São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2001

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CELSO PINTO

FMI endossa déficit menor no Brasil

O FMI deu um estímulo para que o Banco Central passe a medir o déficit público sem considerar o impacto do câmbio sobre toda a dívida, como faz hoje. A diferença entre os dois critérios é enorme. Com o câmbio, o déficit nominal em 12 meses era de 5,34% do PIB em junho. Sem o impacto do câmbio, era de 2,79%.
Parece um truque para maquiar o tamanho do déficit, mas não é. Na verdade, só o Brasil aplica a variação cambial sobre toda a dívida na apuração do fluxo do déficit. O déficit comparável ao dos outros países, portanto, é 2,79%, e não 5,34%.
O aval para usar o novo critério está num relatório do FMI sobre as contas fiscais brasileiras, concluído sexta-feira e ainda não divulgado. Trata-se de um Relatório sobre o Cumprimento de Códigos e Padrões, ou ROSC, na sigla em inglês. É uma prática recente do fundo, dentro do princípio de ampliar a supervisão sobre as economias dos países membros, decidida depois da crise da Ásia, em 97. O objetivo é fazer uma radiografia de como os países acompanham 11 diferentes áreas da economia e verificar se seguem códigos e padrões internacionalmente aceitos.
Os mais importantes são os ROSCs sobre as políticas fiscais e monetárias. Uma missão do FMI, chefiada pela diretora do Departamento Fiscal, Teresa Ter-Minassian, que durante muitos anos chefiou missões negociadoras no Brasil, esteve no país nas últimas duas semanas. O relatório será discutido com o Brasil e, segundo Guilherme Dias, secretário do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, deve ser divulgado em 30 dias. As avaliações são, em geral, positivas.
A questão do critério a ser usado para o déficit nominal não é apenas uma tecnicalidade. Medido com o impacto cambial, o déficit vem crescendo desde julho de 2000, chegou a 6,21% do PIB em julho deste ano, e os bancos projetam que chegue a 7% do PIB até dezembro. É um déficit muito alto para qualquer país do mundo e passa a clara impressão de que os gastos públicos estão fora de controle.
Já excluindo o impacto cambial, como fazem os outros países, o déficit nominal vem caindo praticamente sem parar desde abril de 99 (veja o gráfico). Os 2,79% do PIB de junho seriam suficientes, por exemplo, para qualificar o Brasil dentro das rígidas exigências do Tratado de Maastricht na Europa (que limita o déficit anual a 3% do PIB). Mais: apesar de a taxa de juros ter voltado a subir, e muito, desde fevereiro, mesmo assim, o déficit continuou a cair (era de 3,36% do PIB em fevereiro).
A razão é simples. Embora os juros tenham subido e, com eles, as despesas financeiras, também subiu, neste ano, o superávit primário (receitas menos despesas, exceto juros). O desempenho fiscal, portanto, melhorou, medido dessa forma. Mas piorou, e muito, se medido com o impacto cambial.
Ilan Goldfajn, diretor do BC, diz que não faz sentido incluir a variação cambial sobre toda a dívida no fluxo (que é o déficit anual), porque, de fato, não há desembolsos equivalentes. Uma forte desvalorização faz o déficit nominal dar um salto, enquanto uma valorização do real pode gerar um enorme superávit nominal, sem que nenhum dos dois casos reflita o impacto fiscal real sobre a economia. Já sobre o estoque da dívida, o impacto do câmbio sempre foi e continuará a ser computado. A dívida líquida chegou a 52,5% do PIB em julho.
Outra mudança que o BC fará é passar a publicar a série do déficit nominal com e sem incluir o resultado do BC. Os países, em geral, excluem o BC do déficit. O relatório do FMI elogia o fato de que a inclusão do BC no déficit "garante que uma atuação quase fiscal remanescente se reflita nas contas". Mas observa que a inclusão do BC pode se tornar cada vez menos relevante à medida em que se fortaleça a independência do BC. Não chega a ser uma recomendação para excluir o BC das contas do déficit, mas encoraja a divulgação das duas séries, com e sem o BC. No primeiro semestre, o BC teve um prejuízo de R$ 4 bilhões, que engordou o déficit nominal.
No Brasil, discute-se mais o conceito de déficit primário, até porque ele é o critério de desempenho no acordo com o FMI. No entanto, entre bancos e investidores internacionais, o déficit nominal é um indicador crucial. O JP Morgan, por exemplo, usa o tamanho do déficit nominal como um dos critérios para medir o risco dos países. O Brasil, com déficit estimado em 7%, tem a pior nota possível nesse quesito.
Uma recomendação do relatório do FMI, segundo Dias, é que o BC passe a divulgar também o detalhamento das fontes de financiamento do déficit (dívida externa, interna, via títulos ou bancos etc.). É uma informação importante para avaliar o risco fiscal e o BC já estava se preparando para incluí-la.
Na radiografia do setor fiscal, o FMI elogia vários avanços. Menciona que o país é uma federação, mas que minimizou o fator de risco dos Estados e municípios com mecanismos como a Lei de Responsabilidade Fiscal e os termos da renegociação das dívidas com o governo federal. Registra que o orçamento tornou-se cada vez mais realista e é usado, de fato, como instrumento de política fiscal. Elogia, ainda, a disseminação eletrônica de dados fiscais.
Os ROSCs do FMI são importantes como referência para investidores, na medida em que sejam divulgados pelos países. Até abril deste ano, foram feitos 110 relatórios, em 43 países, dos quais 76, referentes a 31 países, estão disponíveis no site do fundo (www.IMF.org). Não há nenhum ROSC do Brasil, mas a intenção é divulgar o fiscal.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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