São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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JANIO DE FREITAS

General quer apito


A ameaça vista pelo general Heleno são índios dotados de reservas indígenas, ou com probabilidade de sê-lo

FOI COMO BATER os olhos em jornal que forra, há muito tempo, uma prateleira de armário de quinquilharias. Lá estavam eles outra vez, em foto no cenário de tantas agitações, fontes da tumultuada história institucional do Brasil no século passado, tão avessa à democracia. Vários rostos e nomes de carreiras percorridas na ditadura, que nunca souberam o que todo o país sabia dos porões daqueles anos, e emergiram das ruínas do seu regime para serem vistos como democratas. Os menos idosos, na ativa ainda, vestidos com as roupas estreladas que usam nos seus escritórios, para ninguém duvidar de que ali não era um plenário de reunião cultural, ou algo assim. Nesse cenário do Clube Militar, o alvo dos aplausos apresentou-se em uniforme de campanha, mangas arregaçadas, bandeira brasileira no braço para eliminar possíveis estranhezas em plena Cinelândia -tudo devidamente caracterizado como evidência de que se trata mesmo de campanha. No peito, entre diversos símbolos, o nome: Heleno.
Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Não, não. General Augusto Heleno Ribeiro Pereira, agora sim.
O inflamado pronunciamento do general Heleno foi planejado como seminário sob o interessante tema "Brasil, ameaças a sua soberania". A ameaça vista pelo general são os índios dotados de reservas indígenas, ou com probabilidade de sê-lo. Porque "o risco da soberania é que essas áreas podem ser separadas do território brasileiro", se esses "grupos indígenas" juntarem-se a ONGs internacionais "para solicitar essa divisão política. Pode ser a mesma situação que ocorreu no Kosovo". E por que só os índios fazê-lo e não São Paulo ou Rio Grande do Sul ou Roraima como Estado, não só pela reserva? Separatistas há por aí afora.
O general é franco na sua tese: "Como um brasileiro não pode entrar numa terra porque é indígena? Isso não entra na minha cabeça". Mas pode entrar na terra indígena, porque aí não encontra dificuldades mentais e conta com a cobertura legal, que apenas condiciona as finalidades da entrada. Hoje, na terra indígena de Raposa/Serra do Sol só não podem entrar a Polícia Federal, procuradores da República e outros representantes do Estado, ameaçados a bala, granada e coquetéis molotov pelos pequenos exércitos montados por donos de arrozais. Ou seja, seis remanescentes da ocupação não-indígena, apoiados pela tese do general Heleno e aceita pelos comandos do Exército. Apoio explícito, a ponto de, no ano passado, os militares negarem à Polícia Federal, representante do Estado e não-ocupante de terras alheias e da União, o apoio que lhes foi pedido para executar um mandado de retirada dos não-indígenas remanescentes.
Mas o general não está de todo sem razão: "A política indigenista está dissociada da história brasileira". Já o acréscimo peremptório, provável decorrência nostálgica, é de outro capítulo: "E tem de ser revista imediatamente".
De fato, as demarcações e homologações de reservas contrariam a história de genocídio dos milhões incalculáveis, ou precariamente estimados, de indígenas. Em nenhum outro país da América do Sul o extermínio foi tão grande e é tão continuado. E sempre impune. Como sabe o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, apesar do seu papel de ponta-de-lança de alguma coisa que começou com dois testes.
No primeiro, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, discípulo do "prendo e arrebento" do general Figueiredo que não prendeu e se arrebentou, sumiu diante do ato de hostilidade explícita organizado no Clube Militar contra o presidente da República e o governo. Lula não faltou com a devida atitude: cobrou de Jobim a falta de iniciativa, determinando-a; sustou o decreto de aumento para militares, previsto para anteontem, Dia do Exército; e fez com índios uma reunião em que prometeu batalhar, no Judiciário, pela área de Raposa/Serra do Sol como demarcada no governo Fernando Henrique e homologada no primeiro mandato do atual.


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