São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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CELSO PINTO
Desemprego, teoria e prática


O governo federal diz que o desemprego é problema prioritário e admite que São Paulo é o olho do furacão. Ao aplicar dinheiro para treinamento, contudo, um desempregado de São Paulo vale um décimo de um desempregado de Brasília, e um desempregado do Rio vale menos ainda.
A conta é do secretário do Trabalho do Estado de São Paulo, Walter Barelli. São Paulo tem dez vezes mais desempregados do que Brasília. Mesmo assim, ambos vão receber os mesmos R$ 32 milhões em 98 do Programa Nacional de Formação Profissional (Planfor). O Rio receberá apenas R$ 14 milhões.
Fica difícil entender o critério. Político não é, já que Brasília é governada pelo PT, enquanto São Paulo e Rio são administrados por governadores tucanos. Técnico, muito menos.
Barelli diz que o objetivo do Planfor é treinar 20% da força de trabalho. Brasília já treinou 30%, enquanto São Paulo treinou 2,5% e o Rio, calcula, deve ter treinado menos de 1%.
O Planfor, ironicamente, existe com a ajuda de Barelli, que, quando ministro do Trabalho, em 94, defendeu o uso de mais recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em programas para o trabalhador. Além do Planfor, surgiu o Proger, para financiar pequenas e micro empresas, que têm enfrentado inúmeros problemas.
Ambos estão entre os projetos prioritários do "Brasil em Ação". Como os dois têm impacto direto sobre o emprego, são duplamente prioritários. São Paulo, o centro do problema do desemprego, recebeu R$ 50 milhões do Planfor no ano passado. Neste ano, pediu R$ 120 milhões e foi contemplado com R$ 32 milhões.
A decisão, é bom lembrar, foi referendada pelo Conselho Deliberativo do FAT, formado por representantes dos trabalhadores, empresários e governo. O que torna ainda mais incompreensível o critério.
O Planfor já treinou 500 mil trabalhadores em São Paulo nos últimos anos (62 mil na área de informática), em 339 municípios. Não é uma panacéia contra o desemprego, cujo principal antídoto é crescimento acelerado. Tem ajudado, de todo modo, numa área em que até os mais liberais aceitam a intromissão do Estado.
Barelli reclama que falta à equipe econômica uma visão "holística" dos problemas, inclusive do emprego. Na prática, é mais uma área de atrito entre o governador Mário Covas e o governo federal.
Lobby à luz do dia
Na discussão sobre o destino do dinheiro da privatização dos Estados no ano passado, foi dito que uma parte foi para pagar atrasados com empreiteiras. Isso não bate, contudo, com o lobby que elas estão fazendo, via CNI, para tentar incluir o que têm a receber nos acordos de renegociação dos Estados com Brasília.
Sinal dos tempos, desta vez as empreiteiras estão conduzindo o lobby à luz do dia e pela imprensa. "As empreiteiras estão sendo discriminadas", reclama Sérgio Andrade, sócio da Andrade Gutierrez. "Nossas obras existem, podem ser visitadas, mas a percepção é que nós não precisamos ser pagos, enquanto os banqueiros recebem tudo com juros."
O tamanho da briga são R$ 2,5 bilhões em dez Estados, incluindo R$ 500 milhões do Pará, R$ 250 milhões do Maranhão e R$ 300 milhões do Rio. A Andrade tem cerca de R$ 800 milhões a receber, a Camargo Correia uns R$ 200 milhões, a Oderbrecht R$ 150 milhões (afora R$ 500 milhões em disputa com a Bahia), a Constran R$ 150 milhões e a Mendes Jr. mais de R$ 50 milhões.
São Paulo está fora porque, por meio da CPA, está trocando R$ 1,7 bilhão de dívidas por debêntures que poderão ser usadas na compra de estatais paulistas. O Pará e o Rio já pediram formalmente para incluir as dívidas das empreiteiras na renegociação. Maranhão e Amazonas já assinaram os protocolos, mas eles podem ser aditados até 31 de março. Legalmente, se a Fazenda quiser, pode prorrogar a formalização dos acordos até o final de junho.
Andrade diz que, se as empreiteiras receberem o dinheiro na Justiça, levará mais tempo, mas, somando juros e multas, ficará mais caro para o contribuinte. Uma dívida de Minas de US$ 150 milhões está no STJ em R$ 500 milhões. Outra, do metrô do Rio, era de US$ 250 milhões e está em R$ 900 milhões na Justiça.
Brasília recusa o pleito alegando que muita dívida é duvidosa, o que, diga-se, foi verdade no caso de São Paulo. Em qualquer hipótese, seria indispensável a comprovação do débito.
Outra razão: como é dívida não-registrada, pagá-la significaria um aumento direto do déficit público. Os donos de títulos estaduais são mais felizes: como é dívida registrada e não afeta o déficit, eles vão embolsar os juros e ainda ficar com papéis federais.




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