São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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JANIO DE FREITAS

Trechos de um mau enredo


Por mais motivos que possa haver para a investida contra Dantas, um dos relevantes é ser considerado inimigo da corrente de Paulo Lacerda

NEM UM só dos protagonistas, que não incluem os advogados, se salva no espetáculo de antiética, incompetência e tapeações contra a opinião pública, chamado de Operação Satiagraha. Mas já se alcança alguma clareza em partes do enredo.
A contribuição do governo para o espetáculo, por intermédio do próprio presidente da República e do ministro da Justiça, nos últimos dias agravou as evidências de desordem na Polícia Federal e de preocupação, na Presidência, com reflexos prejudiciais a seus interesses, não só políticos e de imagem. Por que a interferência de Lula em procedimentos policiais, chamando para reunião no Planalto o diretor interino da PF, Romero Menezes (o ainda efetivo, Luiz Fernando Corrêa, sumiu em férias repentinas), e o ministro Tarso Genro? Em seguida, Lula forçou uma oportunidade de exigir a continuação do delegado Protógenes Queiroz à frente do inquérito, com o resultado desastroso de que ele está fora mesmo.
É certo, como foi explicado pelo governo, que o governo sofreria a desgastante acusação de afastar o delegado, em favor de Daniel Dantas, Naji Nahas e outros. Era, porém, um motivo secundário para a reunião. O fundamental foi cobrar providências que, esfriando o escândalo policial, dessem ao governo condições de tentar a aprovação, antes das férias no Senado, de Emília Ribeiro para diretora da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações. Se aprovada, ela entra na Anatel com uma carta marcada por Lula: dar o terceiro voto, o de desempate, para possibilitar o negócio imoral de compra da Brasil Telecom pela Oi/ Telemar. No Senado, a pressa não teve efeito, o assunto ficou para agosto.
Na PF, aumentou o rombo na imagem conquistada por cinco anos de novo rumo. Por quê? Uma das raízes do problema criado pela Satiagraha é o grau a que chegou a divisão na PF. Com o afastamento de Paulo Lacerda, hoje diretor da Abin, depois de quatro anos como bem-sucedido diretor da PF (com o então ministro Márcio Thomaz Bastos), sua corrente estava convicta de continuar no comando, tendo Renato da Porciúncula como diretor. Tarso Genro entregou a PF à corrente oposta, com Luiz Fernando Corrêa na direção. Este, por sua vez, aceitou a ocupação política de dois cargos superiores, as secretarias de Justiça e de Segurança. A primeira, entregue a Romeu Tuma Jr., concomitante à transferência do senador Tuma para os serviços governistas; a outra, de Antonio Carlos Biscaia, deputado petista que não conseguira se reeleger no Estado do Rio (está agora na Câmara como suplente).
A divisão, que já provocara disputas intensas, por exemplo em torno do equipamento a ser adotado para gravações investigativas, acentuou-se com hostilidades claras. Nessa fratura, Protógenes Queiroz é ligado a Paulo Lacerda e a Porciúncula, que também se afastou da PF para a Abin. E por aí se explicam algumas coisas na operação e em seus tantos transtornos.
Por mais motivos que possa haver para a investida contra Daniel Dantas, um dos relevantes é ser considerado inimigo da corrente ligada a Paulo Lacerda. Desde quando publicada a estranha notícia de que Lacerda tinha no exterior depósitos não declarados, seu grupo atribui o boato a Daniel Dantas e o vê como inimigo, com as conseqüências comuns dessa visão. Se o inimigo facilita contra-ataques, pior para ele. Embora, com mais de ano e meio de escutas em todos os seus possíveis telefones, até amigo deixaria diálogos interpretáveis como indícios comprometedores.
Foi também a divisão mais extremada que levou Protógenes Queiroz a cercar o inquérito do sigilo que atingiu até os seus superiores. A corrente Lacerda não tinha dúvida, e provavelmente estava certa, de que entre os seus adversários na PF se criariam problemas para o inquérito, tal como seus meios e seus alvos estavam previstos. Pelo mesmo motivo se explica o recurso a agentes da Abin, em vez de agentes da PF. O que Protógenes Queiroz nega de viva voz e, no entanto, confirma ao transcrever diálogo telefônico em que Luiz Eduardo Greenhalgh é informado de que um cliente seu, ligado a Dantas, é seguido pela Abin. Atitude de Queiroz que é reprovada mesmo entre os de sua corrente.
Deste resumo, que tende a desdobrar-se em outros, a dedução inevitável é a de que há muito mais razões, além das já percebidas, para receber-se com reserva o que o espetáculo atual quer servir à opinião pública.


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