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ESTADO X IGREJA
Embaixada do Brasil em Oslo moveu campanha secreta contra a eleição do arcebispo de Olinda e Recife
Governo Médici sabotou Nobel de d. Hélder
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
O governo Emílio Médici
(1969-74) moveu, por meio da Embaixada do Brasil em Oslo (Noruega), uma campanha secreta contra
a eleição do então arcebispo de
Olinda e Recife, d. Hélder Câmara,
para o Prêmio Nobel da Paz.
A revelação, contida no livro inédito "Dom Hélder Câmara - Entre
o Poder e a Profecia", de Nelson
Piletti e Walter Praxedes, baseia-se
em documentos secretos da embaixada brasileira em Oslo, aos
quais a Folha teve acesso.
Em uma série de telegramas enviados ao Ministério das Relações
Exteriores, o então embaixador do
Brasil na Noruega, Jaime de Souza-Gomes, presta contas de sua
ação pelo "discreto e frutuoso esvaziamento da candidatura Hélder
Câmara ao Nobel da Paz".
A atuação da embaixada abarcou
os anos de 1970, 71, 72 e 73 e deu-se
por duas vias: uma campanha difamatória "plantada" na imprensa
norueguesa e a tentativa de influenciar diretamente membros
do Comitê Nobel, que é nomeado
pelo Parlamento da Noruega para
escolher o Nobel da Paz.
Nas duas frentes, a embaixada
brasileira contou com a colaboração de um personagem-chave, o
empresário norueguês Tore
Munch, que tinha fábricas de
guindastes no Brasil e morreu no
final dos anos 70.
De acordo com os telegramas do
embaixador, Munch encarregou
em 1970 um jornalista do diário
norueguês "Morgenposten", de
sua propriedade, de "polemizar o
nome de d. Hélder Câmara, então
considerado o mais provável ganhador do Nobel da Paz".
O trabalho do jornalista teria sido municiado com um dossiê sobre d. Hélder, colhido no Brasil
por Munch graças a "suas relações
com o sr. Júlio de Mesquita Neto,
diretor proprietário do matutino
'O Estado de S.Paulo' ".
Na outra frente, a do Comitê Nobel, a colaboração de Munch teria
sido ainda mais decisiva. Ele conhecia pessoalmente dois membros do comitê, o banqueiro Sjur
Lindebraekke e o presidente do
Parlamento norueguês, Bernt Ingvaldsen. Por meio deles, Munch
teria introduzido no comitê informações contra d. Hélder.
Dentro do comitê
O empresário serviu também como informante da embaixada com
relação às chances reais do arcebispo ao prêmio.
Num balanço apresentado ao
embaixador em fevereiro de 1971,
Munch revela a tendência de voto
de cada membro do Comitê Nobel
em relação aos principais candidatos. Segundo ele, Willy Brandt
(chanceler alemão) tinha o apoio
de Aase Lionaes (presidenta do comitê), Ingvaldsen e Lindebraekke.
D. Hélder era apoiado pelo juiz
Helge Refsum e pelo presidente do
Instituto de Política Exterior da
Noruega, John Sannes.
O resultado do prêmio daquele
ano parece confirmar o relatório
de Munch: venceu Willy Brandt.
Em 1970 d. Hélder tinha sido vencido pelo cientista norte-americano Norman Borlaug. Em 1972, não
houve vencedor. Em 1973, dividiram o prêmio Henry Kissinger e o
vietnamita Le Duc To.
Como parte do esforço contra a
candidatura Hélder Câmara, foi
convidado pela embaixada a visitar o Brasil o jornalista Audum
Tjomsland, do diário norueguês
"Aftenposten", cuja passagem teria sido paga por Ruy Mesquita,
diretor de "O Estado de S.Paulo".
Procurado pela Folha, Mesquita
negou veementemente a informação. "Nunca tive contato com esse
jornalista. Sempre nos pronunciamos claramente, em editoriais,
contra a ação política do sr. Hélder
Câmara. Mas nunca participamos
de campanha alguma contra sua
candidatura. Se ele ganhasse o Nobel, isso não ia me incomodar de
modo algum."
Por que o governo se empenhou
tanto contra a eleição de d. Hélder?
Para o historiador Nelson Piletti e
o sociólogo Walter Praxedes, autores do livro, o regime temia que a
liderança oposicionista de d. Hélder se fortalecesse.
Segundo eles, o ex-embaixador
norte-americano Charles Elbrick
(aquele que foi sequestrado pela
ALN e MR-8) chegara a apontar d.
Hélder como candidato ideal da
oposição à Presidência. O livro será lançado em agosto pela Ática.
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