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Documento da Alstom cita propina de R$ 8 mi a tucanos
Empresa teria acertado suborno para obter contrato da Eletropaulo de R$ 110 mi
Questionado sobre destino de dinheiro em outro contrato, ex-presidente
da Cesp responde: "Você quer que eu leve um tiro?"
MARIO CESAR CARVALHO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Documentos de promotores
da Suíça obtidos pela Folha
apontam que a Alstom francesa acertou o pagamento em outubro de 1997 de um suborno
de 7,5% a alguém ligado ao governo de São Paulo para obter
um contrato de R$ 110 milhões
da Eletropaulo. O percentual
da propina corresponde a R$
8,25 milhões.
O documento que cita o percentual do suborno é um memorando manuscrito em francês atribuído a dois executivos
da Alstom, Bernard Metz e André Botto. O papel traz o timbre da Cegelec, empresa do
grupo Alstom, e é datado de 21
de outubro de 1997.
Personagem misterioso
Ontem, o jornal americano
"The Wall Street Journal" revelou que os franceses da Alstom negociavam com um personagem misterioso chamado Claudio Mendes, apresentado
em outro documento como
"um intermediário com o G. [de
governo, segundo os suíços] de
SP". Os suíços dizem não saber
quem é Claudio Mendes -pode
ser um pseudônimo.
A propina seria usada para
três finalidades, segundo o memorando francês do qual a Folha obteve uma cópia:
"As finanças do partido";
"O tribunal de contas";
"A secretaria de energia."
O partido que governava o
Estado à época era o PSDB. O
secretário de Energia em outubro de 1997 era David Zylbersztajn, ex-genro do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Eduardo José Bernini
presidia a Eletropaulo.
Os documentos obtidos pela
Folha mostram que a Alstom
criou um círculo para proteger
Mendes -só André Botto, da
Alstom francesa, e o lobista
franco-brasileiro Jean-Pierre
Courtadon tinham autorização
para falar com ele.
Courtadon, que mora em São
Paulo, apresenta-se como um
consultor especializado em negociações com o governo. Numa fase posterior da negociação, a Alstom criou uma equipe
para lidar com Carlos Mendes,
com quatro empresários paulistas, um contador de Paris e
um banqueiro em Zurique.
A Folha não conseguiu localizar Courtadon ontem.
A propina, de acordo com um
dos documentos, seria paga para que a Alstom conseguisse
obter o aditivo 10 de um projeto chamado Gisel (Grupo Industrial para o Sistema da Eletropaulo), criado em 1983 para
modernizar o sistema elétrico
paulista. O objetivo do aditivo
10 era a compra de seis transformadores para uma subestação no Cambuci, na região central de São Paulo.
Aparentemente, o plano da
Alstom deu certo. A empresa
foi contratada pela EPTE (Empresa Paulista de Transmissão
de Energia) para fornecer os
equipamentos por R$ 110 milhões, como a Folha revelou na
última sexta-feira. A EPTE é
uma cisão da Eletropaulo, privatizada em abril de 1998.
Consultoria fictícia
O executivo aposentado José
Geraldo Villas Boas, ex-presidente da Cesp (Companhia
Energética de São Paulo) e da
Eletropaulo, deu indicações na
reportagem do "The Wall
Street Journal" das maneiras
que a Alstom usava para disfarçar a propina: o pagamento por
consultorias que eram fictícias.
Villas Boas recebeu da Alstom 7,8 milhões de francos entre 1998 e 2001 -o equivalente
a US$ 1,4 milhão, pelos valores
daquela época. O dinheiro era
depositado numa conta que
uma empresa dele, a Taltos
Ltd., tinha na Suíça.
Ele disse ao jornal americano
que em vários casos as consultorias eram "ficções" inventadas "para realizar um pagamento". Ao ser questionado sobre quem recebia o dinheiro,
Villas Boas respondeu: "O que,
você quer que eu leve um tiro?".
Documentos obtidos pelo
"The Wall Street Journal" indicam que o pagamento de propina não ficou só nos planos. Em
fax de 13 de novembro de 1998,
um diretor da Alstom diz a seus
superiores que vai transferir
4,86 milhões de francos (US$
860 mil naquele mês) "para garantir que o trabalho prossiga e
recebamos dentro do cronograma". O documento não informa o nome da empresa.
A Alstom usou expedientes
cinematográficos para tentar
esconder a papelada da propina. Os memorandos e 11 pastas
foram entregues a um banqueiro de Zurique, que escondeu os
pacotes na casa de uma secretária. Os documentos só foram
achados porque as autoridades
suíças descobriram que esse
banqueiro lavava dinheiro para
traficantes latino-americanos.
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