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Doação expõe promiscuidade entre deputados e empresas
Parlamentares reeleitos captaram recursos de setores atendidos por projetos
Alberto Fraga, que foi da "bancada da bala", recebeu R$ 282,5 mil de empresas de armamento; "Eu mesmo esperava mais", afirma ele
RUBENS VALENTE
LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Levantamento das doações
empresariais na última campanha eleitoral revela um conflito
de interesses nas atividades de
pelo menos 36 deputados federais reeleitos, de um total de
279. Eles relataram projetos de
lei ou integraram CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) e comissões do Congresso
cujos temas são de interesse de
parte de seus doadores.
O lobby da indústria do fumo,
de fabricantes de armas e munições, de empresas de combustíveis, da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), de
bancos, de siderúrgicas, de cervejarias e de empresas de celulose e papel, entre outros, deixou suas pegadas nas prestações de conta entregues pelos
candidatos ao TSE (Tribunal
Superior Eleitoral).
"Paguei um ônus tão grande
por ser líder da bancada da bala,
eu acho que muita gente se surpreendeu com a doação que eu
tive. Eu mesmo esperava mais",
disse o deputado Alberto Fraga
(PFL-DF), que recebeu
R$ 282,5 mil das empresas de
armamento Taurus e CBC
(Companhia Brasileira de Cartuchos). Isso não o impediu de
relatar projetos relacionados
ao setor, como o que trata da
exigência de exame psicológico
para o ato do registro de uma
arma de fogo.
Não há vedação legal específica para esse tipo de contribuição de campanha. O Código de
Ética da Câmara dos Deputados proíbe ao parlamentar, em
seu artigo 5º, sob pena de cassação do mandato, "relatar matéria submetida à apreciação da
Câmara, de interesse específico
de pessoa física ou jurídica que
tenha contribuído para o financiamento de sua campanha
eleitoral".
O texto não trata, portanto,
da atividade parlamentar em
comissões, de inquérito ou não,
e também não veda a operação
no sentido contrário (receber
doação após ter relatado matéria de interesse do doador).
A prática incluiu parlamentares de todos os principais
partidos (PT, PSDB, PMDB,
PFL, PP, PTB e PC do B).
Gasolina
"Se houver impedimento jurídico, eu devolvo o dinheiro",
disse o deputado e ex-ministro
dos Esportes Carlos Melles
(PFL-MG), que recebeu R$ 30
mil da companhia Petróleo Ipiranga e, no entanto, havia sido
o relator da CPI dos Combustíveis que, até outubro de 2003,
investigou concorrentes diretas da Ipiranga.
A mesma quantia foi doada
pela Ipiranga para outro titular
da comissão, o deputado Paes
Landim (PFL-PI).
Também criada em 2003, a
CPI da Serasa guarda outras
coincidências. Três integrantes
-dois suplentes e um titular-
receberam doações da própria
Serasa (leia relação completa
dos parlamentares na pág. A8).
Ao final, a CPI não pediu nenhuma investigação criminal
contra a Serasa, seguindo o parecer do relator, o então deputado Gilberto Kassab (PFL-SP), hoje prefeito de São Paulo.
Integrante de outra CPI, a
dos Correios, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) também não viu problema em aceitar uma doação de R$ 35 mil do
banco BMG. Junto com o banco Rural, o BMG foi investigado
como uma das fontes do valerioduto, ao conceder empréstimos financeiros nunca pagos
pelo publicitário Marcos Valério de Souza. "Nunca investiguei o BMG", alegou o pedetista, que, como parlamentar, tinha acesso qualificado aos bastidores da comissão.
Bola e motocicleta
Capitã da chamada "bancada
da bola", a CBF (Confederação
Brasileira de Futebol) investiu
R$ 50 mil na campanha vitoriosa do deputado José Rocha
(PFL-BA). Ele é membro suplente da Comissão de Turismo
e Desporto da Casa, onde tramitam matérias de interesse
imediato da CBF.
Projetos de lei que tramitam
pela Câmara podem ser abortados ou inflados em comissões
pelas quais passam antes de ir a
votação no plenário.
Um exemplo de como os interesses das empresas se manifestam num membro de comissão é o do deputado Alberto Lupion (PFL-PR), presidente da
Comissão de Agricultura.
Embora seja relator de um
projeto que muda o Estatuto da
Terra para permitir o uso de títulos de dívida agrária para pagamento de dívidas bancárias
por produtores rurais -projeto
de interesse da bancada ruralista-, Lupion recebeu R$ 625
mil de empresas ligadas ao
agronegócio. O valor representa 80% de tudo o que ele arrecadou na campanha. "Temos
conscientizado nosso segmento de que quem não trabalha
para os deputados do setor está
trabalhando contra si mesmo",
disse o deputado ruralista.
No terreno das comissões, o
deputado Walter Pinheiro (PT-BA) agrega outro exemplo. Recebeu R$ 10 mil da empresa Algar, controladora da empresa
de telefonia CBTC, que atua em
Minas Gerais. Pinheiro é titular
da comissão que estuda a tarifa
de telefonia fixa e relator de um
projeto que trata de incentivos
fiscais a operadoras que invistam em projetos de tecnologia.
O deputado federal Ciro Nogueira (PP-PI), corregedor da
Câmara dos Deputados, é caso
único, no grupo de 36, que relatou um projeto de interesse da
empresa doadora pertencente
ao próprio parlamentar.
Nogueira registrou doações
de R$ 180 mil da empresa "Ciro
Nogueira Comércio de Motocicletas". O parlamentar dono da
empresa foi, contudo, o relator
de um projeto que tratava da
velocidade máxima para motocicletas, além de outras alterações no Código de Trânsito.
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