|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
FMI endossa déficit
menor no Brasil
O FMI deu um estímulo para
que o Banco Central passe a
medir o déficit público sem considerar o impacto do câmbio sobre toda a dívida, como faz hoje.
A diferença entre os dois critérios é enorme. Com o câmbio, o
déficit nominal em 12 meses era
de 5,34% do PIB em junho. Sem
o impacto do câmbio, era de
2,79%.
Parece um truque para maquiar o tamanho do déficit, mas
não é. Na verdade, só o Brasil
aplica a variação cambial sobre
toda a dívida na apuração do
fluxo do déficit. O déficit comparável ao dos outros países, portanto, é 2,79%, e não 5,34%.
O aval para usar o novo critério está num relatório do FMI
sobre as contas fiscais brasileiras, concluído sexta-feira e ainda não divulgado. Trata-se de
um Relatório sobre o Cumprimento de Códigos e Padrões, ou
ROSC, na sigla em inglês. É uma
prática recente do fundo, dentro
do princípio de ampliar a supervisão sobre as economias dos
países membros, decidida depois
da crise da Ásia, em 97. O objetivo é fazer uma radiografia de como os países acompanham 11 diferentes áreas da economia e verificar se seguem códigos e padrões internacionalmente aceitos.
Os mais importantes são os
ROSCs sobre as políticas fiscais e
monetárias. Uma missão do
FMI, chefiada pela diretora do
Departamento Fiscal, Teresa
Ter-Minassian, que durante
muitos anos chefiou missões negociadoras no Brasil, esteve no
país nas últimas duas semanas.
O relatório será discutido com o
Brasil e, segundo Guilherme
Dias, secretário do Ministério do
Planejamento, Orçamento e
Gestão, deve ser divulgado em 30
dias. As avaliações são, em geral,
positivas.
A questão do critério a ser usado para o déficit nominal não é
apenas uma tecnicalidade. Medido com o impacto cambial, o
déficit vem crescendo desde julho de 2000, chegou a 6,21% do
PIB em julho deste ano, e os bancos projetam que chegue a 7% do
PIB até dezembro. É um déficit
muito alto para qualquer país
do mundo e passa a clara impressão de que os gastos públicos
estão fora de controle.
Já excluindo o impacto cambial, como fazem os outros países, o déficit nominal vem caindo
praticamente sem parar desde
abril de 99 (veja o gráfico). Os
2,79% do PIB de junho seriam
suficientes, por exemplo, para
qualificar o Brasil dentro das rígidas exigências do Tratado de
Maastricht na Europa (que limita o déficit anual a 3% do PIB).
Mais: apesar de a taxa de juros
ter voltado a subir, e muito, desde fevereiro, mesmo assim, o déficit continuou a cair (era de
3,36% do PIB em fevereiro).
A razão é simples. Embora os
juros tenham subido e, com eles,
as despesas financeiras, também
subiu, neste ano, o superávit primário (receitas menos despesas,
exceto juros). O desempenho fiscal, portanto, melhorou, medido
dessa forma. Mas piorou, e muito, se medido com o impacto
cambial.
Ilan Goldfajn, diretor do BC,
diz que não faz sentido incluir a
variação cambial sobre toda a
dívida no fluxo (que é o déficit
anual), porque, de fato, não há
desembolsos equivalentes. Uma
forte desvalorização faz o déficit
nominal dar um salto, enquanto
uma valorização do real pode
gerar um enorme superávit nominal, sem que nenhum dos dois
casos reflita o impacto fiscal real
sobre a economia. Já sobre o estoque da dívida, o impacto do
câmbio sempre foi e continuará
a ser computado. A dívida líquida chegou a 52,5% do PIB em julho.
Outra mudança que o BC fará
é passar a publicar a série do déficit nominal com e sem incluir o
resultado do BC. Os países, em
geral, excluem o BC do déficit. O
relatório do FMI elogia o fato de
que a inclusão do BC no déficit
"garante que uma atuação quase fiscal remanescente se reflita
nas contas". Mas observa que a
inclusão do BC pode se tornar
cada vez menos relevante à medida em que se fortaleça a independência do BC. Não chega a
ser uma recomendação para excluir o BC das contas do déficit,
mas encoraja a divulgação das
duas séries, com e sem o BC. No
primeiro semestre, o BC teve um
prejuízo de R$ 4 bilhões, que engordou o déficit nominal.
No Brasil, discute-se mais o
conceito de déficit primário, até
porque ele é o critério de desempenho no acordo com o FMI. No
entanto, entre bancos e investidores internacionais, o déficit
nominal é um indicador crucial.
O JP Morgan, por exemplo, usa o
tamanho do déficit nominal como um dos critérios para medir
o risco dos países. O Brasil, com
déficit estimado em 7%, tem a
pior nota possível nesse quesito.
Uma recomendação do relatório do FMI, segundo Dias, é que
o BC passe a divulgar também o
detalhamento das fontes de financiamento do déficit (dívida
externa, interna, via títulos ou
bancos etc.). É uma informação
importante para avaliar o risco
fiscal e o BC já estava se preparando para incluí-la.
Na radiografia do setor fiscal,
o FMI elogia vários avanços.
Menciona que o país é uma federação, mas que minimizou o fator de risco dos Estados e municípios com mecanismos como a
Lei de Responsabilidade Fiscal e
os termos da renegociação das
dívidas com o governo federal.
Registra que o orçamento tornou-se cada vez mais realista e é
usado, de fato, como instrumento de política fiscal. Elogia, ainda, a disseminação eletrônica de
dados fiscais.
Os ROSCs do FMI são importantes como referência para investidores, na medida em que sejam divulgados pelos países. Até
abril deste ano, foram feitos 110
relatórios, em 43 países, dos
quais 76, referentes a 31 países,
estão disponíveis no site do fundo (www.IMF.org). Não há nenhum ROSC do Brasil, mas a intenção é divulgar o fiscal.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: Justiça: Servidores do Judiciário decidem manter paralisação em SP Próximo Texto: Panorâmica - Governo: Artur da Távola é novo líder no Senado Índice
|