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BALANÇO
Ministro diz que não vê erros decisivos no governo, confirma divergências com Antonio Palocci e critica a imprensa
"Não quero problema para mim", diz Dirceu
Lula Marques/Folha Imagem
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O ministro da Casa Civil, José Dirceu, concede entrevista à Folha em seu gabinete situado no quarto andar do Palácio do Planalto |
VALDO CRUZ
DIRETOR EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Protagonista das principais disputas no governo Lula, o ministro
da Casa Civil, José Dirceu, evitou
ao máximo ofender personagens
que estiveram em campo oposto
ao seu dentro do governo na entrevista concedida à Folha. Motivo: "Fim de ano, vou sair de férias,
o ano está terminando bem, não
quero problema para mim".
Com quase dois anos de governo, Dirceu diz não enxergar erros
decisivos na administração Lula.
Admite, porém, que não repetiria
algumas ações, mas não revela
quais são: "Eu não posso falar, se
eu falar vira problema político".
Ao responder a respeito do caso
Waldomiro Diniz, seu ex-assessor
flagrado pedindo propina a um
empresário, Dirceu diz que nada
foi achado dentro da Casa Civil.
Sobre sua mudança de posto na
reforma ministerial, sua versão
está em linha com a do presidente: "Eu não quero voltar para a articulação política. Considero uma
página virada na minha vida".
Apesar do comedimento verbal,
um traço da personalidade de
Dirceu segue intacto. Sua auto-estima segue em alta. Na transcrição
completa da entrevista gravada
(pouco mais de uma hora), conta-se 94 vezes o pronome "eu". O governo ("nós") surge 44 vezes.
A entrevista foi concedida na última sexta-feira, no gabinete da
Casa Civil, no 4º andar do Palácio
do Planalto. De lá, o ministro avista o Lago Paranoá e um condomínio ilegal à sua margem: "É o que
eu falo. O Brasil é um país incrível.
Aqui até os ricos fazem invasão".
Folha - Como será seu fim de ano?
José Dirceu - Entro em férias por
15 dias. Volto no dia 3 de janeiro.
Folha - O sr. vai aonde?
Dirceu - Para a casa de minha
mãe, que está com 85 anos. Todos
os meus irmãos vão estar lá. Por
enquanto, só vou para Minas.
Folha - Nestes dois anos, qual foi
a principal falha do governo?
Dirceu - Eu não vejo algo que seja
decisivo que nós tenhamos errado. Outra coisa é o que não conseguimos fazer por causa das circunstâncias, das limitações do
país. Eu acredito que fizemos as
reformas mais importantes para o
país, temos de fazer ainda a política e a sindical. A do Judiciário estamos fazendo. O governo cuidou
da governabilidade de uma maneira razoável, cuidou bem do
problema da estabilidade, o país
está muito menos vulnerável.
Folha - Mas o sr. não vê nenhuma
falha em dois anos de governo?
Dirceu - Deixa a oposição apontar as falhas.
Folha - Nestes dois anos de governo, o que o sr. não repetiria?
Dirceu - Eu não posso falar, se eu
falar vira problema político. Infelizmente, essas coisas eu não posso falar. Eu não posso falar as coisas que eu não repetiria porque
envolve outras pessoas, envolve
decisões que eu tomei.
Folha - Uma só, ministro.
Dirceu - Veio uma aqui na minha cabeça que se eu falar vira...
Muitas coisas eu não repetiria.
Tudo o que eu falo depois vira
problema político. Não vou falar.
Folha - Tem hora que o sr. fala
bastante.
Dirceu - Fim de ano, vou sair de
férias amanhã [sábado], o ano está terminando bem, não quero
problema para mim.
Folha - A alta dos juros neste final
de ano não é algo errado?
