São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009

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JANIO DE FREITAS

Dia de Obama, hora de Lula


Mesmo que o americano tenha resposta capaz de mudar o jogo em relação ao Oriente Médio, precisará de apoio internacional para aplicá-la

TRÉGUAS SÃO intervalos por conveniência mútua nas hostilidades ou, na hipótese melhor e raramente útil, são oportunidades aguçadas pelas motivações da própria trégua. Há mais de meio século, ou nos 60 anos desde a instituição do Estado de Israel, as tréguas entre as forças israelenses e sucessivas organizações palestinas são incontáveis. Embora várias delas preenchidas por aparentes discussões de paz, nenhuma foi além de mais um intervalo entre ondas de fúria, sangue e morte. Nem poderia, como não pode, ser diferente. As duas partes se fizeram um passado de dor e um desdobrado presente de ódio que se interpõem às concessões necessárias à convivência pacífica, ainda que inamistosa.
(Uma cena marcante da animosidade insuperável está em muitos documentários: postos um diante do outro nos jardins da Casa Branca, para o aperto de mão que selaria ante as câmeras a concordância para um pretenso acordo, Arafat acrescenta ao gesto o seu sorriso mais inconfiável; Rabin mal lhe dá um olhar, fechado em um rosto de ira, e parecia de repugnância, também. Assim se apresentavam ao mundo as duas representações da paz).
Se, já por si mesmos, palestinos e israelenses são inconciliáveis, interesses externos fortalecem ainda mais a dificuldade. O uso dos palestinos como instrumentos da política de países islâmicos, seja nas disputas internas de suas várias divisões ou em relação a outras nações, sobretudo os Estados Unidos, tem resultado em permanente acréscimo de irracionalidade aos Hamas, Fatahs, OLPs, Hizbollahs e tantos menos citados. Ocasionais admissões, por parte de palestinos, de alguma pacificação sempre estiveram fadadas a provocar mais disputas internas intransponíveis, por ingerência de países e grupos islâmicos externos. Assim continua e não é previsível mudança na regra.
Contar com o respaldo incondicional dos Estados Unidos tem fortalecido as correntes israelenses ferrenhas na ojeriza a entendimento com os palestinos e ao respectivo custo em expansões frustradas. Com o respaldo dos Estados Unidos, a rigor Israel não precisa de acordo de paz na região: é ali o Estado mais forte, único detentor de armas nucleares, e, além de apoio do arsenal norte-americano, tem a cobertura política, inclusive a de meia Europa. É muito mais do que o suficiente para reduzir os palestinos à sua inexpressão e conter o mundo islâmico. Não precisar de acordo algum não significa, porém, poder simplesmente repeli-lo, em desafio à consciência que o mundo ocidental invoca como seu pilar central, seja lá quanto de verdade haja na invocação ou no pilar.
Sucedem-se as intermediações de possíveis acordos de paz, a cada exagero, de uma parte ou outra, na norma das hostilidades. O propósito de ir além de certo arranjo, a ser faturado politicamente, equivale à tentativa de conciliar duas impossibilidades. Nas intermediações prevalecem, então, os interesses geopolíticos e comerciais do intermediário. Israel é útil aos Estados Unidos como fator de instabilidade e divisões na região que a estratégia norte-americana até hoje teme perder, junto com o petróleo. (Os arquivos secretos abertos em anos recentes, nos Estados Unidos, transparecem com clareza essa chave fundamental da geopolítica norte-americana. Grande parte está acessível na internet.)
Mesmo que Barack Obama tenha uma resposta capaz de modificar o jogo em relação ao Oriente Médio, é muito improvável que conseguisse aplicá-la sem forte apoio internacional, como pressão capaz de conter os interesses em risco. É o papel com que os países em desenvolvimento poderiam assumir a sua significação política no mundo. E, hoje, nenhum presidente, em tais países, tem mais prestígio para desencadear esse processo, mundo afora, do que Lula.
Como o próprio Lula já disse, com franqueza alheia aos modos diplomáticos, a paz não chega ao Oriente Médio por "falta de coragem e interesse" das potências, Estados Unidos à frente. É o que precisa ser dito, com a conclamação aos países em desenvolvimento para que se tornem uma barreira de exigência intransponível, pela solução no Oriente Médio.
Os palestinos não são, também, um problema? São, e grande. Se não há o que lhes mostre a irracionalidade do Hamas e de outras agressividades sem futuro, seu ressentimento favorece a criação de mais sofrimento inútil com nome de política, reação, revolução, fim de Israel. No outro extremo, patrocinar líderes vazios de liderança e de ideias, como Abbas, é conduzir também ao uso da irracionalidade de lutas sem competência e sem perspectiva, apenas o sacrifício estúpido.
Trégua de sete dias, como fazem Israel e os palestinos de Gaza, é só intervalo. Mas Barack Obama, e presidentes como Lula, podem impor a oportunidade e dar-lhe sentido.


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