São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TERRA SEM LEI

Após morte de ex-líder sindical na terça, ação militar tenta conter escalada da violência em Parauapebas

Aparato de segurança muda rotina no PA

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A PARAUAPEBAS (PA)

A maior parte deles provavelmente nunca andará de avião. A partir de ontem, entretanto, todos os imigrantes de Parauapebas, no sul do Pará, 90% dos quais provenientes de Estados do Nordeste, serão obrigados a passar por detectores de metais como os que existem nos aeroportos, e por um pequeno interrogatório, assim que descerem na estação de trem, a fim de saber o que pretendem fazer na cidade.
Também serão filmados. O objetivo: tentar conter a escalada de violência que mata um a cada dois dias, e que vitimou o ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, Soares da Costa Neto, assassinado na terça-feira passada.
Na última sexta, o prefeito de Parauapebas, Darci Lermen, do PT, chegou de surpresa à estação de trem. Acompanhavam-no cinco policiais militares. "Que tal instalar aqui os detectores de metais?", perguntou ao oficial PM. "Quantos chegam por vez?", quis saber o soldado. "De 500 a 1.000", respondeu o segurança. "Então temos de pôr mais à frente, senão ninguém consegue descer do trem", decretou o prefeito.
"Que tal pormos também uns violeiros para dar as boas-vindas a quem chega?", sugeriu Lermen.
A apenas um quilômetro da estação, enquanto isso, 45 soldados do Exército, deslocados de Marabá e que foram enviados a Parauapebas, paravam todos os carros em trânsito por uma estrada vicinal. Estavam em busca de armas. Espingardas velhas, trabucos. Foi tudo o que se apreendeu.
Por semana, desembarcam entre 1.500 e 3 mil pessoas na estação de Parauapebas, o que resulta em algo entre 78 mil e 156 mil por ano. Ninguém sabe quantos ficam na cidade, quantos voltam.
O trem vai e vem de São Luís, no Maranhão, pela mesma estrada que escoa o minério produzido em Carajás, uma montanha de ferro que se transformou em um bairro de Parauapebas.
Todos os dias, dez vezes por dia, composições de 200 vagões cada uma saem da cidade, levando o minério ao porto de Ponta Madeira, no Maranhão. De um extremo ao outro, o trem chega a ter dois quilômetros de comprimento.
Cada vagão comporta 96 toneladas de minério, o que resulta em números astronômicos: 70 milhões de toneladas ao ano saindo da cidade. Até 2007, a Companhia Vale do Rio Doce quer atingir a marca de 100 milhões de toneladas anuais, ou um faturamento de US$ 2 bilhões.
Se exportasse o ferro com um mínimo de processamento, transformando o minério em ferro-gusa, seria possível ampliar esse faturamento para US$ 30 bilhões.
Os números vistosos contrastam com a pobreza de quem chega à cidade. Foragidos da miséria e da fome, os nordestinos que pegam a estrada de ferro Carajás vão para o sul do Pará atrás das riquezas prometidas pela existência da Companhia Vale do Rio Doce e seu negócio mineral. Vêm sem qualificação, muitas vezes sem carteira de trabalho.
Nesta época do ano, os vereadores de Parauapebas recém-eleitos, e a Câmara Municipal enche-se de gente todos os dias. A maioria trabalhou gratuitamente como cabo eleitoral e agora cobra a fatura dos vereadores: quer um emprego.
Outra alternativa é filiar-se a uma das mais de cem associações de trabalhadores rurais existentes. Viram sem-terra. São a massa que enche os mais de 35 assentamentos no entorno da cidade.
A boca que expele os trabalhadores em Parauapebas lembra uma estação de metrô -concreto aparente, limpa, funcional, sólida. Uma raridade em Parauapebas, cidade em que o padrão de construção, de tão precário, faz da existência de goteiras nas casas uma instituição municipal. A qualidade da obra tem explicação: foi construída pela Vale do Rio Doce, responsável por quase tudo o que funciona em Parauapebas.
Logo ao saírem da estação, os migrantes deparam-se com a outra cidade. Basta atravessar a rua e se está na vila do assentamento de sem-terra denominado Palmares. Ali, as casas, miseráveis, são de pau-a-pique e sapé.
Apenas há 16 anos emancipada de Marabá, Parauapebas já conta mais de 100 mil habitantes (pelo Censo 2000, são 71.568), mas toda a infra-estrutura urbana foi pensada para no máximo 15 mil. Dos 19 bairros, apenas dois foram construídos com algum planejamento (para variar, pela Vale). Os demais, resultam de invasões.
Na segunda-feira passada, mais uma invasão tentava se estabelecer na encosta de um morro.
"Isso aqui é um caldeirão saindo fumaça", diz Raimundo Nonato da Silva, que tentava se instalar no morro. "Tem gente demais, esperança demais, frustração demais. Isso acaba em morte."


Texto Anterior: Assentados vivem situação de indigência
Próximo Texto: Vale cria condomínio de luxo em reserva ambiental
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.