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Polêmica, penhora de bens feita pela internet dispara
Bloqueio on-line de contas passa de R$ 196 mi em 2005 para R$ 17,7 bi em 2008
Pelo sistema, BC repassa aos bancos ordens de bloqueios de contas feitos pela Justiça; advogados veem risco de levar empresas à falência
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos últimos quatro anos, os
juízes bloquearam pela internet R$ 47,2 bilhões em contas
bancárias para garantir o pagamento de dívidas judiciais. A
medida alcança principalmente empresas que enfrentam
processos trabalhistas e devedores contumazes. Em 2005, o
bloqueio on-line pela Justiça
foi de apenas R$ 196 milhões.
Trata-se da penhora on-line,
ou Bacenjud. É o sistema pelo
qual o Banco Central repassa
aos bancos pedidos de informações e ordens de bloqueio de
contas feitos por juízes. As respostas chegam em 48 horas.
O modelo sofre críticas de
advogados, que veem ameaça
ao direito de ampla defesa e risco de levar empresas à falência.
Para juízes entusiasmados com
a nova ferramenta, está mais
difícil para o mau pagador processado por dívidas não
honradas afirmar que deve, não
nega, e só paga quando puder.
Até 2008, a Justiça do Trabalho liderava o confisco eletrônico. Os tribunais estaduais já
aparecem como os maiores
usuários do sistema. A legislação deixa a critério do juiz usar
o papel ou o meio eletrônico,
embora defina o segundo como
preferencial. No ano passado, o
CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) obrigou o cadastramento no Bacenjud de todos os
juízes envolvidos com o bloqueio de recursos financeiros.
"O Bacenjud revolucionou o
Judiciário. No Brasil, ninguém
cumpria decisão judicial", diz o
juiz Rubens Curado, secretário-geral do CNJ.
"A penhora on-line ajuda a
acabar com a ideia de que é possível dever, não pagar e não
acontecer nada", diz o juiz Tadeu Zanoni, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco (SP).
Nos últimos seis meses, Zanoni
fez 562 penhoras on-line.
Pela ordem, a preferência para a penhora é: dinheiro, imóveis e veículos. Desde junho último, os juízes paulistas podem
usar a internet para agilizar a
penhora on-line de imóveis. O
sistema é operado pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo. Segundo o
juiz Walter Rocha Barone, do
Tribunal de Justiça de São Paulo, já foram feitas mais de 26
mil consultas e 631 averbações.
Desde 2008, os juízes podem
acessar pela internet a base de
dados do Renavam (Registro
Nacional de Veículos Automotores) e determinar ao Detran o
bloqueio de veículos para pagamento de dívida judicial.
Apesar das resistências, o sistema veio para ficar. Em 2003,
o PFL (hoje DEM) questionou
no STF (Supremo Tribunal Federal) a constitucionalidade da
penhora on-line. Alegou risco
de quebra do sigilo bancário e
que pessoas e empresas eram
"submetidas a tratamentos degradantes e coativos".
O BC defendeu o "revolucionário mecanismo de persuasão
de devedores contumazes" e
revogou alguns dispositivos
impugnados. O Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC entrou
como parte interessada na
ação. Sustentou que a categoria
foi diretamente beneficiada pelo Bacenjud, que "diminui as
chances de burla" no cumprimento das decisões judiciais na
área trabalhista.
Parecer do então procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, sustenta
que o sistema apenas substitui
o que era feito no papel e "não
afronta nenhum dos princípios
do Estado Democrático de Direito". Souza pediu a rejeição
da ação, cujo relator é o ministro Joaquim Barbosa.
"O bloqueio on-line seria justo se fosse aplicado a todos os
devedores", diz o advogado
Walter Ceneviva. "A magistratura não impõe ao Executivo a
obrigação de pagar o que deve,
como os precatórios que se arrastam por vários anos, mas usa
indiscriminadamente o Bacenjud para facilitar a cobrança dos
créditos do poder público", diz.
Abusos
O advogado Ives Gandra
Martins diz que "tem havido
muito abuso". "A penhora on-line só deveria ser utilizada em
última instância, pois pode levar uma empresa à falência, ao
bloquear, no final do mês, dinheiro que iria para fornecedores e empregados", diz.
Quando o juiz não tem a indicação prévia da conta bancária
e da agência do devedor, a penhora on-line bloqueia todas as
contas em diferentes bancos.
Ou seja, na fase inicial, a medida pode superar o limite a ser
apreendido. No caso de empresas, suspende o pagamento de
cheques e débitos em conta para fornecedores e salários.
Atendendo a pedido do grupo Pão de Açúcar, em 2008 o
CNJ estabeleceu que empresas
e pessoas físicas podem cadastrar uma conta única para evitar os bloqueios múltiplos. O
cadastramento é feito nos tribunais superiores e o interessado se compromete a manter valores na conta para atender às
ordens judiciais. Já há 4.000
contas únicas cadastradas.
"O instituto é bom, veio para
agilizar o processo. As pessoas
escondiam os bens. Mas é preciso regulamentar, para evitar
problemas", diz Marco Antonio
Hengles, da OAB-SP. Ele cita
procuradores de empresas que,
não sendo devedores, têm o patrimônio pessoal bloqueado.
Rubens Curado, do CNJ, responde: "Se há problemas, devem ser discutidos caso a caso
com o juiz. O sistema é um mero meio eletrônico. Isso também ocorreria com papel", diz.
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