São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

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BALANÇO

Ministro diz que não vê erros decisivos no governo, confirma divergências com Antonio Palocci e critica a imprensa

"Não quero problema para mim", diz Dirceu

Lula Marques/Folha Imagem
O ministro da Casa Civil, José Dirceu, concede entrevista à Folha em seu gabinete situado no quarto andar do Palácio do Planalto


VALDO CRUZ
DIRETOR EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Protagonista das principais disputas no governo Lula, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, evitou ao máximo ofender personagens que estiveram em campo oposto ao seu dentro do governo na entrevista concedida à Folha. Motivo: "Fim de ano, vou sair de férias, o ano está terminando bem, não quero problema para mim".
Com quase dois anos de governo, Dirceu diz não enxergar erros decisivos na administração Lula. Admite, porém, que não repetiria algumas ações, mas não revela quais são: "Eu não posso falar, se eu falar vira problema político".
Ao responder a respeito do caso Waldomiro Diniz, seu ex-assessor flagrado pedindo propina a um empresário, Dirceu diz que nada foi achado dentro da Casa Civil.
Sobre sua mudança de posto na reforma ministerial, sua versão está em linha com a do presidente: "Eu não quero voltar para a articulação política. Considero uma página virada na minha vida".
Apesar do comedimento verbal, um traço da personalidade de Dirceu segue intacto. Sua auto-estima segue em alta. Na transcrição completa da entrevista gravada (pouco mais de uma hora), conta-se 94 vezes o pronome "eu". O governo ("nós") surge 44 vezes.
A entrevista foi concedida na última sexta-feira, no gabinete da Casa Civil, no 4º andar do Palácio do Planalto. De lá, o ministro avista o Lago Paranoá e um condomínio ilegal à sua margem: "É o que eu falo. O Brasil é um país incrível. Aqui até os ricos fazem invasão".
 

Folha - Como será seu fim de ano?
José Dirceu -
Entro em férias por 15 dias. Volto no dia 3 de janeiro.

Folha - O sr. vai aonde?
Dirceu -
Para a casa de minha mãe, que está com 85 anos. Todos os meus irmãos vão estar lá. Por enquanto, só vou para Minas.

Folha - Nestes dois anos, qual foi a principal falha do governo?
Dirceu -
Eu não vejo algo que seja decisivo que nós tenhamos errado. Outra coisa é o que não conseguimos fazer por causa das circunstâncias, das limitações do país. Eu acredito que fizemos as reformas mais importantes para o país, temos de fazer ainda a política e a sindical. A do Judiciário estamos fazendo. O governo cuidou da governabilidade de uma maneira razoável, cuidou bem do problema da estabilidade, o país está muito menos vulnerável.

Folha - Mas o sr. não vê nenhuma falha em dois anos de governo?
Dirceu -
Deixa a oposição apontar as falhas.

Folha - Nestes dois anos de governo, o que o sr. não repetiria?
Dirceu -
Eu não posso falar, se eu falar vira problema político. Infelizmente, essas coisas eu não posso falar. Eu não posso falar as coisas que eu não repetiria porque envolve outras pessoas, envolve decisões que eu tomei.

Folha - Uma só, ministro.
Dirceu -
Veio uma aqui na minha cabeça que se eu falar vira... Muitas coisas eu não repetiria. Tudo o que eu falo depois vira problema político. Não vou falar.

Folha - Tem hora que o sr. fala bastante.
Dirceu -
Fim de ano, vou sair de férias amanhã [sábado], o ano está terminando bem, não quero problema para mim.

Folha - A alta dos juros neste final de ano não é algo errado?
Dirceu -
Minha opinião sobre a questão é pública e notória. O Copom quer trazer a inflação para o núcleo central dela e acha que há pressões inflacionárias por causa da demanda. É uma visão para controlar a inflação. Como o Banco Central tem autonomia, como as metas de inflação foram estabelecidas pelo governo, você tem é de viabilizar o financiamento, o investimento na infra-estrutura, educação, a política industrial.

Folha - O sr. desistiu da questão?
Dirceu -
Quando o presidente convoca o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, a Câmara de Política Econômica, quando ele submete à coordenação de governo a discussão sobre qualquer matéria, eu dou minha opinião. Se o presidente convocar uma reunião para falar de política monetária e fiscal, eu dou minha opinião. Mas quem dirige a política monetária e fiscal é o ministro Palocci, e o BC tem autonomia.

Folha - Por que o sr. e Palocci tiveram há pouco uma discussão mais séria sobre política econômica?
Dirceu -
Só vale a pena fazer reunião se tiver o caráter para cada um falar o que pensa, o que acha. Eu falei o que eu penso, o que acho, sobre uma série de questões. Eu não tenho nenhum problema com o Palocci por causa disso, continuo trabalhando com ele da mesma maneira. O problema é que cada um dá a sua versão. Como eu não dou minha versão...

Folha - O sr. pode contar a sua.
Dirceu -
Eu não posso, não vou fazer isso. Isso envolve a presença do presidente na reunião e eu nunca faço isso. Foi uma conversa na Granja do Torto, aberta, livre, com alguns ministros que o presidente convidou. Eu falei o que eu pensava. Mas isso não estremeceu minhas relações com o Palocci. Aliás, essas opiniões, em geral, ele já conhecia. A diferença é que eu falei na frente de outras pessoas.

Folha - Quais são essas opiniões?
Dirceu -
São muitas questões, não quer dizer que eu divirja do Palocci em todas.

Folha - Sai a reforma ministerial?
Dirceu -
Agora, não. Saiu da pauta do país. O governo está terminando o ano bem. No começo do ano, o presidente vai retomar as discussões com a base aliada.

