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ENTREVISTA DA 2ª/RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO FILHO
Juiz de carreira sem pretensões políticas, atual vice, que substitui Vidigal no dia 5, voltará gestão a problemas internos
Novo presidente quer menos mídia e menos política no STJ
FREDERICO VASCONCELOS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O Superior Tribunal de Justiça
deverá reduzir sua presença no
noticiário político a partir do dia 5
de abril, com a posse do novo presidente, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, 66.
Juiz de carreira de estilo reservado, membro de uma família de
magistrados, o paulistano Barros
Monteiro sucederá ao maranhense Edson Vidigal, de "marcante e
multifária personalidade", como
ele definiu as várias facetas do
atual presidente, ao saudá-lo em
sua posse, há dois anos.
Vidigal, um ex-repórter policial,
ex-vereador, ex-deputado e ex-advogado, alimenta pretensões
político-partidárias e foi uma presença constante na mídia. Barros
Monteiro promete o oposto: uma
gestão mais voltada para os problemas internos do tribunal.
Eleito pelo critério de antigüidade, o futuro presidente do STJ era
um opositor do Conselho Nacional de Justiça, por entender que
membros estranhos ao Judiciário
poderiam "comprometer a independência dos magistrados".
Hoje, Barros Monteiro diz que
vê com naturalidade a ação do
conselho, legitimado por decisão
do Supremo Tribunal Federal,
critica o nepotismo e aguarda medidas que possam reduzir a morosidade da Justiça. Leia a seguir a
entrevista concedida à Folha.
Folha - Juiz de carreira, vindo de
uma família de juristas, tido como
uma pessoa retraída, o senhor sucederá a um presidente que aparece muito na mídia. Isso afetará a
imagem do STJ?
Raphael de Barros Monteiro Filho
- Naturalmente, muda o perfil.
Por temperamento muito próprio, aliás, característico de juiz de
carreira, sou reservado nos meus
pronunciamentos. Nos 17 anos de
STJ, trabalhei só em processos.
Folha - Juízes progressistas e conservadores entendem que vai haver um recuo do STJ no noticiário
político. É possível prever isso?
Barros Monteiro - É possível que
isso ocorra. Eu penso que o presidente do STJ deve preocupar-se
mais com os problemas internos
do tribunal, sem descuidar, evidentemente, de representar o tribunal, de defender as prerrogativas da corte e de seus ministros.
Mas a preocupação maior será
com a administração. Chegam ao
STJ 1.100 processos por dia.
Folha- O sr. tem experiência administrativa?
Barros Monteiro - A única atividade mais ou menos administrativa foi quando exerci a corregedoria da Justiça Eleitoral.
Folha - O fato de ter sido sempre
juiz contribui para dirigir o STJ?
Barros Monteiro - A circunstância de ser um juiz de carreira não
impede o exercício de uma função
administrativa. Desde o início de
suas carreiras, os juízes exercem a
direção do foro da comarca. Têm
uma atividade administrativa
muito relevante.
Diz-se muito que o juiz não é
administrador. Essa afirmativa
não procede. Se o presidente do
tribunal convoca pessoal administrativo competente e empreendedor, pode fazer uma administração com êxito.
Folha - O sr. vai assumir o STJ num
ano eleitoral, como efeito da série
de escândalos do "mensalão". Como o sr. analisa esse cenário?
Barros Monteiro - Na verdade,
essa conjuntura não terá muita
influência. A eleição deste ano vai
ser administrada pelo TSE. A crise
de ética deverá ser solucionada
pelo órgão competente, que é o
Congresso Nacional. O tribunal
está imune a essa crise.
Folha - Nos últimos meses, criticou-se muito o fato de que o presidente do STF, Nelson Jobim, e o do
STJ, Edson Vidigal, tinham pretensões políticas. É possível conciliar a
presidência de um tribunal e uma
ambição político-partidária?
