São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 2008

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Documento da Alstom cita propina de R$ 8 mi a tucanos

Empresa teria acertado suborno para obter contrato da Eletropaulo de R$ 110 mi

Questionado sobre destino de dinheiro em outro contrato, ex-presidente da Cesp responde: "Você quer que eu leve um tiro?"


MARIO CESAR CARVALHO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Documentos de promotores da Suíça obtidos pela Folha apontam que a Alstom francesa acertou o pagamento em outubro de 1997 de um suborno de 7,5% a alguém ligado ao governo de São Paulo para obter um contrato de R$ 110 milhões da Eletropaulo. O percentual da propina corresponde a R$ 8,25 milhões.
O documento que cita o percentual do suborno é um memorando manuscrito em francês atribuído a dois executivos da Alstom, Bernard Metz e André Botto. O papel traz o timbre da Cegelec, empresa do grupo Alstom, e é datado de 21 de outubro de 1997.

Personagem misterioso
Ontem, o jornal americano "The Wall Street Journal" revelou que os franceses da Alstom negociavam com um personagem misterioso chamado Claudio Mendes, apresentado em outro documento como "um intermediário com o G. [de governo, segundo os suíços] de SP". Os suíços dizem não saber quem é Claudio Mendes -pode ser um pseudônimo.
A propina seria usada para três finalidades, segundo o memorando francês do qual a Folha obteve uma cópia:
"As finanças do partido";
"O tribunal de contas";
"A secretaria de energia."
O partido que governava o Estado à época era o PSDB. O secretário de Energia em outubro de 1997 era David Zylbersztajn, ex-genro do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Eduardo José Bernini presidia a Eletropaulo.
Os documentos obtidos pela Folha mostram que a Alstom criou um círculo para proteger Mendes -só André Botto, da Alstom francesa, e o lobista franco-brasileiro Jean-Pierre Courtadon tinham autorização para falar com ele.
Courtadon, que mora em São Paulo, apresenta-se como um consultor especializado em negociações com o governo. Numa fase posterior da negociação, a Alstom criou uma equipe para lidar com Carlos Mendes, com quatro empresários paulistas, um contador de Paris e um banqueiro em Zurique.
A Folha não conseguiu localizar Courtadon ontem.
A propina, de acordo com um dos documentos, seria paga para que a Alstom conseguisse obter o aditivo 10 de um projeto chamado Gisel (Grupo Industrial para o Sistema da Eletropaulo), criado em 1983 para modernizar o sistema elétrico paulista. O objetivo do aditivo 10 era a compra de seis transformadores para uma subestação no Cambuci, na região central de São Paulo.
Aparentemente, o plano da Alstom deu certo. A empresa foi contratada pela EPTE (Empresa Paulista de Transmissão de Energia) para fornecer os equipamentos por R$ 110 milhões, como a Folha revelou na última sexta-feira. A EPTE é uma cisão da Eletropaulo, privatizada em abril de 1998.

Consultoria fictícia
O executivo aposentado José Geraldo Villas Boas, ex-presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo) e da Eletropaulo, deu indicações na reportagem do "The Wall Street Journal" das maneiras que a Alstom usava para disfarçar a propina: o pagamento por consultorias que eram fictícias.
Villas Boas recebeu da Alstom 7,8 milhões de francos entre 1998 e 2001 -o equivalente a US$ 1,4 milhão, pelos valores daquela época. O dinheiro era depositado numa conta que uma empresa dele, a Taltos Ltd., tinha na Suíça.
Ele disse ao jornal americano que em vários casos as consultorias eram "ficções" inventadas "para realizar um pagamento". Ao ser questionado sobre quem recebia o dinheiro, Villas Boas respondeu: "O que, você quer que eu leve um tiro?".
Documentos obtidos pelo "The Wall Street Journal" indicam que o pagamento de propina não ficou só nos planos. Em fax de 13 de novembro de 1998, um diretor da Alstom diz a seus superiores que vai transferir 4,86 milhões de francos (US$ 860 mil naquele mês) "para garantir que o trabalho prossiga e recebamos dentro do cronograma". O documento não informa o nome da empresa.
A Alstom usou expedientes cinematográficos para tentar esconder a papelada da propina. Os memorandos e 11 pastas foram entregues a um banqueiro de Zurique, que escondeu os pacotes na casa de uma secretária. Os documentos só foram achados porque as autoridades suíças descobriram que esse banqueiro lavava dinheiro para traficantes latino-americanos.


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