São Paulo, Sábado, 20 de Fevereiro de 1999
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CRISE FEDERATIVA
Presidente diz que governador age "precipitadamente" porque pretende disputar a eleição presidencial de 2002
Itamar quer ser candidato, afirma FHC


ELIANE CANTANHÊDE
diretora da Sucursal de Brasília

O presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem à Folha que o governador de Minas, Itamar Franco, "está agindo precipitadamente, porque quer ser candidato (à Presidência), mas a eleição é só daqui a quatro anos".
Lembrou que foi democraticamente reeleito e completou: "A não ser que ele (Itamar) queira dar um golpe, no que eu não acredito".
Sem citar novamente seu antecessor na Presidência, lembrou que é criticado por "não ser duro" e justificou: "Tenho que pensar inclusive na representação externa do país. Quem tem posição pública não tem o direito de agir temperamentalmente, pelas relações interpessoais. Executivo tem que ter compostura."
Em entrevista publicada ontem pela Folha, Itamar previu crise social no país. O presidente reagiu: "O Itamar falou isso? Conversei com o Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT) sobre isso. Hipóteses catastróficas não se sustentam no mundo de hoje.
Na conversa, no início da noite, em seu gabinete no Planalto, ele disse que tem consciência das dificuldades especialmente deste primeiro semestre, mas jamais se arrependeu da reeleição.
"Essa discussão não se coloca. Fui reeleito no primeiro turno. Não cabe chorar as pitangas agora", disse, acrescentando que dorme bem, tem energia e acredita no país."
RECESSÃO - "Apesar do crescimento do ano passado (0,15% do PIB), as expectativas para 1999 são boas. Não se nega a realidade, as dificuldades do momento, mas estão se abrindo novos horizontes.
Não há uma só fábrica parada, nenhum banco está à beira da catástrofe, o sistema bancário está seguro, não há crise institucional.
Todo mundo reclamava que os juros eram altos porque precisavam suportar a âncora cambial. Agora, mudamos a política cambial, mas estamos sofrendo os efeitos dessa mudança. Estamos numa transição, sofrendo sacolejos.
Isso vai mudar, tanto que essas consultorias internacionais já começaram a redesenhar as expectativas para o ano 2000.
Há dois motivos para essa mudança: as exportações, que sem dúvida vão crescer muito, e a produção local, que vai ser fortemente ativada pela substituição de importações."
CRISE E EMPREGOS - "Acho impossível dizer até quando vai a fase difícil, mas espero, como todo mundo, que acabe o mais rápido possível. Tudo está sendo feito para isso. Só não faço previsões de índices, nem para crescimento, nem para emprego, para nada.
Todos sabemos que o primeiro semestre será difícil, mas no segundo semestre haverá melhoras visíveis, inclusive nos níveis de emprego. Apesar dessas previsões que andam por aí.
Aqui é assim: mesmo crescendo, só se fala em recessão. Não nego que há diminuição de renda e isso não é bom. Mas o país continua ativo, com tantos abalos."
ABALO PESSOAL - "O que você acha? Eu tenho consciência da minha responsabilidade, mas durmo. Tenho energia, crença no país, sei medir as consequências.
REELEIÇÃO - "Essa discussão não se coloca agora. Fui eleito no primeiro turno. Não cabe chorar as pitangas. Temos dificuldades, mas sei enfrentá-las.
Ninguém se lembra, por exemplo, o inferno que foi o primeiro ano do meu primeiro mandato, com greve de petroleiros. Tive até de vetar o aumento do salário mínimo.
Não adianta chorar. Cabe, sim, tomar medidas para que as coisas andem, como fiz naquela época.
DESVALORIZAÇÃO - "Não demorou, como se fala. O que ocorreu é que havia abundância de capitais no mundo e a desvalorização podia ser feita lentamente, como vínhamos fazendo. A fonte, entretanto, secou com a crise de setembro (de 1998) na Rússia.
Depois disso, tivemos que fazer o acordo com o FMI, buscar fundos, tomar as cautelas possíveis para fazer a desvalorização.
Como se vê, fazê-la não é tão simples assim. A desvalorização rápida tem efeitos graves, deixa sequelas, como estamos sentindo. Tivemos de elevar novamente os juros, há resíduos inflacionários, há um ajuste de preços que pode resultar em inflação. Por isso não fizemos antes.