Barros Monteiro - Isso vai depender um pouco da índole de cada
um. As pretensões políticas, ainda
que de presidentes de tribunais,
são, em tese, admitidas, desde que
satisfaçam os requisitos da lei. A
legislação permite que, seis meses
antes das eleições, se faça a filiação
ao partido político. Se a legislação
permite, a pretensão é legítima.
Folha - Esse clima de indefinição é
saudável para o Judiciário?
Barros Monteiro - Eu penso que
não interfere. Não há essa situação de incerteza, porque o mandato é de dois anos. Ao final, evidentemente, a saída é algo inexorável, que vai ocorrer de uma maneira ou de outra.
Acho que a repercussão externa
não é, muitas vezes, a esperada
pelo cidadão. É superdimensionada, quando se exige uma posição mais reservada, própria de
magistrados.
Folha - O sr., por acaso, também
tem pretensões políticas?
Barros Monteiro - Não. Aos 66
anos, não tenho aspirações nem
no próprio Poder Judiciário. Estou chegando perto da idade-limite da inatividade [70 anos]...
Folha - Os juízes estão na berlinda desde a discussão da reforma do
Judiciário. Como o sr. vê essa cobrança da sociedade, as críticas ao
nepotismo e aos altos salários?
Barros Monteiro - O Judiciário é
efetivamente cobrado. Uma resultante dessa exigência é a criação do Conselho Nacional de Justiça. Devemos reconhecer que estamos vivendo uma época de mudanças. E essas mudanças vêm
sendo paulatinamente promovidas pelo CNJ. O caso do nepotismo está resolvido e a questão do
teto salarial está sob apreciação.
Folha - O nepotismo era uma
questão preocupante?
Barros Monteiro - Era um embaraço para o Judiciário. A prova é
que, depois de definida pelo STF
[a constitucionalidade da decisão
do CNJ], inúmeros tribunais demitiram aquelas pessoas enquadradas na Resolução nº 7 do CNJ.
Folha - O sr. só tem parentes no
Judiciário como referências.
Barros Monteiro - São falecidos, é
verdade. Meu pai foi ministro do
Supremo Tribunal Federal. Meu
tio, Washington de Barros Monteiro, referência nacional, como
escritor e jurista, nos últimos tempos só se dedicava à advocacia.
Folha - Como o sr. viu a resistência dos tribunais ao CNJ, sob alegação de interferência externa?
Barros Monteiro - Essa questão
de que o CNJ poderia comprometer a independência do Judiciário
hoje já está aplainada. A despeito
de integrar pessoas estranhas ao
Poder Judiciário, o conselho é um
órgão de caráter administrativo,
que integra, em termos da Constituição, o Poder Judiciário.
Folha - O sr. era a favor do CNJ,
antes da definição do STF?
Barros Monteiro - Antes da definição, fui contra. Hoje, eu vejo o
CNJ como algo natural, mesmo
porque está constituído pela
Constituição Federal, e nós devemos cumpri-la. Mas eu penso que
o CNJ está atuando na linha do
que o legislador pretendia.
Folha - O sr. chegou a participar
de algum movimento, algum tipo
de manifestação contra o CNJ?
Barros Monteiro - Não tive nenhuma atividade efetiva. Apenas,
há dois anos, ao saudar o ministro
Edson Vidigal, em sua posse, fiz
restrições a uma eventual intromissão desse órgão no Judiciário.
Folha - Como o sr. viu a manifestação do desembargador Celso Limongi, presidente do Tribunal de
Justiça de São Paulo, ao dizer que o
governo Lula está querendo subjugar o Judiciário, através do CNJ?
Barros Monteiro - Eu não vejo assim. As mudanças são necessárias
e não vejo uma tentativa do governo de subjugar o Judiciário.
Folha - Há quem acredite que o
CNJ esteja primeiro atacando distorções maiores, para obter apoio
externo, para depois introduzir outros pontos centrais da reforma...
Barros Monteiro - Parece-me, pelo menos à primeira vista, que o
CNJ está tocando nos pontos mais
sensíveis. Mas não podemos esquecer que uma das atribuições
do conselho é elaborar políticas
de natureza estratégica, com vistas ao aperfeiçoamento da distribuição da Justiça em todo o país.
