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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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ELIO GASPARI

Saudades do PT que ousa e faz

Há o PT-Federal, que tritura, tributa e tunga, mas ainda há o velho e bom Partido dos Trabalhadores, capaz de tomar iniciativas administrativas audaciosas e de produzir êxitos sociais.
Desde janeiro, quando tomou posse, o governo de Lula vai devagar, quase parando na controvérsia em torno do uso de programas livres para os computadores da rede da Viúva.
Trata-se de uma discussão chata, frequentemente incompreensível. No Brasil, nove entre dez computadores funcionam com o sistema operacional Windows, e quase todos trabalham com o programa Office para textos e cálculos. Os dois são da Microsoft, de Bill Gates.
Contra eles, há os chamados programas abertos. Grosseiramente, a operação de um terminal com programas abertos custa cinco vezes menos que outro, nas mãos da Microsoft. Numa grande empresa, um terminal com programas de Bill Gates custa entre R$ 500 e R$ 1.000 por ano.
A encrenca começou em 1991, quando um garoto finlandês, Linus Torvalds, convidou micreiros de todo o mundo para montar um sistema aberto, livre, às vezes grátis, sempre barato. Chamou-se Linux e hoje tem a IBM a ajudá-lo.
A Microsoft personifica a gordura em algumas empresas que querem cortar custos. O Metrô do Rio e a Telemar já trabalham com Linux. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostrou que os número de empresas com programas livres em seus terminais passou de 8% para 12%.
O governo de Lula prometeu que vai tirar da Microsoft o monopólio do acesso aos serviços da Receita Federal. É pouco. O governo petista pode usar o seu poder de compra, de propaganda e de persuasão para estimular os brasileiros a usar programas livres. Não precisa impor nada, pois desde que inventaram o computador, sempre que o governo brasileiro quis impor alguma coisa, acabou-se fabricando desastres. Basta dizer que os usuários de computadores têm alternativas e que, entre elas, a Microsoft é a mais cara, senão a mais gananciosa.
A administração petista de São Paulo produziu o melhor exemplo de uso dos programas livres. É a rede Telecentro. Tem 61 postos de serviço para o povo. Cada um deles tem 20 terminais e se destina a ensinar as pessoas a entrar no mundo dos computadores.
O primeiro Telecentro foi montado em Cidade Tiradentes, sofrido conjunto habitacional da periferia. Temia-se que o prédio, uma construção da Cohab transformada em entreposto de tóxicos e reconstruído pela Telefônica, estaria destruído em menos de um mês. Completou dois anos e está muito bem, obrigado. À sua volta surgiu uma comovente atividade comunitária. Também vão bem os oito Telecentros de Capão Redondo.
Se os Telecentros trabalhassem com a Microsoft, teriam uma despesa adicional de pelo menos R$ 2 milhões por ano. Estima-se que os programas livres permitiram uma economia de R$ 14 milhões. A administração petista de São Paulo trouxe 150 mil pessoas para perto dos teclados e dos monitores. Os governos petistas gaúchos também ousaram e fizeram do Linux uma alternativa para a rede do governo.
Não se conhece caso de encrenca provocada pelo uso voluntário dos programas livres. Quando o PT federal achar a tartaruga que fugiu de cima da mesa durante uma reunião dos sábios do Planalto, poderá pelo menos copiar o que o Partido dos Trabalhadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul já fizeram de bom e barato.

