicure no Alvorada é coisa nova, D. Lucy, mulher do general Ernesto Geisel, cortava-lhe as unhas.)

O Guia Genial dos Povos acabou mal

Legenda: Dois Stálin, o ladrão de bancos e o Guia dos Povos, no livro
Está chegando às livrarias "Stálin - Triunfo e Tragédia", a biografia do Guia Genial dos Povos escrita pelo general russo Dmitri Volkogonov. Triste fim o de Stálin. Acabou na mão de um filho de pai fuzilado. O general era um quadro do aparelho de propaganda do Exército soviético e foi um dos primeiros pesquisadores a abrir as mais secretas pastas do Kremlin.
"Triunfo e Tragédia" cobre o período que vai de 1879 a 1939. Esmiuça os crimes e os expurgos que fizeram de Stálin o personagem da História que mais matou comunistas. Mostra também como um grupo de visionários pobres e ascéticos (Lênin proibia aos membros do partido que cobrassem horas extras) transformou-se numa súcia de pobres aproveitadores e assassinos. Stálin tinha menos roupas que o garçom de Churchill, mas muito antes da chegada de coisas como o "mensalão" e o "gibi" a outros governos populares, os camaradas soviéticos recebiam "envelopes" e eram atendidos por vagões ferroviários privados.
O Guia Genial de Volkogonov é o filho de um pai bêbado, pai de um filho alcoólatra e viúvo de mulher suicida. Num escrito do anarquista Bakunin, Stálin sublinhou a seguintes frase: "Não perca tempo duvidando de si mesmo, porque este é o maior desperdício de tempo jamais inventado pelo homem".
No livro está a narrativa do massacre dos agricultores pela fome e pelos campos de concentração. É a história da construção de um tirano sem dúvidas. Escreveu a própria biografia e trechos do hino nacional. Volkogonov vai contra a maré. Rebate a tese da "mediocridade" de Stálin, nascida da brilhante maledicência de Trotsky. De burro ele não tinha nada, nem de inculto.

Efeméride gay

Antes tarde do que nunca. Os comemoradores de efemérides frangaram o cinqüentenário da morte de Alan Turing, ocorrido em junho. Turing matou-se em 1954, aos 42 anos, depois de ser constrangido pela justiça inglesa a se submeter a um tratamento hormonal para reprimir sua homossexualidade. Comeu uma maçã com cianeto.
Turing é considerado um dos pais da ciência dos computadores. Foi um dos grandes matemáticos do século 20. Passou por Cambridge com cabelos compridos e correndo a maratona. Durante a guerra enterrou as barras de pratas da família no jardim e nunca mais as achou.
Sua morte é um momento de humilhação para os preconceitos sexuais. Enquanto viveu, Turing viu os gays serem discriminados porque poderiam ser vitimas de chantagens, revelando segredos de Estado.
Quando ele comeu a maçã envenenada levou consigo o maior segredo da Segunda Guerra: a montagem da máquina que ajudou a quebrar os códigos alemães durante a Segunda Guerra. Turing foi um destacado cientista da equipe que fez o serviço. Nunca contou o segredo de Enigma. Ele só foi revelado ao mundo nos anos 70.

Fumaça judiciária

O procurador federal Ricardo Lira, de Porto Alegre, comprou uma linda briga com a magistratura fumante. Há alguns anos comunicou que se retiraria de qualquer sessão durante a qual se acendessem cigarros.
Recentemente ele soube que dois desembargadores (Valdemar Capeletti e Amaury Chaves de Athayde) e uma juíza (Claudia Cristina Cristofani) praticam um novo ritual tabagístico. As sessões são suspensas, eles saem de seus lugares e dirigem-se a um canto do salão, onde pitam seus cigarros. Não chega a ser um fumódromo. É o desembargadoródromo.
Lira sustenta que essa instância de fumaça ofende a lei que proíbe o fumo em lugares públicos. Há uma semana ele oficiou ao Ministério Público, pedindo que os fumantes sejam ouvidos e que seja aberto um inquérito civil público. A choldra não pode fumar nos bons centros comerciais de Porto Alegre, mas os desembargadores fumam no Tribunal.

PC do D

Seduzida pelo ímpeto com que o comissário José Dirceu avançou sobre a candidatura da petista Luizianne Lins à Prefeitura de Fortaleza, a caciquia do PC do B tornou-se feliz caudatária da Casa Civil.
Usando a linguagem do comissário, Dirceu deu um tiro na testa da candidata do seu partido para arrombar a porta que levaria o candidato Inácio Arruda, do PC do B.
Como ensinou Garrincha, faltou combinar com os russos. Inácio caiu de 28% para 23% nas pesquisas e Luizianne subiu de 3% para 8%. Os dois disputam um lugar no segundo turno contra o tucano Antonio Cambraia.


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