É o que se espera, brevemente.
Folha - Qual é o ponto mais relevante nessa segunda etapa?
Barros Monteiro - É combater a
demora na prestação jurisdicional. A morosidade do Judiciário é
o reclamo geral dos cidadãos. Esse
é um problema de difícil solução a
curto prazo. Os recursos colocados à disposição do Poder Judiciário são muito restritos.
Folha - No STJ, qual é a dimensão
desse problema?
Barros Monteiro - O STJ tem
pendentes de julgamento cerca de
137 mil processos. Devemos promover um incremento da tecnologia. Precisamos simplificar os
procedimentos, racionalizar, para
que se obtenha uma presteza
maior nos julgamentos.
Folha - O ministro Edson Vidigal
fez reformas de espaço, implantou
dois turnos de trabalho. Como o sr.
avalia essas medidas?
Barros Monteiro - Não vou me
referir à gestão. Os dois turnos é
uma medida para dar maior produtividade e maior contribuição
para o desempenho do tribunal
em suas atividades diárias. Mas
não está ainda definitivamente
solucionada, pois, o Ministério
Público tem uma impugnação da
jornada mínima do servidor público, ainda pendente de solução.
Folha - Houve impugnação à
construção de novas instalações
para o Conselho da Justiça Federal,
e de um restaurante, a título de
resgatar o projeto de Niemeyer.
Como o sr. acompanhou isso?
Barros Monteiro - Trata-se, agora, de um fato consumado. O ministro Edson Vidigal entregou o
prédio que era ocupado pelo Conselho da Justiça Federal ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
E acomodou o Conselho da Justiça Federal no terceiro andar deste prédio. É uma situação precária
e provisória. O conselho deverá
oportunamente ser instalado em
local apropriado e condigno.
Folha - O sr. se refere ao novo prédio que será construído?
Barros Monteiro - Há um projeto
ainda na fase de conclusão, para a
construção de um anexo tanto para o conselho como para Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.
Folha - Ou seja, o sr. terá que enfrentar uma licitação, uma construção, o que sempre preocupa.
Barros Monteiro - Além das outras licitações que são necessárias
para uma obra dessa natureza, eu
penso que deva se proceder também uma licitação para uma pessoa jurídica que venha administrar essa obra. Com isso, o STJ não
estará envolvido diretamente
com a contratação, construção e
outros aspectos muito específicos
e inerentes a essa obra.
Folha - Há estimativa de quanto
custará?
Barros Monteiro - Não posso dizer com precisão. Mas o ministro
Vidigal informou que há uma verba disponível de R$ 4 milhões.
Mas o custo não está ainda definido, até mesmo porque o escritório do arquiteto Oscar Niemeyer
está preparando [o projeto]...
Folha - Quando foi presidente do
TST, o ministro Almir Pazzianotto
convidou o Banco do Brasil para gerenciar a construção da nova sede.
O senhor fala desses cuidados em
relação à administração da obra.
Isso não dá razão aos analistas que
acham que o Poder Judiciário precisaria ter uma administração profissional?
Barros Monteiro - Essa proposição de se fazer uma licitação para
gerenciar a obra tem por finalidade evitar alguma dúvida na lisura
dos procedimentos. Se o tribunal
administrar diretamente a obra,
terá dificuldades, porque os ministros são leigos no assunto, não
têm um conhecimento adequado.
Folha - Quando o STJ construiu
sua sede, alegou-se que seria necessário um novo prédio, para abrigar até 60 ministros. Os atuais 33
ministros são suficientes, diante
do volume de processos?
Barros Monteiro - Eu penso que
33 ministros não são o suficiente.
Mas a verdade é que a ampliação
também não vai resolver. O aumento vegetativo é de ano para
ano. As estatísticas estão mostrando. O tribunal com mais
membros se tornará inadministrável. A solução é a admissão de
recursos somente naqueles casos
relevantes e de interesse geral.
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