São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª/RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO FILHO

Juiz de carreira sem pretensões políticas, atual vice, que substitui Vidigal no dia 5, voltará gestão a problemas internos

Novo presidente quer menos mídia e menos política no STJ

FREDERICO VASCONCELOS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O Superior Tribunal de Justiça deverá reduzir sua presença no noticiário político a partir do dia 5 de abril, com a posse do novo presidente, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, 66.
Juiz de carreira de estilo reservado, membro de uma família de magistrados, o paulistano Barros Monteiro sucederá ao maranhense Edson Vidigal, de "marcante e multifária personalidade", como ele definiu as várias facetas do atual presidente, ao saudá-lo em sua posse, há dois anos.
Vidigal, um ex-repórter policial, ex-vereador, ex-deputado e ex-advogado, alimenta pretensões político-partidárias e foi uma presença constante na mídia. Barros Monteiro promete o oposto: uma gestão mais voltada para os problemas internos do tribunal.
Eleito pelo critério de antigüidade, o futuro presidente do STJ era um opositor do Conselho Nacional de Justiça, por entender que membros estranhos ao Judiciário poderiam "comprometer a independência dos magistrados".
Hoje, Barros Monteiro diz que vê com naturalidade a ação do conselho, legitimado por decisão do Supremo Tribunal Federal, critica o nepotismo e aguarda medidas que possam reduzir a morosidade da Justiça. Leia a seguir a entrevista concedida à Folha.

Folha - Juiz de carreira, vindo de uma família de juristas, tido como uma pessoa retraída, o senhor sucederá a um presidente que aparece muito na mídia. Isso afetará a imagem do STJ?
Raphael de Barros Monteiro Filho -
Naturalmente, muda o perfil. Por temperamento muito próprio, aliás, característico de juiz de carreira, sou reservado nos meus pronunciamentos. Nos 17 anos de STJ, trabalhei só em processos.

Folha - Juízes progressistas e conservadores entendem que vai haver um recuo do STJ no noticiário político. É possível prever isso?
Barros Monteiro -
É possível que isso ocorra. Eu penso que o presidente do STJ deve preocupar-se mais com os problemas internos do tribunal, sem descuidar, evidentemente, de representar o tribunal, de defender as prerrogativas da corte e de seus ministros. Mas a preocupação maior será com a administração. Chegam ao STJ 1.100 processos por dia.

Folha- O sr. tem experiência administrativa?
Barros Monteiro -
A única atividade mais ou menos administrativa foi quando exerci a corregedoria da Justiça Eleitoral.

Folha - O fato de ter sido sempre juiz contribui para dirigir o STJ?
Barros Monteiro -
A circunstância de ser um juiz de carreira não impede o exercício de uma função administrativa. Desde o início de suas carreiras, os juízes exercem a direção do foro da comarca. Têm uma atividade administrativa muito relevante.
Diz-se muito que o juiz não é administrador. Essa afirmativa não procede. Se o presidente do tribunal convoca pessoal administrativo competente e empreendedor, pode fazer uma administração com êxito.

Folha - O sr. vai assumir o STJ num ano eleitoral, como efeito da série de escândalos do "mensalão". Como o sr. analisa esse cenário?
Barros Monteiro -
Na verdade, essa conjuntura não terá muita influência. A eleição deste ano vai ser administrada pelo TSE. A crise de ética deverá ser solucionada pelo órgão competente, que é o Congresso Nacional. O tribunal está imune a essa crise.

Folha - Nos últimos meses, criticou-se muito o fato de que o presidente do STF, Nelson Jobim, e o do STJ, Edson Vidigal, tinham pretensões políticas. É possível conciliar a presidência de um tribunal e uma ambição político-partidária?
Barros Monteiro -
Isso vai depender um pouco da índole de cada um. As pretensões políticas, ainda que de presidentes de tribunais, são, em tese, admitidas, desde que satisfaçam os requisitos da lei. A legislação permite que, seis meses antes das eleições, se faça a filiação ao partido político. Se a legislação permite, a pretensão é legítima.

Folha - Esse clima de indefinição é saudável para o Judiciário?
Barros Monteiro -
Eu penso que não interfere. Não há essa situação de incerteza, porque o mandato é de dois anos. Ao final, evidentemente, a saída é algo inexorável, que vai ocorrer de uma maneira ou de outra.
Acho que a repercussão externa não é, muitas vezes, a esperada pelo cidadão. É superdimensionada, quando se exige uma posição mais reservada, própria de magistrados.

Folha - O sr., por acaso, também tem pretensões políticas?
Barros Monteiro -
Não. Aos 66 anos, não tenho aspirações nem no próprio Poder Judiciário. Estou chegando perto da idade-limite da inatividade [70 anos]...

Folha - Os juízes estão na berlinda desde a discussão da reforma do Judiciário. Como o sr. vê essa cobrança da sociedade, as críticas ao nepotismo e aos altos salários?
Barros Monteiro -
O Judiciário é efetivamente cobrado. Uma resultante dessa exigência é a criação do Conselho Nacional de Justiça. Devemos reconhecer que estamos vivendo uma época de mudanças. E essas mudanças vêm sendo paulatinamente promovidas pelo CNJ. O caso do nepotismo está resolvido e a questão do teto salarial está sob apreciação.

Folha - O nepotismo era uma questão preocupante?
Barros Monteiro -
Era um embaraço para o Judiciário. A prova é que, depois de definida pelo STF [a constitucionalidade da decisão do CNJ], inúmeros tribunais demitiram aquelas pessoas enquadradas na Resolução nº 7 do CNJ.

Folha - O sr. só tem parentes no Judiciário como referências.
Barros Monteiro -
São falecidos, é verdade. Meu pai foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Meu tio, Washington de Barros Monteiro, referência nacional, como escritor e jurista, nos últimos tempos só se dedicava à advocacia.

