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ENTREVISTA
FRANCISCO
DE OLIVEIRA
Desindustrialização expulsa esquerda de SP, diz sociólogo
Francisco de Oliveira diz que trabalhadores do setor informal em geral votam na direita
A desindustrialização de São Paulo empurrou a esquerda para fora da cidade, sustenta o sociólogo Francisco de Oliveira, 74, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da USP. Segundo ele, a fuga das indústrias da capital paulista converteu a cidade num pólo de serviços com um setor informal muito extenso, cujos integrantes não se identificam com o PT: "Em geral eles votam na direita devido ao imediatismo. É gente que quer receber benefícios imediatos, sem esperar por transformações estruturais". Segundo Oliveira, o Bolsa Família é uma "política conformista" que reflete o predomínio desse "exército informal que representa mais de 50% da força de trabalho".
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Na entrevista a seguir, concedida na última terça-feira, o sociólogo sustenta ainda que, ao
chegar ao poder, "o PT foi engolido pelo atraso", pois trocou
uma política de classe por uma
política de combate à pobreza.
FOLHA - Em novembro de 2004, o
sr. publicou um artigo na Folha em
que dizia que Marta Suplicy foi derrotada pelo governo Lula, pois sua
política econômica era indefensável. Hoje Lula tem mais de 50% de
aprovação na cidade de São Paulo.
Como o sr. explica a rejeição a Marta? A criação das taxas? As políticas
sociais do PT? Críticas moralistas?
FRANCISCO DE OLIVEIRA - Um pouco de tudo isso. Em primeiro
lugar, naquela época o ataque
da mídia ao governo Lula era
muito intenso, e Lula não
transferiu votos para Marta,
transferiu a carga negativa.
Agora a situação é a seguinte:
a administração de Kassab está
muito fresca na memória, enquanto a de Marta já tem quase
quatro anos de distância. Isso
hoje é muito importante devido à imediaticidade da mídia. É
ela que faz a nossa consciência:
é uma presentificação absoluta.
A distância da administração
da Marta esbarra na imediaticidade das avaliações positivas de
Kassab. O fato de a avaliação do
governo federal ser positiva na
cidade de São Paulo não dissolve essa distância da Marta.
E São Paulo é uma cidade
bastante conservadora. Bastante conservadora. Se você retoma a história brasileira, o populismo paulista sempre foi de
direita: Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Maluf.
FOLHA - Ignácio Rangel dizia que o
latifúndio gaúcho -Getúlio Vargas,
João Goulart- conseguiu representar politicamente a indústria nacional, o que deu origem a um populismo de esquerda, progressista. Mas
isso não aconteceu em São Paulo.
OLIVEIRA - Isso nunca aconteceu. Mas não é só isso. Na verdade o que é importante no Rio
Grande do Sul é a pequena propriedade, não é o latifúndio: o
latifúndio enche nossas mentes, mas não forma... As ideologias populistas nascem no Rio
Grande do Sul, mas é importante não esquecer que o Estado
conheceu um positivismo muito especial, que é o que influi na
legislação trabalhista. Vargas
era positivista, a moçada formada nas escolas militares era
positivista. Não é a toa que a divisa da bandeira brasileira é
"Ordem e Progresso". E São
Paulo não teve essa formação.
FOLHA - Mas por que a direita é especialmente forte em São Paulo?
Devido à centralidade econômica da
cidade, sede de grandes empresas,
bancos, associações empresariais?
OLIVEIRA - De fato, a centralidade econômica de São Paulo leva
a cidade para a direita. Não é
tautológico, mas é um fato.
FOLHA - Mas o PT continua sendo
muito votado na periferia da cidade
e nos demais municípios da região
metropolitana. O sr. acha que a esquerda foi expulsa para fora da cidade -para a região metropolitana?
OLIVEIRA - Foi, é verdade. Esse é
um fenômeno político da maior
importância. As indústrias saíram de São Paulo. São Paulo
não é mais uma cidade proletária: é uma cidade de serviços e
de um setor informal imenso,
cuja identificação de classe é
muito ambígua, muito perpassada pelo fenômeno da sobrevivência. É uma situação de classe muito difícil. São Paulo não é
mais do proletariado clássico.
Moro num bairro, a Vila Romana, que antigamente tinha várias indústrias. Hoje não tem
mais nenhuma, todas foram
para outros municípios.
FOLHA - Inclusive é uma área de
forte investimento imobiliário.
OLIVEIRA - Forte, muito forte.
Não é uma zona rica, comparada a Higienópolis, mas é uma
zona de investimentos imobiliários muito altos. E aqui você
tinha a Matarazzo, a Saturnia, a
Melhoramentos -hoje aqui só
ficou o escritório-, a Parmalat... Era uma zona de fábricas, e
hoje não tem mais nenhuma.
Isso aconteceu com a cidade
como um todo. A cidade se desproletarizou na forma clássica
e ganhou um enorme exército
de trabalhadores informais....
FOLHA - Que em geral não votam
na esquerda...
