São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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INCONSCIENTE ELEITORAL

A guerra das estrelas

MARCELO COELHO

Em tempos de paz e amor, o certo seria Lula convidar Regina Duarte para tomar um chá ou cafezinho e explicar-lhe afavelmente que o PT, bem, não há nada o que temer etc. -e depois disso torcer para que o episódio fosse esquecido.
Ao contrário, não me pareceu das mais tranquilas a reação petista ao discurso de Regina Duarte. Houve, não apenas medo, mas um movimento de quase pânico nas caixas de correio eletrônico, depois da aparição da atriz no horário eleitoral. O que haveria a temer no que ela disse?
A tática de associar um eventual governo Lula com um retrocesso no combate à inflação, para não falar em crises mais sérias como as da Argentina e da Venezuela não é nova, e foi tentada anteriormente. Foi comum nas declarações de autoridades, de investidores, de banqueiros. Na prática o clima foi de medo também: passamos os últimos meses assistindo ao crescimento do "risco Brasil", a frenéticas elevações do dólar, e à quase unânime certeza entre os "formadores de opinião" de que só uma vitória de Serra haveria de serenar o ambiente.
Reconhecendo isso, a resposta do PT foi no sentido de "tranquilizar os mercados" o máximo possível. E de aplacar os medos da classe média também. Ninguém mais prudente, imagino, do que um empresário mineiro do setor têxtil, como José Alencar, o vice de Lula. Só se ele fosse dono de uma fábrica de guarda-chuvas. Talvez o raciocínio seja o de que a chuva é inevitável, das mais fortes, e que não havendo nenhum guarda-chuva disponível, que pelo menos esteja garantido o abastecimento de toalhas.
A euforia em torno da alta votação de Lula, além do interesse do próprio "establishment" financeiro em garantir a transição, fez com que ficassem meio recalcadas as inquietações e temores em torno de uma vitória petista. Mas o sentimento é real, e considero legítimo expressá-lo.
Principalmente porque na maior parte do tempo, e sobre a maior parte dos assuntos, Lula não diz nada de concreto. E foge do debate, sim, como não cansa de assinalar a propaganda serrista.
Acho que é nesse ponto que a presença de Regina Duarte no horário eleitoral representa um baque para o PT.
Pois o mundo do "Lula paz e amor", a construção deliberada de uma imagem adocicada do candidato, o script da mãozinha dada, do casal romântico, do creme de amêndoas, da conciliação política e do desenvolvimento econômico, a proposta de "reunir todo mundo em volta de uma mesa" -que é onde começa e acaba quase tudo o que Lula tem a dizer a respeito do que lhe perguntarem-, bem, este mundo, construído pelo marketing, é o mundo da telenovela. É o mundo de Regina Duarte. O marketing de Lula quis ocupá-lo.
A tola e grossa resposta de Lula ao episódio -de que o medo de Regina Duarte é de ser substituída por uma atriz mais jovem- talvez indique secretamente a sensação de que ambos, afinal, disputam o mesmo público.
Serra continua a ter poucas chances nesse concurso de beleza. Mas a inquietação petista é, sem dúvida, eloquente. O clima de conto de fadas, de emoção folhetinesca e lágrimas globais em que transcorreu a campanha de Lula vai se dissipando.
Medo? Pode não haver medo de perder a eleição, mas é natural que se tenha também medo de ganhar. Na dúvida entre um medo e outro, pode-se também ter medo de debates. Por que não?


MARCELO COELHO, colunista da Folha, escreve aos sábados



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