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ARTIGO
Alerta para um grande equívoco
FERNANDO GABEIRA
COLUNISTA DA FOLHA
DE UM LADO , um intelectual brasileiro que
já dirige o organismo e
conta com a promessa de apoio
de 20 países; de outro lado, um
ministro da Cultura do Egito,
Farouk Hosny, que prometeu
queimar livros em hebraico.
Em jogo, a direção da Unesco,
órgão voltado à cultura, ao diálogo e à tolerância. O governo
brasileiro decidiu apoiar a candidatura do egípcio, contra todas as advertências.
O chanceler Celso Amorim
argumenta que é uma decisão
baseada na geopolítica, um desejo de aproximação com o bloco árabe e africano.
É razoável que o governo
desconfie de alguém da oposição que procure evitar seus erros. Mas nesse caso específico,
a ideia é apenas evitar descaminho em nossa política externa,
comprometendo a reputação
brasileira. Uma política externa deve ser pactuada e confirmada nas eleições. Esta inflexão brasileira, ora convidando
ao país o presidente do Irã, que
nega o Holocausto, ora apoiando um ministro egípcio que admite queimar os livros em hebraico, quebra a linha tradicional de nossa política.
Não se trata apenas do confronto entre o brasileiro e o
egípcio. Trata-se do confronto
entre um brasileiro, Márcio
Barbosa, que reformou a Unesco, comandou três convenções
internacionais e é admirado por
países ricos e pobres, e um homem que é, há 20 anos, ministro da Cultura em seu país e tem
oposição até entre os egípcios,
que fazem campanha na internet contra sua candidatura.
O governo tem inúmeras formas de corrigir sua decisão.
Mas caso não o faça, é razoável
que surja no Brasil um movimento pela candidatura de
Márcio Barbosa. Se o país oficial distancia-se de sua política,
o caminho é reconduzi-lo pela
pressão social.
Reconheço que o tema desperta interesse limitado, mobilizando, no momento, alguns
círculos culturais e a comunidade judaica. O espaço não permite um debate específico sobre o conceito de geopolítica,
suas limitações e virtudes. Não
há geopolítica que justifique
um erro dessa dimensão. Ao invés de fortalecer a Unesco,
através de um brasileiro que a
engrandeceu nos últimos anos,
o Brasil escolheu o caminho
mais difícil que não só atinge
Israel mas também os países
que apoiam Márcio Barbosa. É
um caminho que afastará os
Estados Unidos da instituição,
estimulando a tendência de
não cooperar com a Unesco.
O presidente Lula foi um dos
primeiros signatários de um
movimento internacional, a
partir da ONU, contra a intolerância. Seu governo orgulha-se
de apoiar minorias. O ministro
egípcio Farouk Hosny está em
visita ao Brasil para um congresso internacional. Dentro
das limitações, uma vez que o
tema não é popular, não tenho
outro caminho a não ser mostrar a ele que uma parte do Parlamento brasileiro não concorda com a posição oficial. A candidatura de um brasileiro não é
melhor porque nasceu aqui: é
melhor porque conhece todos
os meandros da Unesco e, através de competência, conseguiu
a simpatia de muitos países. E,
finalmente, porque jamais admitiria a queima de livros em
hebraico ou mesmo a queima
de livros em qualquer outro
idioma.
FERNANDO GABEIRA, 68, deputado federal pelo PV-RJ, é autor de "O Que É Isso, Companheiro?", entre outros livros.
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