OLIVEIRA - Em geral eles votam
na direita devido ao imediatismo. É gente que quer benefícios imediatos, sem esperar por
transformações estruturais.
FOLHA - Apesar de sua provável
derrota em São Paulo, o PT continua
sendo o partido que mais cresceu no
país. Em 2004 o sr. escreveu que isso
mostrava o envelhecimento de um
partido nascido para reformar o
país. O sr. ainda mantém essa opinião: o PT foi engolido pelo atraso
ou foi o atraso que se modernizou?
OLIVEIRA - Eu acho que o PT,
como força transformadora, foi
engolido pelo atraso. Qual é a
modernização que existe aí? É
uma modernização de políticas
sociais que são políticas de
ajustamento, não são políticas
sociais transformadoras -elas
se ajustam à realidade. O Bolsa
Família é uma política de ajuste, uma política conformista. E
isso reflete essa situação um
tanto ambígua de uma classe
que não é classe, desse enorme
exército informal que representa mais de 50% da força de
trabalho. Então, o PT foi engolido pelo atraso. A modernização das políticas sociais é uma
regressão da classe para a pobreza, enquanto o movimento
histórico vai da pobreza para a
classe. A extensão das políticas
sociais focais é uma regressão
da classe para a pobreza: elas
são políticas para os pobres.
FOLHA - Os partidos social-democratas de tipo clássico se baseavam
em seções territoriais, os núcleos de
base. Hoje os núcleos do PT praticamente desapareceram. Essa transformação reflete a conversão de um
"partido dos trabalhadores" em um
"partido dos pobres"? O PT não é
mais um partido social-democrata?
FOLHA - Não, não é. Isso reflete
em parte essa mudança e, em
parte, é um reflexo da chegada
ao poder. Você se profissionaliza porque a gestão do Estado
exige a profissionalização. Não
é um Estado qualquer: é um Estado capitalista, todo permeado por relações patrimonialistas, mas na maior parte dos casos você tem que gerir dinheiro. E dinheiro não se gere passando a mão na cabeça. O partido profissionalizou-se e burocratizou-se no sentido weberiano -ele tem de tornar a gestão previsível, e por isso se
profissionaliza. Isso é em parte
o efeito da chegada ao poder, e
em parte o efeito da regressão
da classe para a pobreza.
FOLHA - Mas o PT ainda tem um
vínculo razoavelmente estreito com
os sindicatos. O sr. acha que ele se
parece hoje mais com o Partido Democrata norte-americano, que ainda está ligado a uma central como a
AFL-CIO, do que com os social-democratas europeus, que antes eram
estruturados a partir dos sindicatos?
OLIVEIRA - Não, não é mais o
modelo europeu. É mais próximo realmente do modelo norte-americano, com algumas
particularidades que a legislação brasileira conferiu, devido
ao fato de que a influência do
Estado na formação da economia levou à formação desses
fundos estatais, que eram mecanismos de acumulação, e que
estão na maior parte dos casos
sob o controle de sindicalistas.
É uma transformação da classe.
FOLHA - É aquilo que o sr. tinha
descrito no "Ornitorrinco". O sr.
acha que o partido hoje é controlado
por uma nova classe social?
OLIVEIRA - Eu acho. É uma expressão forte, porque os sociólogos têm muito medo de falar
em classe social. Mas é uma nova fração de classe que tem um
papel muito importante hoje.
FOLHA - O sr. fala de uma aproximação entre PT e PSDB. Mas o que
opõe os dois partidos nas eleições?
Qual é a fratura que divide os dois?
OLIVEIRA - A fratura é parecida
com a que existe nos Estados
Unidos: embora democratas
possam ser tão ricos quanto republicanos, essa fratura permanece nos EUA devido a origens históricas diferentes. Isso
tem peso. Quem fez a paz no
Vietnã foi um conservador. Os
democratas não ousavam dar
nenhum passo no Vietnã porque apareceriam como traidores. Origens históricas diferentes continuam a pesar, e o fato
de que, a partir dessas origens
diferentes, eles se inscreveram
junto ao eleitorado como alternativas. Mas a aproximação entre eles é tão grande que em Minas tentou-se essa façanha, de
eleger um tertius que representasse os dois partidos, PT e
PSDB. Essa é a tendência. Mas
não ocorrerá de forma absoluta
devido a essas raízes históricas
diferentes. Mas as diferenças
reais são muito pequenas.
FOLHA - Mas, se há uma identidade absoluta, não haveria nenhum
fundamento para uma escolha do
eleitor. Existiria alguma coisa substantiva além das raízes históricas?
OLIVEIRA - Existe. Ainda há diferenças. Mas do ponto de vista
das políticas decisivas elas são
quase irreais -as diferenças
reais quanto ao rumo da política nacional são quase irrelevantes. Mas eles jamais vão se
unir, porque em política a soma
não é maior do que as partes,
como o caso de Minas revelou:
juntaram duas forças que aparentemente iam aplastar qualquer outra. E não resultou.
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