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TERRA SEM LEI
Documento da CPI da Terra aponta 751 mortes entre 1964 e 2004; violência no campo não poupa criança nem idoso
Pará vive situação de "guerra civil rural", aponta relatório
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O relatório preliminar da CPI da
Terra, do Congresso Nacional, revela que "a guerra civil rural", como a comissão chama a violência
no campo no Pará, não poupou
mulheres, idosos e crianças. Entre
1964 e 2004, do total de 751 mortos no Estado em disputas agrárias, 18 eram mulheres, seis tinham mais de 60 anos de idade e
11 eram crianças.
"A indústria da pistolagem no
Pará atingiu níveis alarmantes e
em grande parte está associada à
grilagem de terras devolutas [pertencentes ao Estado]", diz o relatório do deputado João Alfredo
(PT-CE), que deverá ser votado
até junho.
A CPI, formada por senadores e
deputados federais para investigar a situação fundiária no país,
traça um quadro desolador no interior do Pará. "Se o campo brasileiro é violento, o campo paraense
é ainda mais. Se os trabalhadores
rurais em luta pela terra são aviltados cotidianamente no país, no
Pará a situação é ainda mais degradante, e se a ausência do Estado no meio rural é uma constante
em nível nacional, no Pará essa
ausência é maior", diz o relatório.
A CPI aponta que, em média,
pelo menos um líder desses trabalhadores é assassinado anualmente - num período de 20 anos
(1984-2004 ), 20 sindicalistas foram mortos a tiros no Estado. A
comissão se baseia em levantamentos da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e da Fetagri (Federação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura).
Se a CPI somasse a isso os assassinatos de advogados, líderes do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e ativistas de direitos humanos, como a
freira Adelaide Molinari, morta
em 1985 em Eldorado dos Carajás, o número chegaria a 26 de
1984 a 2004.
Ouvido em depoimento pela
CPI, o assessor jurídico da CPT
em Marabá (PA), José Batista
Afonso, que vive na região há 30
anos, disse que o número de 751
mortos desde 1964 está ainda distante da realidade: "Não estão incluídos nesses dados os trabalhadores assassinados e enterrados
em cemitérios clandestinos e no
interior das fazendas, jogados nos
rios ou sepultados como indigentes nos cemitérios das vilas e cidades e ainda os não identificados
ou queimados".
O relatório da CPI, produzido
antes do assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu
(PA), aponta 46 pessoas sob
ameaça de morte no Pará -o nome da missionária não consta da
relação.
Além dos "assassinatos seletivos", a CPI menciona a prática de
chacinas promovidas por fazendeiros para expulsar invasores rurais em despejos clandestinos,
muitas há tempos esquecidas, como a da Fazenda Surubim, no
município de Xinguara (sul do
Pará), onde 17 pessoas foram
mortas em junho de 1985.
Entre junho de 1985 e julho de
2001, pelo menos 12 dessas ações
violentas vitimaram 96 trabalhadores rurais. A lista inclui o despejo sangrento feito pela Polícia
Militar paraense na rodovia estadual PA-150 em abril de 1996, no
município de Eldorado dos Carajás, quando 19 integrantes do
MST foram mortos.
Sem relação
Os números apontados pela CPI
revelam que não há relação direta
entre número de assassinatos e
invasões de propriedades rurais.
De janeiro de 2003 a agosto de
2004, 493 propriedades rurais foram invadidas em todo o país.
Apenas 11 no Pará. No sul e no sudeste do Estado, a presença do
MST é praticamente nula.
Em contrapartida, a violência
em solo paraense é de longe a
maior do país. De janeiro de 2003
e março de 2004, ocorreram 51 assassinatos decorrentes de conflitos agrários, segundo dados da
Ouvidoria Agrária Nacional do
governo federal. Vinte e três desses crimes, ou 45% do total, ocorreram no Pará.
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