Dirceu - Minha opinião sobre a
questão é pública e notória. O Copom quer trazer a inflação para o
núcleo central dela e acha que há
pressões inflacionárias por causa
da demanda. É uma visão para
controlar a inflação. Como o Banco Central tem autonomia, como
as metas de inflação foram estabelecidas pelo governo, você tem é
de viabilizar o financiamento, o
investimento na infra-estrutura,
educação, a política industrial.
Folha - O sr. desistiu da questão?
Dirceu - Quando o presidente
convoca o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, a
Câmara de Política Econômica,
quando ele submete à coordenação de governo a discussão sobre
qualquer matéria, eu dou minha
opinião. Se o presidente convocar
uma reunião para falar de política
monetária e fiscal, eu dou minha
opinião. Mas quem dirige a política monetária e fiscal é o ministro
Palocci, e o BC tem autonomia.
Folha - Por que o sr. e Palocci tiveram há pouco uma discussão mais
séria sobre política econômica?
Dirceu - Só vale a pena fazer reunião se tiver o caráter para cada
um falar o que pensa, o que acha.
Eu falei o que eu penso, o que
acho, sobre uma série de questões. Eu não tenho nenhum problema com o Palocci por causa
disso, continuo trabalhando com
ele da mesma maneira. O problema é que cada um dá a sua versão.
Como eu não dou minha versão...
Folha - O sr. pode contar a sua.
Dirceu - Eu não posso, não vou
fazer isso. Isso envolve a presença
do presidente na reunião e eu
nunca faço isso. Foi uma conversa
na Granja do Torto, aberta, livre,
com alguns ministros que o presidente convidou. Eu falei o que eu
pensava. Mas isso não estremeceu
minhas relações com o Palocci.
Aliás, essas opiniões, em geral, ele
já conhecia. A diferença é que eu
falei na frente de outras pessoas.
Folha - Quais são essas opiniões?
Dirceu - São muitas questões,
não quer dizer que eu divirja do
Palocci em todas.
Folha - Sai a reforma ministerial?
Dirceu - Agora, não. Saiu da pauta do país. O governo está terminando o ano bem. No começo do
ano, o presidente vai retomar as
discussões com a base aliada.
Folha - Vai reduzir o número de
36 ministérios?
Dirceu - Não, isso não é um problema grave do governo agora.
Há eficiência para tomar decisões.
Folha - O sr. gostaria de retomar a
articulação política do governo?
Dirceu - Eu não quero voltar para a articulação política. Considero uma página virada na minha
vida. Pelo menos, na vida do governo do presidente Lula. Não
quero voltar para o Parlamento
neste momento. Enquanto o presidente me fizer merecedor da
confiança dele para exercer o cargo de ministro, eu vou ficar aqui.
Folha - É intenção do governo ter
Roseana Sarney como ministra?
Dirceu - O presidente nunca colocou nada para nós, tirando o caso do Pedro Henry, do PP.
Folha - O líder do PP, Pedro
Henry, já está certo?
Dirceu - Certo, não, porque
quem decide é o presidente. O PP
indicou o nome dele. O presidente tem uma excelente relação com
ele. Mas essa questão está parada
para janeiro, não está na agenda.
Folha - O governo contou muito
com a oposição para aprovar as reformas no primeiro ano. Agora, porém, o sr. vem tendo uma política
de enfrentamento com a oposição.
Dirceu - Eu nunca fui contra negociar com a oposição, eu sempre
negociei. Eu nunca rompi com a
oposição. Foi a oposição que, a
partir do caso Waldomiro Diniz,
desencadeou uma campanha
contra mim, rompeu com o governo e começou a querer desestabilizar o governo e passou a fazer oposição de obstrução. Eles
querem passar para a sociedade
que eu criei uma situação que inviabilizou a negociação com a
oposição. Eu seu a favor da negociação. Mas eu não posso aceitar
os ataques da oposição, eu tenho
o direito de responder às críticas.
Folha - O sr. não exagera no tom
das críticas à oposição?