O Leão de Lula morde e come tudo

Em apenas seis meses, Lula já fez sua reforma tributária. Ela teve duas características: tungou pessoas e empresas em benefício da União e em prejuízo dos Estados e municípios. Arrecadou R$ 20,6 bilhões a mais que FFHH e só transferiu R$ 2 bilhões. O truque foi simples: provocou-se um aumento de arrecadação de tributos que incidem sobre o faturamento (Cofins e PIS) e sobre o lucro (CSLL), que não são compartilhados com os Estados e municípios.
Nos primeiros seis meses de governo, Lula arrecadou com essas contribuições R$ 10,1 bilhões a mais que FFHH no mesmo período do ano anterior, um aumento de 29%. Se o governo mexe no Imposto de Renda e toma mais R$ 1.000 da patuléia, ele só embolsa R$ 530, pois é obrigado a transferir 47% para os Estados e municípios. No caso do Imposto sobre Produtos Industrializados, a transferência é de 57%. Com os tributos chamados de contribuições, o governo federal embolsa tudo o que toma.
Lula não está fazendo nada de novo. Apenas mostra que seu governo é mais do mesmo. Em 1989, primeiro ano de vigência do sistema tributário da Constituição de 1988, as contribuições equivaliam a 25% do valor arrecadado com o IR e o IPI. No mandarinato de FFHH, essa percentagem ficou em 68%. Nos primeiros seis meses de Lula, ela passou para 81%. Com a entrada em ação da mandíbula da MP do Professor Luizinho, que ampliou a base de arrecadação da Contribuição Social sobre Lucro Líquido, talvez chegue a 83%.
Isso aconteceu enquanto os governadores tucanos Geraldo Alckmin e Aécio Neves defendiam a tunga da aposentadoria dos servidores com o rigor financeiro de Milton Friedman. Pena que na hora de defender os interesses tributários dos Estados que governam venham se valendo da cultura econômica de Mike Tyson.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela defende o idioma e as florestas abatidas para imprimir blábláblá.
Madame concedeu uma de suas bolsas de estudo a Luís Henrique Moreira Ferreira, diretor da Coimex Brands, pela seguinte defesa de um programa de segurança e qualidade dos produtos alimentícios na região do Mercosul:
"É um argumento técnico que encontra sinergia com uma necessidade política e, combinados, podem estabelecer as bases para uma estratégia inovadora de negociação, em que as vulnerabilidades dos países da região podem ser mitigadas por uma parceria em torno de um objetivo comum a todos: criar uma agenda da segurança alimentar no Mercosul (tanto para exportações como para os respectivos mercados domésticos), removendo barreiras técnicas e aumentando a força política em favor de um acordo com os principais consumidores mundiais, sobretudo para os Estados Unidos".
Natasha acredita que o doutor quis dizer que um acordo dos países do Mercosul é bom para os países do Mercosul.

A escolha de Serra

José Serra deverá ser convidado para a secretaria da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. A Cepal é um organismo da ONU, e a cadeira de secretário, ocupada por Raul Prebisch e Enrique Iglesias, atual presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), é o que de melhor um economista latino-americano pode esperar da vida, a menos que esteja interessado em ser diretor de banco.
É difícil que Serra aceite o convite. O mandato do secretário é de cinco anos.

Gushiken privatiza

O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) inovou a reforma estratégica do Estado brasileiro. É o encarregado da comunicação do governo, dispõe de algumas centenas de funcionários qualificados para tarefas desse tipo e, mesmo assim, vale-se de uma assessoria de empresa privada para a sua própria comunicação.
Algo como a Petrobras contratar a Shell para fazer uma parte do seu serviço.
Talvez interesse ao ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica saber como vão as coisas no seu latifúndio. O editor de um importante jornal europeu tentou um contato com o primeiro escalão da comitiva de Lula enquanto ele viajava pelo além-mar. Conseguiu apenas um número de telefone, errado.

Falta o exemplo

O ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) disse o seguinte: "Não é razoável, num país com as dificuldades do Brasil, que um servidor se aposente aos 48 anos e aos 55 anos".
O argumento do ministro pode ser sério, mas não é honesto. Lula aposentou-se em 1996, aos 51 anos. Por conta disso, recebe hoje R$ 3.976 mensais, que se juntam aos R$ 6.830,42 líquidos que o Tesouro paga aos presidentes.
Lula achou justo receber aposentadoria aos 51 anos. Não é razoável que o ministro da Fazenda faça demagogia à custa dos servidores.
Se Palocci quiser demonstrar que seu argumento é honesto, tentará convencer Lula a congelar a grana da aposentadoria enquanto tiver casa, comida e roupa lavada em Brasília. Do contrário, deverá incluí-lo no raciocínio das coisas que não acha razoáveis.

