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JULGAMENTO DO MENSALÃO
Empréstimos que irrigaram valerioduto não são pagos
Fato reforça tese de que dívidas teriam sido feitas sem a intenção de quitá-las
Bancos foram à Justiça sem usar garantias dos débitos; STF decide nesta semana se acolhe denúncia contra envolvidos no esquema
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A suposta dívida de mais de
R$ 100 milhões do esquema do
valerioduto com os bancos
BMG e Rural -produto dos ora
chamados na denúncia do
mensalão de "pseudo-empréstimos", ora, de "empréstimos
simulados", ou ainda de meras
operações de lavagem de dinheiro destinado ao caixa dois
do PT- não foi paga até hoje.
Mais de dois anos depois do
auge do escândalo, ainda faltam
provas sobre a real origem do
dinheiro movimentado no esquema do mensalão, no início
do governo Luiz Inácio Lula da
Silva. Mas a inexistência de pagamento reforça a tese do procurador-geral Antonio Fernando de Souza de que os empréstimos bancários usados para
justificar os repasses milionários a políticos foram criados
para não serem quitados.
A partir desta quarta-feira, o
Supremo Tribunal Federal inicia as sessões em que se decidirá sobre o acolhimento das denúncias relativas ao caso mensalão. São 40 os envolvidos, incluindo o ex-ministro da Casa
Civil José Dirceu.
A Folha pesquisou o andamento de sete ações de cobrança e execução em que se transformaram as sete operações
bancárias apresentadas pela
dupla Marcos Valério Fernandes de Souza e o ex-tesoureiro
petista Delúbio Soares como a
origem do dinheiro do caixa
dois. A versão surgiu para contestar indícios de desvio de recursos públicos para o esquema -o que envolveria diretamente o governo federal.
As ações de cobrança só foram apresentadas nos últimos
meses de 2005, como parte da
estratégia de defesa dos bancos
e do publicitário Marcos Valério, quando a CPI dos Correios
já contestava a versão apresentada para a origem do dinheiro.
Tramitam nos tribunais de
Justiça de Minas Gerais e do
Distrito Federal.
São como espectros do mensalão: os bancos BMG e Rural
cobram do publicitário Marcos
Valério Fernandes de Souza e
suas empresas. O publicitário
empurra a dívida para o PT,
que se recusa a pagar -porque
nem sequer a reconhece.
O tamanho do fantasma é incerto. A suposta dívida passava
de R$ 100 milhões (exatos
R$ 100.082.166,35) em 16 de
dezembro de 2005, data da
mais recente atualização oficial. Tanto o BMG quanto o
Rural se recusaram a informar
o valor corrigido da dívida, contabilizados juros e encargos.
Alegam sigilo bancário.
Por ordem do Banco Central,
também posterior ao escândalo, os supostos empréstimos
foram classificados como créditos podres -quando as chances de pagamento são consideradas remotas, quase nulas.
Consulta aos processos de
cobrança mostra que a versão
dos empréstimos bancários
-desacreditada pela CPI dos
Correios e pela denúncia do
Ministério Público- foi contestada até pelos advogados do
PT. E não apenas por falta de
registros formais na contabilidade do partido, como se espera de movimentações de recursos de caixa dois.
PT contra PT
Em maio do ano passado, o
PT respondeu nos autos que os
supostos empréstimos haviam
sido concedidos "ao arrepio das
mais comezinhas regras bancárias". Por serem irregulares,
não seriam pagos pelo partido,
resumia a defesa da agremiação, menos de um ano depois
de o PT endossar a versão dos
empréstimos para escapar dos
indícios de desvio de dinheiro
público.
Diante da contradição apontada pela reportagem, o presidente do partido, Ricardo Berzoini, afirmou que caberia à
Justiça apurar a origem do dinheiro do caixa dois.
Questionado novamente na
semana passada, o PT voltou a
negar responsabilidade no negócio. "A defesa do PT é consistente", alega o tesoureiro Paulo
Ferreira. "Não há nos referidos
empréstimos responsabilidade
institucional do partido, [eles]
não cumpriram com os requisitos legais necessários, não foram assinados, a instituição PT
não os aprovou", completou.
Persiste o empurra-empurra.
Procurado pela Folha, o publicitário Marcos Valério reiterou, por meio de advogados,
que depende dos pagamentos
do PT para honrar as dívidas
com o BMG e o Rural. "A dívida
do PT não foi paga", respondeu
o escritório Rodolfo Gropen.
Com os bens penhorados, Valério diz esperar resposta da Justiça. A sentença do juiz da 11ª
vara cível de Brasília está para
sair há mais de um ano.
Sem garantia
Os processos de cobrança
não lançaram mão do texto em
que Delúbio Soares assumia,
perante o BMG, o compromisso "irretratável e irrevogável de
garantir, como avalista e devedor solidário" as supostas operações de empréstimo.
O documento foi apresentado à CPI dos Correios como
parte da defesa combinada do
publicitário e do ex-tesoureiro,
operadores do caixa dois petista. Sua validade "é nula", concluíram as investigações do
Congresso.
Antes de ir à Justiça, os bancos tampouco usaram garantias apresentadas pelas empresas de Marcos Valério para os
supostos empréstimos, sustentadas sobretudo em grandes
contratos de publicidade com
empresas estatais (Banco do
Brasil, Correios e Eletronorte).
"O banco ainda não recebeu
os valores em questão, aguarda
pelas decisões judiciais", respondeu o Rural por meio de sua
assessoria. Apontado na denúncia do Ministério Público
como braço financeiro do mensalão, o banco é responsável
por pouco mais da metade dos
recursos contabilizados no caixa dois petista.
Segundo a assessoria, depois
de um período de "ajustes duríssimos" que se seguiu ao escândalo, o banco "já voltou a lucrar e é uma instituição financeira com perspectivas de futuro bastante positivas".
O BMG informou que reduziu em R$ 10 milhões a dívida
das empresas de Valério, por
meio da liquidação de uma aplicação financeira no próprio
banco, oferecida como garantia. O advogado Raphael Miranda avaliou que a cobrança da
maior parte da dívida tornou-se "mais difícil em virtude da situação da SMPB e da Graffiti".
As duas empresas fecharam as
portas.
Considerado pela CPI suspeito de favorecimento na licença para operar com crédito
consignado a aposentados do
INSS (Instituto Nacional do
Seguro Social), o BMG ampliou
a carteira após o escândalo.
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