São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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Elio Gaspari

A demofobia quer punir os motoqueiros


No Rio, uma Suzuki de 125 cilindradas não teria direito a garupa; companhia, só com a de R$ 19.490

SURGIU UMA nova forma de demofobia nas grandes cidades, a repressão aos motoqueiros. No Rio, o governador Sérgio Cabral gostaria de proibir que levassem gente na garupa. Em São Paulo, muitos vereadores querem a mesma coisa, articulando a derrubada de um veto de 2004 da prefeita Marta Suplicy. A defesa dessa providência tem uma atraente base estatística pois, segundo a polícia paulista, de cada 10 roubos que ocorrem na cidade, 6 envolvem motoqueiros. Seriam pouco mais de 9.000.
Há 600 mil motos em São Paulo. Penalizar o motoqueiro que não assalta os outros, proibindo que usufrua o conforto de um veículo pelo qual pagou, é pura demofobia. Admitindo-se que cada moto-bandida seja usada em apenas dois roubos num ano, a relação das garupas paulistanas com a delinqüência fica em 1,4%. É um índice inferior ao dos ministros de Lula que foram indiciados em processos criminais (10%).
Percebe-se melhor o viés social da idéia sabendo-se que um deputado fluminense (Pedro Fernandes - DEM) apresentou um projeto (1.178/07) proibindo que as motos com menos de 500 cilindradas carreguem gente na garupa. Assim, quem compra uma Suzuki de 125 cilindradas (R$ 5.300) não tem direito a garupa. Se quiser companhia, deve levar o modelo GS500E, de R$ 19.490.
Em vez de olhar para os motoqueiros de baixa cilindrada como se fossem um estorvo, as cidades ficarão melhores se o poder público lhes der mais atenção. Toda vez que se pensa em motoqueiro surge a idéia de proibi-lo de fazer isso ou aquilo. Mesmo os motoboys, que não carregam ninguém na garupa, são tratados como condutores de veículos de segunda categoria, intrometidos. Eles são mais de 1 milhão de brasileiros que ralam entregando papéis, pizzas e encomendas. Faturam entre de R$ 500 e R$ 800 por mês, muitas vezes sem direito a nada. Figuras diabólicas, freqüentemente malcriadas, movem-se em ziguezague e danificam os espelhos do carros. Mesmo assim, asseguram pizzas quentes, bem como a produtividade de empresas que precisam de transporte rápido. Em São Paulo, morre um motoboy por dia, quase sempre sem seguro de vida.
O motoqueiro não é problema, é solução. Problemas são os engarrafamentos e a má qualidade do transporte público.

O BAÚ DO CASTELINHO É UM TESOURO

A notícia é um pouco velha, mas o tesouro é valioso. Desde o final do ano passado está na internet quase toda a produção jornalística do repórter Carlos Castello Branco (1920-1993). A iniciativa foi de sua filha Luciana. Com sua coluna diária no "Jornal do Brasil", Castelinho, como era chamado, influenciou a vida política nacional de 1963 a 1993.
Para alegria dos pesquisadores e dos interessados no estilo de um mestre, estão na rede mais de 5.000 artigos. (Falta o período de 1975 a 1978. É pena, porque foi em 1978 que ele escreveu a coluna "O Partido dos Trabalhadores", mostrando que Lula pretendia quebrar a manipulação dos sindicatos pelos partidos da ocasião e que faria isso "com a compreensão e colaboração do governo, ou sem ela".) Avaro nos adjetivos e impessoal na exposição, Carlos Castello Branco escrevia como falava, baixo.
Um exemplo de sua arte, apanhado a esmo, na coluna intitulada "Covas acha que o governo piorou", que na quarta-feira completa 40 anos: "Entende o sr. Covas que o governo atirou sobre os próprios ombros (...) uma carga negativa que se traduz em mal-estar para toda a nação.
Lamenta que o presidente Costa e Silva tenha tornado expressa uma espécie de submissão do seu governo ao dispositivo militar". Onze meses depois, Costa e Silva jogou o Brasil na treva da ditadura, Covas perdeu o mandato e Castello ganhou uma cadeia.


SERVIÇO: O tesouro está em www.carloscastellobranco.com.br/index.php

PREFEITURA DE SP
O prefeito Gilberto Kassab é candidato à reeleição e não pretende desistir. Se o PSDB indicar Geraldo Alckmin, haverá três candidatos à cadeira, para benefício da petista Marta Suplicy.

PT LEX
O advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, é candidato à primeira vaga que surgir no Supremo Tribunal Federal. O mais provável é que dispute a cadeira do ministro Eros Grau, que deseja se aposentar no ano que vem, ao completar cinco anos na Corte. Escolhido, Toffoli iria para o Supremo aos 42 anos de idade. (Epitácio Pessoa foi aos 37.) Biograficamente, seria o primeiro dos indicados por Lula cuja carreira misturou-se com a história do PT. Primeiro como seu advogado, depois como braço jurídico do comissário José Dirceu na Casa Civil.

TUCANOS AMIGOS
O PSDB critica o aparelhismo do PT mas também tem um ombro amigo. Ulysses Carraro, ex-diretor-geral da Agência Reguladora de Transportes de São Paulo, será transferido para a segunda posição na Secretaria da Desburocratização da prefeitura da capital. O doutor coordenou a incompreensível prorrogação de dez concessões de pedágios rodoviários ao apagar das luzes do breve governo de Cláudio Lembo. As concessões não estavam perto de vencer e a prorrogação, por até oito anos, esticou uma delas para 2026.

CRAQUE
Em 2002, quando convidou Dilma Rousseff para o Ministério de Minas e Energia, Lula explicou a escolha: "Não quero o risco de um apagão". Passados cinco anos, havendo risco, empossou Edison Lobão.

NUESTRO GUIA
Raúl Castro disse que "Lula deveria ter nascido em Cuba". Muita gente concorda com ele, mas ninguém deseja tanto a Nosso Guia. Não foram muitos os casos de pessoas que ameaçaram o regime do comandante e ficaram só 31 dias presos. Nenhum deles, nem mesmo quem gramou 31 anos, recebe uma Bolsa-Ditadura de US$ 2.500, dinheiro suficiente para pagar o salário de 83 médicos.

FEBRE DE PODER
O ministro José Gomes Temporão atravessou o espelho e culpou os doentes de febre amarela. Ele diz o seguinte: "Todas as pessoas que viajam para essa áreas sabem que têm de se vacinar". Erro. Sugere que o cidadão, sabendo que devia se vacinar, decidiu não fazê-lo, o que não é exato nem educado. Ninguém o acusa de ter permitido as cinco mortes de febre amarela. Durante a campanha de 2002, Nosso Guia disse que o tucanato, por desleixado, acabou "permitindo que tivéssemos quase 150 mil casos" de dengue.

BUSH, O PIOR
Há um jogo de salão na política americana: é possível dizer que George W. Bush foi o pior presidente da história dos Estados Unidos? Ele disputa com dois finalistas tisnados por amigos mensaleiros: Ulysses Grant (1869-1877) e Warren Harding (1921-23). Harding, coitado, morreu no cargo. Grant foi um desastre, mas isso não tem tanta importância, pois antes de ir para a Casa Branca comandou os Exércitos do Norte durante a Guerra da Secessão. Se o último ano de Bush for temperado com uma recessão, ele dispara.


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