São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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Aparelho reduziu voto anulado, demonstra analista

MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO

O voto e o alistamento eleitoral obrigatórios e, mais recentemente, a adoção da urna eletrônica definiram a consolidação da democracia no Brasil. A conclusão é do cientista político Jairo Nicolau, 38, no livro "História do Voto no Brasil" (Editora Jorge Zahar), que será lançado amanhã.
Nas contas de Nicolau, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), entre a eleição de 94 e a de 98, quando a urna eletrônica foi adotada em cinco Estados, atingindo 58% do eleitorado, a proporção de votos anulados (brancos e nulos) caiu de 41% para 20%.
A redução é maior do que o crescimento do eleitorado entre as duas eleições (12%). Em números absolutos, representa a incorporação de mais 16 milhões de votos válidos entre um pleito e outro, o equivalente ao eleitorado da Holanda, Uruguai e Suíça juntos.
A redução dos votos anulados, após a adoção da urna eletrônica, relativiza a idéia de que o alto percentual de brancos e nulos é motivado por descrença política. "Há outra justificativa, que nos envergonha como país: a grande dificuldade do eleitor de operar com a cédula de papel", diz Nicolau.
Segundo ele, a média de votos anulados nas quatro eleições legislativas pós-regime militar (86, 90, 94 e 98) é de 33% -a média de outras democracias com voto obrigatório é de 7%.
Abaixo, trechos da entrevista do cientista político à Folha:
 

Folha - Seu livro passa uma avaliação positiva do processo eleitoral no Brasil. O senhor ficou surpreso com o resultado apontado pela pesquisa?
Jairo Nicolau -
Até para mim, que tinha algum conhecimento da nossa história eleitoral, a pesquisa foi surpreendente, porque revelou que a tradição eleitoral brasileira é muito mais forte do que imaginava. É um processo de aperfeiçoamento, paulatino, lento, tanto no sentido de tornar as eleições mais limpas, como no de buscar uma incorporação eleitoral da população.
Nos 180 anos de vida eleitoral desde que o Brasil se tornou independente, só ficamos 11 anos sem eleições para o Parlamento, durante o Estado Novo. Foram 51 legislaturas eleitas. Nesse período a Câmara foi fechada duas vezes, deputados tiveram seus mandatos cassados, mas, em termos de eleições legislativas, é uma marca excepcional.

Folha - O Brasil tem uma das mais altas taxas de votos anulados do mundo. Qual a razão desse percentual?
Nicolau -
O índice elevado de votos anulados reflete duas questões. A primeira é a descrença no sistema político. Mais importante, porém, é a dificuldade de grande parte dos eleitores de votar, o que fica claro com a adoção da urna eletrônica, a partir de 1996. Em 1998, por exemplo, quando a urna foi usada em apenas cinco Estados, houve uma redução de 52% dos votos anulados.

Folha - A urna eletrônica, então, incorporou um maior número de eleitores ao processo eleitoral?
Nicolau -
Entre 1994 e 1998, o número de eleitores que votaram em algum candidato passou de 45 milhões para 61 milhões. Se pegarmos os Estados que usaram a urna eletrônica, em 1998, a taxa média de votos anulados ficou entre 10% e 12%. É possível que possamos replicar esse resultado em todo o país agora, em 2002.

Folha - O comparecimento às urnas passou de 1% da população, no Império, para 51,6% em 1998. O que levou o país a alcançar esse desempenho?
Nicolau -
A universalização do eleitorado -com a inclusão das mulheres, a partir de 1930, e dos analfabetos, depois de 1985- foi importante, mas o fundamental foi a obrigatoriedade do voto e do alistamento eleitoral.
Se utilizarmos como exemplo só o universo de adultos, o percentual de comparecimento no pleito de 1998 foi de 79%. Em cada cinco eleitores, quatro votaram. É um índice acima da média de todos os países democráticos do mundo (67%).

Folha - O senhor defende a manutenção do voto obrigatório no sistema eleitoral brasileiro?
Nicolau -
Sim. Foi decisivo para a consolidação da democracia no país. Muitas vezes essa incorporação não veio de maneira positiva, mas pela mão do clientelismo, do coronelismo. Mas, do ponto de vista do envolvimento dos cidadãos nas eleições, o Brasil é um sucesso absoluto.

Folha - Que pontos, então, deveriam ser alvo de uma possível reforma política?
Nicolau -
Acho que os temas que merecem uma discussão séria são a fidelidade partidária, as distorções produzidas pelo atual sistema proporcional, motivadas pela representação dos Estados e pelas coligações, e ainda o financiamento público de campanha.

Folha - Em seu livro, o senhor mostra que a Justiça Eleitoral, criada em 1932, tornou os pleitos mais limpos. Agora, vemos o Tribunal Superior Eleitoral tomar uma medida polêmica, a verticalização das coligações. Como o senhor avalia essa decisão?
Nicolau -
Ela vai contra a história da própria Justiça Eleitoral. Não há, nos períodos democráticos recentes, registro de uma medida tão intervencionista da Justiça Eleitoral como a verticalização.
A pretexto de interpretar a lei, o TSE ultrapassou todas as fronteiras da sua tradição e produziu um resultado absolutamente contrário ao que esperava, porque, em vez de nacionalizar a política, aprofundou sua regionalização.



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