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ELIO GASPARI
"Nosso Guia" se esqueceu do Paraguai
Lula foi a Portugal, à Espanha, à Itália e à Rússia.
Coisa de uns 15 mil quilômetros
com direito a duas "reuniões de
cúpula". É a diplomacia do
"nosso guia". Fez tudo isso enquanto um dos principais problemas das relações internacionais brasileiras ferve no Paraguai, a apenas 1.500 quilômetros da Granja do Torto.
A malha de contravenções que
domina a região onde corre a
fronteira dos dois países escorregou para a acusação de que
criadores paraguaios têm a ver
com os focos de febre aftosa descobertos em Mato Grosso do Sul.
A doença provocou o fechamento parcial do mercado de 35 países para a carne brasileira e arrisca mutilar a exportações. É
melhor falar mal da fome em
Roma do que discutir contrabando em Assunção.
O ministro da Agricultura paraguaio, Gustavo Ruiz Díaz, defende seus pecuaristas e classifica a insinuação de que o gado
tenha saído de suas fazendas como uma "jogada muito vil".
Lula não é a causa das malfeitorias dos pecuaristas da fronteira nem a febre aftosa surgiu
no seu governo. Nenhum problema das relações com o Paraguai foi produzido por "nosso
guia", mas durante seu mandarinato as relações entre os dois
países vão de mal a muito pior.
Sucessivas administrações
brasileiras toleraram o entreposto de contrabando de bens e
moedas que se estabeleceu na
região de Foz do Iguaçu. Ele deságua no crime organizado, numa lavanderia de caixa dois e
em boiadas doentes. A diplomacia da dissimulação funcionou
por décadas, até 2002, quando o
governo dos Estados Unidos
passou a acreditar que, entre os
delinqüentes da Tríplice Fronteira, há focos de financiamento
do terrorismo islâmico. Nessa
hora, o jogo mudou de cacife.
O governo americano ofereceu
um tratado comercial ao Paraguai e há sinais de que se arma a
instalação de uma base militar
em torno do aeroporto de Marechal Estigarribia, no Chaco, a
300 quilômetros da fronteira do
Brasil e a 200 quilômetros da da
Bolívia. Seria a segunda base
dos Estados Unidos na América
do Sul. A outra fica em Manta,
no litoral do Equador, onde funciona um dos mais modernos
aeroportos do continente. Lá o
governo americano opera também uma flotilha para capturar
barcos que transportam drogas
ou cidadãos equatorianos que
buscam trabalho nos Estados
Unidos.
A tropa americana no Paraguai soma cerca de 400 militares. Como os súditos ingleses do
século 19, estão fora do alcance
das leis dos nativos. (O mesmo
sucede no Equador e na Colômbia, por onde, em dois anos, passaram 7.000 soldados americanos.) A chancelaria paraguaia e
o governo americano desmentem que exista o projeto de construção da base. Pode-se acreditar nos paraguaios. No governo
americano, é mais difícil.
Em 1999, quando se denunciou a construção da base de
Manta, o Pentágono disse que
estava apenas reparando uma
pista poeirenta. Dias depois,
corrigiu-se.
Lula já falou bastante sobre a
presença americana no Iraque.
Sobre essa mesma presença embaixo da barriga do Brasil, nada. Em cinco séculos de civilização, a América do Sul teve a dádiva de não hospedar bases com
efetivos relevantes de potências
estrangeiras. Nenhum pesquisador encontrará nos arquivos
militares brasileiros um plano
de desembarque de tropas de
Pindorama nos Estados Unidos.
Planos americanos de desembarque no Brasil houve dois.
Um é de 1941, quando se tratava
de garantir às tropas aliadas o
acesso aéreo à África. O outro é
de 1964. (Isso fazendo-se de conta que o almirante Andrew Benham e sua frota ficaram neutros em 1894, durante a revolta
da Armada.)
Lula faz o maior sucesso na
Oropa, mas o descaso da relação
com o Paraguai pode produzir a
seguinte macumba: o Brasil fica
com o bate-boca, e os americanos levam o tratado de comércio
e a base militar.
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