São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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CELSO PINTO

Bancos podem ajudar na crise?

Em meio à confusão do mercado financeiro, semana passada, o presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, ligou para o presidente Fernando Henrique Cardoso com um pedido e uma sugestão. O pedido era para que o presidente interviesse na greve da Receita Federal, que estava prejudicando a indústria. A sugestão era para que o presidente conversasse com os principais banqueiros nacionais e pedisse seu apoio para acalmar o mercado e absorver, sem sustos, a rolagem da dívida interna.
O presidente disse que a crise era puramente psicológica, sem motivos econômicos concretos e ficou de pensar na idéia de conversar com os banqueiros. Dois outros importantes empresários industriais estão convencidos que, se o governo pedisse o apoio dos três maiores bancos, Bradesco, Itaú e Unibanco, que, junto com os bancos oficiais, detêm uma parte muito significativa da dívida interna, a crise sumiria. "Graças a Deus, sobraram alguns grandes bancos nacionais", diz um deles.
Pelo que se sabe, o presidente não seguiu o conselho de Piva. Um importante banqueiro diz que, se ele tivesse seguido, o efeito prático seria mínimo. "Nós somos clientes cativos do governo", argumenta. "Ele é que deveria nos acalmar".
Os grandes bancos nacionais não têm muita opção. Um grande banco fez uma reunião de diretoria, semana passada, para examinar alternativas e concluiu que não há nada substancial a fazer. Pode-se cortar algumas linhas, aumentar a cautela, mas o grosso do risco continuará sendo Brasil.
A turbulência pegou os grandes bancos com muitos papéis federais (LFTs) longos na carteira, que passaram a ter deságios significativos. O Banco Central tem oferecido a opção de trocar LFTs longas por curtas, com perda de rentabilidade. Os bancos têm assumido a perda, porque é alto o risco de manter o papel longo. Hoje, o deságio está entre 1 e 2%, mas, se a eleição levar a uma crise, temem os bancos, o deságio poderia ir a 15% ou 20%, colocando em risco o patrimônio. Ou seja, a crise financeira se transformaria em crise bancária.
No limite, o BC será obrigado a rolar a dívida a cada dia no "overnight", como já fez no passado. É difícil imaginar bancos dispostos a correr o risco voluntário de ficar com papéis longos na carteira. Só quando há espaço na tesouraria para carregar papéis até o vencimento, caso em que o deságio não tem efeito. Mas a tendência é aceitar vencimentos de meses, não de anos.
No caso dos bancos estrangeiros, há para onde correr. A decisão de cortar linhas e retrair atividades é tomada nas matrizes e pode fazer sentido na estratégia global. Isso já está acontecendo em certa medida. Grandes bancos nacionais estão preenchendo espaços abertos por bancos estrangeiros em linhas cambiais e de crédito.
Um problema sério é que os mesmos investidores e bancos que perderam dinheiro na Argentina têm duas ou três vezes mais investidos no Brasil. Um banqueiro lembra que o Citibank tinha estimado o máximo de perdas com uma crise na Argentina em US$ 400 milhões. As perdas chegaram a US$ 2,2 bilhões e vários funcionários foram demitidos. Ninguém quer correr o risco de ver a história se repetir no Brasil.
Nesse sentido, talvez realmente seja uma vantagem o Brasil ter preservado grandes bancos nacionais. Na Argentina, dizia-se que o sistema bancário era invulnerável a crises porque tinha sido internacionalizado e os bancos estrangeiros não deixariam suas subsidiárias quebrar. O canadense Nova Scotia e o francês Crédit Agricole já abandonaram suas subsidiárias e a desconfiança do investidor argentino, hoje, não discrimina bancos locais, externos ou oficiais. No limite, pelo menos os bancos nacionais, no Brasil, podem evitar a aceleração do ritmo da crise de confiança.
A saída de dinheiro dos fundos é outra história. Está havendo uma procura por dólares não só por parte de grandes investidores mas também de investidores médios. Essa desconfiança só o governo e os candidatos poderiam tentar amenizar.

As reformas de Serra
O candidato tucano, José Serra, pode surpreender seus adversários à direita, depois de eleito, ao colocar na mesa, no início de seu governo, três reformas "liberais": tributária, previdenciária e trabalhista. Não é um tema que faça sucesso em campanha, mas faz parte das discussões do candidato e seria, certamente, muito bem recebido pelos mercados.
Sobre a reforma tributária ele já falou. A idéia é eliminar, gradualmente, os impostos em cascata e, se possível, racionalizar o ICMS. Na área da Previdência, uma idéia, que o PT também tem acenado, é aprovar o projeto que já existe transformando novos contratados no setor público em celetistas. Não resolveria o problema do estoque de aposentadorias de 878 mil servidores, que devem gerar um déficit de 2,3% do PIB este ano, mas pelo menos evitaria que o problema crescesse à frente.
O INSS, que beneficia 19 milhões de trabalhadores, deve ter um déficit de 1,2% do PIB este ano. Uma projeção mostra que, se a proporção de trabalhadores com carteira assinada fosse hoje idêntica à que existia há uma década, haveria superávit no INSS. Uma idéia para estimular a formalização do emprego seria permitir que as empresas deduzissem o que pagarem em CPMF do valor das contribuições trabalhistas pagas. A reforma trabalhista iria na direção de maior flexibilidade.
No início de março, Serra se comprometeu com o tripé que encanta o mercado: o regime de metas inflacionárias (ao falar em convergir a inflação, no futuro, para 2,5%, foi mais ousado do que a atual equipe econômica); superávit primário de pelo menos 3,5% do PIB por vários anos; e câmbio flutuante. Depois disso, já aceitou elevar o superávit para 3,75% em 2003 - ou mais, se necessário. Já "convidou" Armínio Fraga para permanecer no BC e ele "aceitou". Topou fazer um novo acordo com o FMI. Se, além de tudo isso, acenar com algumas reformas no início de seu mandato, o mercado não terá o que reclamar dele.

E-mail: CelPinto@uol.com.br



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