A Viúva agradece

Aos 15 parlamentares (todos petistas) que doaram ou se recusaram a receber os R$ 18.444 líquidos que o Congresso pagou pelo fato de tê-los chamado ao local de trabalho em julho, deve-se acrescentar o deputado Marcello Siqueira (PMDB-MG).
Ao contrário do que supunha o deputado Chico Alencar (PT-RJ), que devolveu o seu cheque, o presidente da Câmara, deputado João Paulo, ficou em copas.

ENTREVISTA

Franklin Martins

(55 anos, jornalista, colecionador político-musical.)

- Quando lhe veio à cabeça colecionar músicas políticas?
- Há uns três anos eu resolvi incluir músicas na página que mantenho na internet. A bolha já tinha estourado, o dinheiro dos pontocom sumira. Resolvi continuar com a coleção por puro amor à arte. Já consegui juntar umas 200 e meu prazer está em fazer com que elas possam ser ouvidas na internet. O brasileiro sabe fazer e sabe tratar sua música. Tive uma surpresa ao ver como há pessoas que se dedicaram a preservar esse acervo. Graças ao colecionador paulista Roberto de Azevedo, consegui a marcha "Cavanhaque de Bode", uma gozação feita com o presidente Washington Luís, de 1927. Graças ao Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula, consegui a primeira versão da "Canção do Subdesenvolvido", do CPC, da UNE. Fuçando, você acha desde a tropa da FEB cantando o Hino Nacional na catedral de Piza até "Menina Presidência", de 1937, um samba de Nássara, que, pela voz de Sílvio Caldas, conta que não ia haver eleição nenhuma e Getúlio continuaria no poder. Às vezes, a graça está em guardar uma música que muita gente cantou, mas ninguém sabe onde pode achá-la. É o caso do "Varre, Varre, Vassourinha", de 1960, fazendo a campanha presidencial de Jânio Quadros.
- O que a coleção lhe ensinou?
- A música política brasileira tem um vigor e uma qualidade fantásticos. Você tem Sinhô e Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento e Francisco Alves, Cazuza e Almirante, Wilson Batista e Renato Russo. Até 1930, nossa música política foi bastante espontânea, agressiva e livre do controle do Estado. Chamavam o Delfim Moreira de maluco, Hermes da Fonseca de pé-frio e Rui Barbosa de falastrão ("Fala Meu louro", composição de Sinhô, cantada por Francisco Alves.). Depois começa uma corrente de puxa-saquismo. Primeiro da Revolução de 1930, depois da ditadura do Estado Novo. Às vezes havia talento nessa bajulação. A ida da FEB para a Itália provocou um surto de alegria e criatividade. Surgiu a figura do Cabo Laurindo, que está nos sambas de diversos compositores, mas é muito associado a Wilson Batista. Ele foi politizando o Laurindo, até que, de volta ao Brasil, Laurindo passou de cabo a "camarada". Lá pelos anos 50, aquilo que foi predomínio do samba ou da marchinha abriu espaço para o jingle. Tem o "Varre, Varre, Vassourinha", do Jânio, que é muito bom, mas nada da época se compara ao Miguel Gustavo:
"Na hora de votar,
eu vou Jangar,
é Jango, é Jango,
é o Jango Goulart".
- O jingle prejudicou o gênero?
- Acho que não. Eles se completam. A canção política contra a ditadura militar teve excelente qualidade, coisa que não aconteceu no Estado Novo. Um país que cantou "Cálice", "Coração de Estudante", "Sinal Fechado" e o "Bêbado e a Equilibrista" podia ir mal de política, mas ia bem de música. Hoje, o rock e o rap estão desenvolvendo caminhos de expressão política. A campanha presidencial do ano passado foi pobre. Tirando "Meu País", de Zezé di Camargo e Luciano, nada apareceu de significativo.
*Serviço: A seleção de 200 músicas de Franklin Martins está em sua página: http://redeglobo.globo.com/franklinmartins
(As músicas podem ser ouvidas, mas não podem ser baixadas)


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