Folha - Vai reduzir o número de 36 ministérios?
Dirceu -
Não, isso não é um problema grave do governo agora. Há eficiência para tomar decisões.

Folha - O sr. gostaria de retomar a articulação política do governo?
Dirceu -
Eu não quero voltar para a articulação política. Considero uma página virada na minha vida. Pelo menos, na vida do governo do presidente Lula. Não quero voltar para o Parlamento neste momento. Enquanto o presidente me fizer merecedor da confiança dele para exercer o cargo de ministro, eu vou ficar aqui.

Folha - É intenção do governo ter Roseana Sarney como ministra?
Dirceu -
O presidente nunca colocou nada para nós, tirando o caso do Pedro Henry, do PP.

Folha - O líder do PP, Pedro Henry, já está certo?
Dirceu -
Certo, não, porque quem decide é o presidente. O PP indicou o nome dele. O presidente tem uma excelente relação com ele. Mas essa questão está parada para janeiro, não está na agenda.

Folha - O governo contou muito com a oposição para aprovar as reformas no primeiro ano. Agora, porém, o sr. vem tendo uma política de enfrentamento com a oposição.
Dirceu -
Eu nunca fui contra negociar com a oposição, eu sempre negociei. Eu nunca rompi com a oposição. Foi a oposição que, a partir do caso Waldomiro Diniz, desencadeou uma campanha contra mim, rompeu com o governo e começou a querer desestabilizar o governo e passou a fazer oposição de obstrução. Eles querem passar para a sociedade que eu criei uma situação que inviabilizou a negociação com a oposição. Eu seu a favor da negociação. Mas eu não posso aceitar os ataques da oposição, eu tenho o direito de responder às críticas.

Folha - O sr. não exagera no tom das críticas à oposição?
Dirceu -
Eu não exagero no tom: é o meu estilo. Eu preciso que a sociedade conheça o ponto de vista da oposição e o do governo. Eu sou transparente. O governo não pode aceitar certas teses da oposição se elas não correspondem à realidade. Quando correspondem, temos de aceitar e corrigir.

Folha - O sr. tinha uma boa relação com Fernando Henrique Cardoso, ela acabou depois das críticas?
Dirceu -
Eu tenho boa relação com ele. Mas isso é natural, o PSDB é oposição, eles estão tentando construir um discurso. Está difícil para eles, porque eles começam a construir e os fatos desmontam. É natural que a oposição faça críticas. Eu só quero ter o direito de responder, de confrontar, para a sociedade tomar a decisão. Como nesse caso de que falaram que nós somos ineficientes. Foi o que eu fiz. Uma coisa é dizer que a administração tem problemas de gestão, mas dizer que nosso governo é menos eficiente que o governo dele eu não aceito.

Folha - Mas em duas áreas os tucanos parecem ter sido melhores que vocês, como educação e saúde.
Dirceu -
Na área social não é o que as pesquisas estão mostrando. O governo está bem.

Folha - Nós estamos falando de saúde e educação.
Dirceu -
Nós não somos piores que eles em educação e saúde. Os problemas nessas áreas o governo está equacionando. Até o quarto ano vamos mostrar isso.

Folha - Por que os formadores de opinião não captam essa boa imagem do governo na área social?
Dirceu -
É uma questão que nós temos de analisar, porque os formadores de opinião, inclusive até os nossos, não só os da oposição, não captam. Não tenho resposta.

Folha - Já parou para analisar?
Dirceu -
Quem tem de analisar isso é a Secretaria de Comunicação, o ministro Luiz Gushiken.

Folha - O sr. acha então que a falha é de comunicação?
Dirceu -
Não, não acho que é a comunicação. É um problema político, de expectativa sempre maior da sociedade em relação ao governo do PT. Em segundo, precisamos divulgar mais e melhor o que fazemos. Terceiro, enfrentamos muitos problemas nestes dois anos: não dá para fazer tudo.

Folha - Qual o balanço que o sr. faz do caso Waldomiro Diniz?
Dirceu -
Eu não quero falar disso não, já falei demais sobre isso.

Folha - Seus adversários o criticaram muito, dizendo que o sr. tinha ao seu lado um assessor que estava fazendo tráfico de influência.
Dirceu -
Quando ele deu uma entrevista à revista "Época", ele contou tudo o que fez, e a fita fala por si só. Nada mais ele fez no governo. Se houve uma devassa sobre esse caso no país maior, eu quero saber qual foi, tanto na minha vida, na minha família, como com o meu filho, na Casa Civil. Se houvesse qualquer coisa do Waldomiro na Casa Civil ou no Parlamento teria se tornado público.

Folha - A mídia tem sido cruel com o governo?
Dirceu -
Não. O que precisa ficar transparente é que a mídia muitas vezes tem interesses, tem posição política, avaliação ideológica. Eu acho que a mídia brasileira precisa começar a apoiar candidato em editorial, parar de apoiar candidato de certa forma em matérias de informação jornalística. Eu acho que os jornais que tiveram a transparência de estabelecer ombudsman, manual de redação, relação com a sociedade, precisam discutir o problema eleitoral no Brasil, político-partidário.

Folha - Quando o sr. fala em ombudsman, o sr. está falando diretamente para a Folha?
Dirceu -
Não, de todos. Não é especificamente da Folha. Sinceramente, se fosse eu falava. É um problema geral do país. Há muitas tentações, muitos momentos em que os jornais optam por candidatos abertamente e não assumem. Pode assumir, não tem problema, mas assume em editorial. Ficar do jeito que está não é bom.


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