São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Caso de polícia


Os governos têm equipado melhor as polícias, mas os quadros humanos não recebem mesmo empenho



AS EMOÇÕES nas duas cidades mais importantes, quando chega à última etapa a disputa eleitoral por seus próximos dirigentes, foram mobilizadas por três episódios de violência bárbara. Os três com a polícia como um dos principais protagonistas, até no caso de sua estranha ausência. O que não leva a condená-la a priori nos três episódios, porque sua difícil conduta no seqüestro das moças aguarda mais esclarecimentos. Mas põe bem à mostra a importância, entre os piores problemas das grandes cidades brasileiras, do que deveria proporcionar soluções. E não o faz, sobretudo, por responsabilidade dos sucessivos governos. A primeira referência ao confronto das polícias em São Paulo é a de que nada pode justificar a posição dos policiais paulistas entre os mais mal pagos do país, como já demonstrado na Folha.
Polícia sempre foi tratada no Brasil com descaso dos governos e desprezo social. A depreciação do serviço público, obra obcecada de Roberto Campos como principal ideólogo administrativo da ditadura, agravou o que já era grave. A desenvoltura crescente da violência tem levado os governos estaduais, a título de satisfação à sociedade inquieta, a equipar melhor as polícias, mas os quadros humanos não receberam, nem de longe, empenho proporcional, para evoluir técnica, intelectual, econômica e socialmente.
A exceção seria a Polícia Federal, cujos níveis salariais são de fazer inveja a cientistas e professores universitários. Sem que isso evite constatações de corrupção e muita política em lugar do profissionalismo.
Em seus comentários ao conflito entre a passeata dos policiais civis e a PM autorizada à repressão bruta, José Serra baseou-se em dois pontos impróprios, sendo ele quem é. Ou quem foi.
O primeiro: "Estavam lá centrais sindicais estimulando a manifestação". E o que há de inaceitável na presença de centrais sindicais em movimentos reivindicatórios, se é por isso que elas existem? O argumento de Serra esteve sempre presente na repressão dos militares a reivindicações e ao sindicalismo.
O outro ponto: "Não é com manifestação, reivindicação se discute é em torno de uma mesa". Isso depende de passos exclusivos dos governantes, os quais, por sua vez, dependem de sua disposição de negociar ou de se impor. Entre as duas hipóteses, não é desconhecida a preferência prática de Serra.
Daí não se deduz que a marcha ao palácio de governo fosse uma idéia correta dos policiais civis. Os riscos de incidentes eram óbvios, e a PM os demonstrou. Não é certo que os tenha esgotado, no entanto. E parte das conseqüências já recai sobre a população, com os serviços policiais reduzidos como represália.
O sétimo assassinato de dirigente de presídio em oito anos, no Rio, levou à sugestão mais comum das "autoridades": a culpa foi da vítima. Estava sem guarda-costas e em carro sem blindagem. Pior ainda, a pretensa proteção fora retirada a seu pedido. Pronto, a polícia e a Secretaria de Administração Penitenciária não têm responsabilidade no episódio.
Dois carros com bandidos que disparam 60 tiros em um terceiro carro demonstram uma superioridade que a presença de um ou dois guarda-costas não diminuiria. Antes de tudo, porém, é necessário esclarecer, e comprovar, se o assassinado dispensou mesmo a guarda pessoal e por que o fez. Os tais seguranças, como também outros serviçais, mostram-se solução e problema. São muitos os casos em que informações saem de vigilantes e guarda-costas para assaltantes e assassinos. O tenente-coronel José Roberto Lourenço sabia-se em alto risco e era experiente.
De outra parte, tanto há notícia de que PMs são deslocados de serviços paralelos, para engrossar os efetivos de policiamento no Rio, como há suspeitas fortes de participação de policiais no assassinato brutal. Por inacreditável que isso fosse em passado nem tão distante, o envolvimento de policiais, civis ou militares, é uma possibilidade constante entre as logo suscitadas por ações criminosas de grupos, em quase todos os Estados.
O aumento dessa marginalidade policial tem sido proporcional ao da bandidagem organizada. Muitas vezes comprovando-se a associação da primeira à outra. Ou seja, a melhoria do equipamento não é acompanhada por empenho equivalente na formação e depuração dos quadros. O que não é problema criado pelas próprias polícias, é decorrência do descaso ou da ineficiência dos governantes. Inclusive quanto às condições em que é atraída para a função, formada e relegada a grande maioria dos policiais.
Diante de tal situação policial, a primeira suspeita generalizada, no caso das duas moças seqüestradas, foi de culpa da PM paulista pelo desfecho horrível. Não foi um julgamento da polícia, foi a conseqüência de um julgamento já completado há muito tempo. E cuja revisão depende muito mais dos governantes do que da própria polícia.


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