PROMESSAS DE CAMPANHA - "Tive uma reunião com o pessoal do Planejamento ontem (anteontem). Há um certo temor de que o governo não cumpra as promessas de campanha. Mas temos de fazer tudo para cumprir o que foi prometido.
O Congresso fez um Orçamento realista. O Brasil tem que fazer mais com menos, porque há desperdícios."
REFORMAS - "Quando assumi o primeiro mandato, eu dizia que o problema do Brasil era o Estado. Foi por isso que lutei incessantemente pelas reformas.
Dizem que só lutei pela minha própria reeleição. É uma injustiça tremenda. O Luís Eduardo (deputado Luís Eduardo Magalhães, morto em abril passado) é que dizia: "Parece que só nós dois queremos as reformas".
Agora, se você vê o que o governo mandou para o Congresso e o que saiu, vai ver que tem uma diferença enorme. Muita coisa deixou de ser feita.
Por quê? Porque a sociedade, e não apenas o Congresso, não entendeu a importância das reformas.
Se eu pudesse dizer alguma coisa à sociedade seria: "Venham lutar conosco"."
ITAMAR - "O Itamar diz uma verdade: que os Estados estão em dificuldades. Mas há uma diferença de diagnóstico. O erro dele é considerar erro o que foi certo e considerar certo o que é errado.
O certo foi a renegociação das dívidas estaduais com a União, que "comprou" R$ 100 bilhões em dívidas deles. O errado é não ver os problemas internos deles.
Eu sei que Minas tem problemas. A folha de pagamento e da previdência é muito pesada. Tem que resolver isso. A culpa não é de quem acabou de assumiu agora, mas tampouco é minha.
O Itamar está agindo precipitadamente. Quer ser candidato, mas a eleição é daqui a quatro anos. A não ser que ele queira dar um golpe, no que eu não a acredito.
Eu fui reeleito e tive 55% dos votos de Minas já no primeiro turno. Sei das responsabilidades que tenho com o Estado, como presidente da República.
Só quero que o governador administre Minas. Estou disposto a ajudá-lo, se ele quiser. Eu nunca disse uma palavra desprimorosa sobre o Itamar."
GOVERNADORES - "Ajudei o Cristovam Buarque (ex-governador do DF, petista), o Dante de Oliveira (tucano, reeleito em Mato Grosso), o Victor Buaiz (ex-governador do Espírito Santo, sem partido) e o Miguel Arraes (ex-governador de Pernambuco, do PSB).
Se são Estados caóticos? Bem, os que não fizeram as reformas.
Eu não posso é aceitar agora a qualificação de oposição para governadores que querem falar comigo. Oposição é no Congresso. Aqui, no Executivo o problema é administrativo.
Eu tenho obrigação de ajudá-los. E vice-versa. Sei das minhas responsabilidades, mas também sei das minhas prerrogativas. Reverência? Mas eu é que sou o presidente da República. Consideração, sim. Reverência, não.
Acho que tudo isso é uma questão de tempo. Eles todos têm que governar."
ESTILO - "Muitos me criticam por não ser duro. É o meu jeito, mas não sou inseguro quanto a mim nem quanto à minha posição. Não preciso sair de cassetete em punho. O Sarney (ex-presidente José Sarney) agia assim, sem o cassetete, e sob esse ângulo ele estava correto.
Tenho que pensar inclusive na representação externa do país. Quem tem posição pública não tem o direito de agir temperamentalmente, pelas relações interpessoais. Executivo tem que ter compostura."
CRISE SOCIAL - "O Itamar falou isso? Conversei com o Lula (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT) sobre isso. Hipóteses catastróficas não se sustentam no mundo de hoje.
Há problemas. O pior deles é o desemprego. É grave, mas se comparado com as taxas de outros países não é tanto assim.
Além disso, tempos uma política de transferência de rendas que somou R$ 17 bilhões. Pouca gente sabe. São programas contra o trabalho infantil, contra o desemprego...
AJUSTE E FMI - "Temos um Orçamento de R$ 165 bilhões, e os cortes adicionais são de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões. Não dá para daí derivar para a catástrofe.
O FMI não é o que se fala. Toda hora alguém diz: "O FMI exigiu". Não exigiu nada. Falamos no ajuste há quatro anos. Precisamos é fazer o que é preciso".


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