Dirceu - Eu não exagero no tom:
é o meu estilo. Eu preciso que a
sociedade conheça o ponto de vista da oposição e o do governo. Eu
sou transparente. O governo não
pode aceitar certas teses da oposição se elas não correspondem à
realidade. Quando correspondem, temos de aceitar e corrigir.
Folha - O sr. tinha uma boa relação com Fernando Henrique Cardoso, ela acabou depois das críticas?
Dirceu - Eu tenho boa relação
com ele. Mas isso é natural, o
PSDB é oposição, eles estão tentando construir um discurso. Está
difícil para eles, porque eles começam a construir e os fatos desmontam. É natural que a oposição faça críticas. Eu só quero ter o
direito de responder, de confrontar, para a sociedade tomar a decisão. Como nesse caso de que falaram que nós somos ineficientes.
Foi o que eu fiz. Uma coisa é dizer
que a administração tem problemas de gestão, mas dizer que nosso governo é menos eficiente que
o governo dele eu não aceito.
Folha - Mas em duas áreas os tucanos parecem ter sido melhores
que vocês, como educação e saúde.
Dirceu - Na área social não é o
que as pesquisas estão mostrando. O governo está bem.
Folha - Nós estamos falando de
saúde e educação.
Dirceu - Nós não somos piores
que eles em educação e saúde. Os
problemas nessas áreas o governo
está equacionando. Até o quarto
ano vamos mostrar isso.
Folha - Por que os formadores de
opinião não captam essa boa imagem do governo na área social?
Dirceu - É uma questão que nós
temos de analisar, porque os formadores de opinião, inclusive até
os nossos, não só os da oposição,
não captam. Não tenho resposta.
Folha - Já parou para analisar?
Dirceu - Quem tem de analisar
isso é a Secretaria de Comunicação, o ministro Luiz Gushiken.
Folha - O sr. acha então que a falha é de comunicação?
Dirceu - Não, não acho que é a
comunicação. É um problema
político, de expectativa sempre
maior da sociedade em relação ao
governo do PT. Em segundo, precisamos divulgar mais e melhor o
que fazemos. Terceiro, enfrentamos muitos problemas nestes
dois anos: não dá para fazer tudo.
Folha - Qual o balanço que o sr.
faz do caso Waldomiro Diniz?
Dirceu - Eu não quero falar disso
não, já falei demais sobre isso.
Folha - Seus adversários o criticaram muito, dizendo que o sr. tinha
ao seu lado um assessor que estava
fazendo tráfico de influência.
Dirceu - Quando ele deu uma entrevista à revista "Época", ele contou tudo o que fez, e a fita fala por
si só. Nada mais ele fez no governo. Se houve uma devassa sobre
esse caso no país maior, eu quero
saber qual foi, tanto na minha vida, na minha família, como com o
meu filho, na Casa Civil. Se houvesse qualquer coisa do Waldomiro na Casa Civil ou no Parlamento teria se tornado público.
Folha - A mídia tem sido cruel
com o governo?
Dirceu - Não. O que precisa ficar
transparente é que a mídia muitas
vezes tem interesses, tem posição
política, avaliação ideológica. Eu
acho que a mídia brasileira precisa começar a apoiar candidato em
editorial, parar de apoiar candidato de certa forma em matérias
de informação jornalística. Eu
acho que os jornais que tiveram a
transparência de estabelecer ombudsman, manual de redação, relação com a sociedade, precisam
discutir o problema eleitoral no
Brasil, político-partidário.
Folha - Quando o sr. fala em ombudsman, o sr. está falando diretamente para a Folha?
Dirceu - Não, de todos. Não é especificamente da Folha. Sinceramente, se fosse eu falava. É um
problema geral do país. Há muitas tentações, muitos momentos
em que os jornais optam por candidatos abertamente e não assumem. Pode assumir, não tem problema, mas assume em editorial.
Ficar do jeito que está não é bom.
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