São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997.



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ESTADO X IGREJA
Embaixada do Brasil em Oslo moveu campanha secreta contra a eleição do arcebispo de Olinda e Recife
Governo Médici sabotou Nobel de d. Hélder

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

O governo Emílio Médici (1969-74) moveu, por meio da Embaixada do Brasil em Oslo (Noruega), uma campanha secreta contra a eleição do então arcebispo de Olinda e Recife, d. Hélder Câmara, para o Prêmio Nobel da Paz.
A revelação, contida no livro inédito "Dom Hélder Câmara - Entre o Poder e a Profecia", de Nelson Piletti e Walter Praxedes, baseia-se em documentos secretos da embaixada brasileira em Oslo, aos quais a Folha teve acesso.
Em uma série de telegramas enviados ao Ministério das Relações Exteriores, o então embaixador do Brasil na Noruega, Jaime de Souza-Gomes, presta contas de sua ação pelo "discreto e frutuoso esvaziamento da candidatura Hélder Câmara ao Nobel da Paz".
A atuação da embaixada abarcou os anos de 1970, 71, 72 e 73 e deu-se por duas vias: uma campanha difamatória "plantada" na imprensa norueguesa e a tentativa de influenciar diretamente membros do Comitê Nobel, que é nomeado pelo Parlamento da Noruega para escolher o Nobel da Paz.
Nas duas frentes, a embaixada brasileira contou com a colaboração de um personagem-chave, o empresário norueguês Tore Munch, que tinha fábricas de guindastes no Brasil e morreu no final dos anos 70.
De acordo com os telegramas do embaixador, Munch encarregou em 1970 um jornalista do diário norueguês "Morgenposten", de sua propriedade, de "polemizar o nome de d. Hélder Câmara, então considerado o mais provável ganhador do Nobel da Paz".
O trabalho do jornalista teria sido municiado com um dossiê sobre d. Hélder, colhido no Brasil por Munch graças a "suas relações com o sr. Júlio de Mesquita Neto, diretor proprietário do matutino 'O Estado de S.Paulo' ".
Na outra frente, a do Comitê Nobel, a colaboração de Munch teria sido ainda mais decisiva. Ele conhecia pessoalmente dois membros do comitê, o banqueiro Sjur Lindebraekke e o presidente do Parlamento norueguês, Bernt Ingvaldsen. Por meio deles, Munch teria introduzido no comitê informações contra d. Hélder.
Dentro do comitê
O empresário serviu também como informante da embaixada com relação às chances reais do arcebispo ao prêmio.
Num balanço apresentado ao embaixador em fevereiro de 1971, Munch revela a tendência de voto de cada membro do Comitê Nobel em relação aos principais candidatos. Segundo ele, Willy Brandt (chanceler alemão) tinha o apoio de Aase Lionaes (presidenta do comitê), Ingvaldsen e Lindebraekke. D. Hélder era apoiado pelo juiz Helge Refsum e pelo presidente do Instituto de Política Exterior da Noruega, John Sannes.
O resultado do prêmio daquele ano parece confirmar o relatório de Munch: venceu Willy Brandt. Em 1970 d. Hélder tinha sido vencido pelo cientista norte-americano Norman Borlaug. Em 1972, não houve vencedor. Em 1973, dividiram o prêmio Henry Kissinger e o vietnamita Le Duc To.
Como parte do esforço contra a candidatura Hélder Câmara, foi convidado pela embaixada a visitar o Brasil o jornalista Audum Tjomsland, do diário norueguês "Aftenposten", cuja passagem teria sido paga por Ruy Mesquita, diretor de "O Estado de S.Paulo".
Procurado pela Folha, Mesquita negou veementemente a informação. "Nunca tive contato com esse jornalista. Sempre nos pronunciamos claramente, em editoriais, contra a ação política do sr. Hélder Câmara. Mas nunca participamos de campanha alguma contra sua candidatura. Se ele ganhasse o Nobel, isso não ia me incomodar de modo algum."
Por que o governo se empenhou tanto contra a eleição de d. Hélder? Para o historiador Nelson Piletti e o sociólogo Walter Praxedes, autores do livro, o regime temia que a liderança oposicionista de d. Hélder se fortalecesse.
Segundo eles, o ex-embaixador norte-americano Charles Elbrick (aquele que foi sequestrado pela ALN e MR-8) chegara a apontar d. Hélder como candidato ideal da oposição à Presidência. O livro será lançado em agosto pela Ática.




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