Folha - Como o sr. viu a resistência dos tribunais ao CNJ, sob alegação de interferência externa?
Barros Monteiro -
Essa questão de que o CNJ poderia comprometer a independência do Judiciário hoje já está aplainada. A despeito de integrar pessoas estranhas ao Poder Judiciário, o conselho é um órgão de caráter administrativo, que integra, em termos da Constituição, o Poder Judiciário.

Folha - O sr. era a favor do CNJ, antes da definição do STF?
Barros Monteiro -
Antes da definição, fui contra. Hoje, eu vejo o CNJ como algo natural, mesmo porque está constituído pela Constituição Federal, e nós devemos cumpri-la. Mas eu penso que o CNJ está atuando na linha do que o legislador pretendia.

Folha - O sr. chegou a participar de algum movimento, algum tipo de manifestação contra o CNJ?
Barros Monteiro -
Não tive nenhuma atividade efetiva. Apenas, há dois anos, ao saudar o ministro Edson Vidigal, em sua posse, fiz restrições a uma eventual intromissão desse órgão no Judiciário.

Folha - Como o sr. viu a manifestação do desembargador Celso Limongi, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao dizer que o governo Lula está querendo subjugar o Judiciário, através do CNJ?
Barros Monteiro -
Eu não vejo assim. As mudanças são necessárias e não vejo uma tentativa do governo de subjugar o Judiciário.

Folha - Há quem acredite que o CNJ esteja primeiro atacando distorções maiores, para obter apoio externo, para depois introduzir outros pontos centrais da reforma...
Barros Monteiro -
Parece-me, pelo menos à primeira vista, que o CNJ está tocando nos pontos mais sensíveis. Mas não podemos esquecer que uma das atribuições do conselho é elaborar políticas de natureza estratégica, com vistas ao aperfeiçoamento da distribuição da Justiça em todo o país. É o que se espera, brevemente.

Folha - Qual é o ponto mais relevante nessa segunda etapa?
Barros Monteiro -
É combater a demora na prestação jurisdicional. A morosidade do Judiciário é o reclamo geral dos cidadãos. Esse é um problema de difícil solução a curto prazo. Os recursos colocados à disposição do Poder Judiciário são muito restritos.

Folha - No STJ, qual é a dimensão desse problema?
Barros Monteiro -
O STJ tem pendentes de julgamento cerca de 137 mil processos. Devemos promover um incremento da tecnologia. Precisamos simplificar os procedimentos, racionalizar, para que se obtenha uma presteza maior nos julgamentos.

Folha - O ministro Edson Vidigal fez reformas de espaço, implantou dois turnos de trabalho. Como o sr. avalia essas medidas?
Barros Monteiro -
Não vou me referir à gestão. Os dois turnos é uma medida para dar maior produtividade e maior contribuição para o desempenho do tribunal em suas atividades diárias. Mas não está ainda definitivamente solucionada, pois, o Ministério Público tem uma impugnação da jornada mínima do servidor público, ainda pendente de solução.

Folha - Houve impugnação à construção de novas instalações para o Conselho da Justiça Federal, e de um restaurante, a título de resgatar o projeto de Niemeyer. Como o sr. acompanhou isso?
Barros Monteiro -
Trata-se, agora, de um fato consumado. O ministro Edson Vidigal entregou o prédio que era ocupado pelo Conselho da Justiça Federal ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
E acomodou o Conselho da Justiça Federal no terceiro andar deste prédio. É uma situação precária e provisória. O conselho deverá oportunamente ser instalado em local apropriado e condigno.

Folha - O sr. se refere ao novo prédio que será construído?
Barros Monteiro -
Há um projeto ainda na fase de conclusão, para a construção de um anexo tanto para o conselho como para Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.

Folha - Ou seja, o sr. terá que enfrentar uma licitação, uma construção, o que sempre preocupa.
Barros Monteiro -
Além das outras licitações que são necessárias para uma obra dessa natureza, eu penso que deva se proceder também uma licitação para uma pessoa jurídica que venha administrar essa obra. Com isso, o STJ não estará envolvido diretamente com a contratação, construção e outros aspectos muito específicos e inerentes a essa obra.

Folha - Há estimativa de quanto custará?
Barros Monteiro -
Não posso dizer com precisão. Mas o ministro Vidigal informou que há uma verba disponível de R$ 4 milhões. Mas o custo não está ainda definido, até mesmo porque o escritório do arquiteto Oscar Niemeyer está preparando [o projeto]...

Folha - Quando foi presidente do TST, o ministro Almir Pazzianotto convidou o Banco do Brasil para gerenciar a construção da nova sede. O senhor fala desses cuidados em relação à administração da obra. Isso não dá razão aos analistas que acham que o Poder Judiciário precisaria ter uma administração profissional?
Barros Monteiro -
Essa proposição de se fazer uma licitação para gerenciar a obra tem por finalidade evitar alguma dúvida na lisura dos procedimentos. Se o tribunal administrar diretamente a obra, terá dificuldades, porque os ministros são leigos no assunto, não têm um conhecimento adequado.

Folha - Quando o STJ construiu sua sede, alegou-se que seria necessário um novo prédio, para abrigar até 60 ministros. Os atuais 33 ministros são suficientes, diante do volume de processos?
Barros Monteiro -
Eu penso que 33 ministros não são o suficiente. Mas a verdade é que a ampliação também não vai resolver. O aumento vegetativo é de ano para ano. As estatísticas estão mostrando. O tribunal com mais membros se tornará inadministrável. A solução é a admissão de recursos somente naqueles casos relevantes e de interesse geral.


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