São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Pedidos de socorro

Civilizado, inédito, democrático - por aí estão os adjetivos que definem, na mídia, o convite de Fernando Henrique Cardoso para os encontros havidos ontem com os quatro principais candidatos. Conhecidos os vícios atuais da mídia, não se esperariam adjetivos que não fossem de louvação, mas não faça o leitor o mau juízo de que os jornalistas estão equivocados.
Há muito tempo sabem todos que o Brasil está em situação grave. Ou melhor, que não deixou de estar em nenhum momento dos dois mandatos desde 95. E sabem todos, agora, o verdadeiro do convite aos candidatos.
Civilizado? Chamar candidatos opositores ao palácio de governo não é prática da Dinamarca, França, Noruega, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Suécia e demais países de mesma estatura. Seus governantes e seus povos não seriam civilizados, mas o Brasil fernandista, sim, pelos critérios dominantes da mídia brasileira.
Inédito? É possível; certo, não é. E, seja como for, inédito não é necessariamente qualidade positiva, sendo comum dizê-lo para caracterizar situações insolitamente negativas. Logo se verá o significado cabível, no episódio, ao tal ineditismo.
Democrático? Dois candidatos à Presidência foram discriminados nos convites. Desde que dados pela Justiça Eleitoral como habilitados a candidatar-se, todos os candidatos são portadores dos mesmos direitos oficialmente reconhecidos, entre os quais inteirar-se de informações e consultas dirigidos a outros. Nem democrático e nem ao menos educado (e, outra vez, nada democrático), segundo a narrativa dos fotógrafos que testemunharam a recusa de cumprimento entre Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes. Como presidente e como recepcionante, a iniciativa ou recusa desse gesto cabe a Fernando Henrique.
Os encontros são o primeiro desdobramento do pedido de socorro feito pelo governo ao FMI, ao se tornar impossível disfarçar a situação por mais tempo. E o FMI exigiu que os candidatos mais realçados se comprometessem com as condições do socorro. O que levou a um segundo pedido de socorro: de Fernando Henrique aos candidatos de oposição. Não há blablablá que possa encobrir esse sentido dos convites.
O resultado dos encontros, em relação ao FMI, ainda está por se mostrar. Mas o resultado político foi ruim para Fernando Henrique, Pedro Malan e Armínio Fraga. Com a carta de propostas para ação imediata entregue a Fernando Henrique, Luiz Inácio Lula da Silva mostrou haver o que possa e deva ser feito de imediato contra a situação crítica, mesmo que seja apenas parte do que sugeriu. E que o governo está inerte, todo ele no ritmo paquidérmico induzido por Pedro Malan e aceito pela continuada sujeição de Fernando Henrique ao ministro e a Armínio Fraga.
Como complemento, Ciro Gomes pediu, para analisar e opinar, o texto completo do pretendido acordo. Este, sim, inédito. Espera-se que agora deixe de sê-lo, apesar do FMI, de Pedro Malan, de Armínio Fraga do seu relações-públicas.
Se há dois pedidos de socorro, não será demais que apareça também o do leitor/telespectador.


Texto Anterior: Outro Lado: BNDES e ANP não se manifestam
Próximo Texto: Paraná: Lerner consegue adiar julgamento de suas contas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.