São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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ELIO GASPARI

Ferrando o pobre, as mudanças não andam


O que alimenta o subdesenvolvimento são alianças malucas do andar de baixo com o de cima

RAGHURAN RAJAN , diretor de pesquisas do Fundo Monetário Internacional, e o professor Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, soltaram um estudo que dá o que pensar, sobretudo aos sábios da ekipekonomica que arruína o país há mais de duas décadas. Chama-se "A Persistência do Subdesenvolvimento: Instituições, Capital Humano ou Grupos de Interesse?" Eles sustentam que a longevidade do atraso deve-se sobretudo às pressões de camadas da sociedade -ricas e pobres- que se beneficiam com o status quo. Para quebrar essas coligações, é preciso conseguir o apoio do andar de baixo para as reformas capitalistas. A primeira condição para isso é evitar que as novidades ferrem a patuléia: "Em alguns países, é possível que amplas reformas só sejam viáveis quando se der séria atenção à melhoria das condições de vida dos pobres". Os dois economistas, autores do livro "Salvando o Capitalismo dos Capitalistas", acham que atribuir o subdesenvolvimento à qualidade das instituições, ou à escolaridade de uma nação, é explicação insatisfatória. Pacotes institucionais baixados de pára-quedas, maldições internacionais e reformas sem consenso acabam patinando. Para quem gosta da superexplicação da escolaridade, os doutores sustentam que esse fator não faz mágicas. Nos últimos 30 anos, a República dos Camarões dobrou sua taxa de alfabetização de adultos de 30% para 71%. A Líbia fez melhor, indo de 36% para 80%. Já a Índia, coitadinha, mal conseguiu passar de 33% para 57%. O trabalho de Rajan e Zingales apresenta um modelo matemático indecifrável para leigos e analisa o equilíbrio de três grupos. Um é o dos oligopolistas que ganham dinheiro com o status quo. Outro é o das pessoas com escolaridade. O terceiro, a patuléia pouco educada. Cada um reage de foma diferente à qualificação da mão-de-obra e às reformas que estimulam a competição na economia. Os oligopolistas querem mais educação, mas só até certo ponto. (Assunto magnificamente exposto pela professora Judith Tendler, do MIT, no seu trabalho "O Medo da Educação", baseado em entrevistas com empresários brasileiros.) Os educados querem mais competição, desde que a qualificação da patuléia não lhes tome oportunidades. A turma de baixo quer educação, mas só apóia mudanças no mercado se tiver algo a ganhar e pouco a perder. Rajan e Zingales mostram que o subdesenvolvimento não deriva da imposição da vontade de quem está em cima, mas da má configuração dos interesses de todos os interessados. É ela quem determina a persistência do atraso. Deriva de alianças malucas entre os três grupos. Por exemplo: como o andar de cima não quer competição, desestimula a educação. O de baixo, que quer educação, alia-se ao de cima contra as reformas que trazem competição, pois ameaçam seus empregos. O do meio, com medo da competição adere ao bloqueio da educação. O nó está em saber quando e como se forma uma coligação dos educados e dos não educados contra o status quo. Se as mudanças que estimulam a competição vêm como um rolo compressor, o resultado é que o andar de baixo, escaldado, fica contra todas as reformas. A certa altura, tem-se a impressão de que a dupla esteve no Brasil durante a campanha eleitoral. Eles dizem que os educados apóiam políticas compensatórias, desde que não transfiram poder político. As bolsas de FFHH transformaram-se em poder eleitoral nas mãos de Nosso Guia. Além disso, ele amaldiçoou o paraíso do mercado tirando proveito da insatisfação do andar de baixo, desprezada pelos sábios tucanos.


Serviço: o trabalho, infelizmente em inglês e matematês, está no seguinte endereço: http://www.nber.org/papers/w12093
O NEGRO ESTUDIOSO ENTRA NA COTA-DESEMPREGO

Está nas livrarias "Manifesto Anti-Racista - em Prol de uma Utopia Chamada Brasil", do professor Marcelo Paixão, da UFRJ. É boa leitura para instruir o debate em torno das oportunidades na democracia racial de Pindorama.
Fazendo-se de conta que os negros têm o mesmo acesso que os brancos a quaisquer escolas, atividades e profissões, apareceu um número esquisito, levantado pelo professor Roberto Martins. Em 2001, quanto mais educado era o negro, maiores as suas chances de ficar desempregado.
Aos números:
Entre os brasileiros com escolaridade de zero a três anos, a taxa de desemprego dos negros foi de 6,7%. A dos brancos, 5,7%.
Aí o negro foi para a escola e subiu para o degrau de quatro a sete anos de escolaridade. Tomou uma taxa de desemprego de 11,7% para 7,9% dos brancos.
Pareceu pouco e o negro voltou a estudar. Subiu para o patamar dos dez anos de escola e sua cota-desemprego passou para 16,3%. A dos brancos foi de 11,7%.
Se Raghuram Rajan e Luigi Zingales (a dupla do texto aí de cima) derem uma olhada nos números do "Manifesto" verão como o Brasil produz subdesenvolvimento.

MORAL RASTEIRA
Testando-se as conexões tucanas na cúpula do Judiciário federal pode-se assegurar: o PSDB não quer mexer nos escândalos que com tanta insistência denunciou durante a campanha eleitoral. É falta de educação repetir a pergunta: Lula, de onde é que veio o dinheiro?

JOGRAIS
Nosso Guia sabe que, com a moeda mais sobrevalorizada do mundo e a taxa de juros mais alta do planeta, o Brasil não cresce a 5% ao ano nem que a vaca tussa, como costuma dizer a doutora Dilma Rousseff. Sabe porque isso lhe foi demonstrado. Para a platéia, resta a diversão de acompanhá-lo representando o papel de quem acredita no que diz. Ele e o ministro Guido Mantega formam uma dupla sertaneja. Um promete o "espetáculo do crescimento" e o outro garante: "Eu não derrubo, só levanto o PIB".

CHEGOU A CONTA
A vitória tucano-pefelê na eleição de São Paulo cobra seu preço. José Serra e Gilberto Kassab governarão numa cidade onde as tarifas burras de transporte público deverão custar pelo menos R$ 3,30 ao trabalhador que toma ônibus e metrô para ir e voltar do serviço. O aumento entrará em vigor no dia 25. A tunga ultrapassa a inflação ocorrida desde o último aumento e humilha os miseráveis de Nova York. Lá, o trabalhador compra por US$ 76 (R$ 160) um bilhete que vale por 30 dias de uso ilimitado. Em São Paulo, o uso do ônibus e do metrô sairá por US$ 94,30 (R$ 198) mensais. Os transportecas tucanos confiscaram o desconto de 10% que o metrô dava aos passageiros que compravam um cartão para dez viagens.


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