São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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JANIO DE FREITAS

Para lá de responsáveis

A maioria constituída na Câmara pelos deputados governistas e governi$ta$ pode abafar, como fez com a CPI da corrupção e obedecendo ao mesmo mandante e aos mesmos interesses, o requerimento de cinco grandes juristas para processo contra Fernando Henrique Cardoso por crime de responsablidade. A Câmara pode abafá-lo, mas as dificuldades de tal operação são muitas, repletas de riscos com tendência ao irreparável e com custos inevitáveis e altíssimos em muitos sentidos e direções.
Só na aparência o requerimento dos juristas Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato, Goffredo Telles Junior e Paulo Bonavides - quinteto do que há de mais respeitado no saber e na prática do Direito brasileiro - é mais contornável pelo Congresso e mais digerível por Fernando Henrique Cardoso do que a CPI da Corrupção. Além da consistência constitucional e jurídica do requerimento, a prova dos fatos é farta e imune a argumentos baratos, do tipo "interesses eleitoreiros", "ingovernabilidade", "repetição de investigações que já se fazem".
Estão registradas explicações de parlamentares para a retirada de sua assinatura no pedido de CPI da Corrupção, todas relacionando o recuo à obtenção ou promessa de verbas. São provas, que só tardiamente poderiam ser refutadas, do uso de "suborno ou outras formas de corrupção" para "determinar o comportamento de representante do povo no Congresso". Os registros burocráticos do governo proporcioramr provas, e têm outras ainda, da concessão de verbas beneficiantes de parlamentares, quando da decisão sobre o pedido de CPI, até 3.000% acima do liberado nos quatro primeiros meses do ano. Caso, por exemplo, dos recursos financeiros autorizados pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano, da própria Presidência da República.
Provas não faltam, portanto, do que a Constituição e a lei 1079 - os juristas reproduzem os textos legais - definem como crime de responsabilidade do presidente da República, por "coagir (parlamentar) no modo de exercer seu mandato, bem como consegir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção".
O requerimento de denúncia por crime de responsabilidade tem um direito negado ao requerimento de CPI: o direito ao recurso, caso seja rejeitado. Primeiro a examiná-lo, para decidir se o remete ao exame de uma comissão especial ou o recusa, o deputado Aécio Neves, presidente da Câmara, enfrentará dois problemas. De uma parte, não pareceu, até hoje, pessoa que desligue facilmente a consciência, para praticar trambiques políticos; de outra parte, sua decisão promete ter influência importante na candidatura pretendida ao governo de Minas. Mas, requerimento rejeitado ou mandado à comissão, em qualquer caso cabe recurso. Para início de conversa, recurso ao plenário da Câmara. Onde é mais fácil comprar e vender apoios, rejeições e recuos, mas também onde é mais frágil a posição do parlamentar em face do eleitorado.
O pior adversário para a apreciação razoavelmente limpa, ou não muito repugnante, do requerimento dos juristas à Câmara não está na Câmara. Está nos meios de comunicação, a mal chamada mídia. A subserviência cultural que impôs o americanismo "mídia", tão sem sentido em português, é uma poeirinha perto da subserviência de que o jornalismo é capaz na "mídia brasileira". Um, requerimento, apresentado por cinco juristas com a melhor reputação, de processo contra o presidente da República não mereceu nem menção, ontem, nos frontispícios (primeiras páginas de jornal é que não são) da grande "mídia impressa brasileira".
Por aqui há muita mídia e pouco jornalismo. Quem os editoriais da grande imprensa tem, no entanto, a impressão de jornais inconformados com a degradação da moralidade e dos costumes políticos e, portanto, indignados com a compra de deputados que a própria "mídia" tornou pública. Por trás da impressão, pode-se constatar que o que existe é uma grande sociedade, a qual não comporta só parlamentares vendidos e presidente e ministros compradores.


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