São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 2006

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ELIO GASPARI

O santo remédio do segundo turno

O "efeito Gedimar" mostra que os demônios do presidente estão soltos, fazendo bruxarias

É POSSÍVEL e desejável que o "efeito Gedimar" leve a eleição presidencial para o segundo turno. É possível porque para isso basta a migração de cinco pontos percentuais para os outros candidatos. É desejável porque um segundo turno obrigaria Lula botar o rosto na vitrine do debate público. Mesmo pessoas dispostas a manter "nosso guia" no Planalto podem se sentir constrangidas a carregá-lo num andor onde estão seus velhos demônios e mais Gedimar Passos, o homem dos pacotes com R$ 1,7 milhão para comprar vozes e silêncios de delinqüentes.
A posição de Lula nas pesquisas indica que 50% do eleitorado não considera as roubalheiras-companheiras motivo suficiente para eleger seu principal adversário, o tucano Geraldo Alckmin. Jogo jogado. Eleição é assim mesmo, prefere-se um a outro. O "efeito Gedimar" altera esse processo. Ofende pessoas que não gostaram do que viram nas CPIs, mas admitem votar em Lula porque não pretendem botar Alckmin na Presidência. Quem pensa assim poderá elegê-lo no segundo turno de alma leve. Fazê-lo no primeiro é mais que uma escolha. É uma indulgência plenária, daquelas que o Papa Leão 10º vendia no século 16 (com lascas à banca) para construir a basílica de São Pedro. O crente comprava o babilaque e ia para o céu sem passar pelo purgatório. O benefício valia para pecados passados ou futuros, cometidos por ele ou por familiares. O mercado das indulgências acabou em enorme confusão e no surgimento do protestantismo.
Os eleitores estão diante de um Lula renitente. Conheciam alguns de seus demônios, como Delúbio Soares e Paulo Okamotto. Não conheciam Freud Godoy. Achavam que os veteranos petistas do círculo doméstico de Lula haviam abjurado a bruxaria. Engano. Mesmo avisados de que havia exorcistas na linha, continuaram com suas macumbas.
Freud, assessor especial da Presidência da República, tinha salas no Planalto, no Alvorada, e um pé numa empresa de segurança em nome de sua mulher. Gedimar, um ex-policial, empregado no "dispositivo de tratamento de informações" do PT (seja o que for o que isso signifique), é apanhado num hotel com R$ 1,75 milhão em grana viva e o presidente do PT, Ricardo Berzoini, diz o seguinte: "Consideramos inclusive a hipótese de armação contra o PT".
Disco velho. Em julho do ano passado, o deputado estadual José Nobre Guimarães disse a mesma coisa ao saber que seu assessor José Adalberto Pereira da Silva fora preso em São Paulo com R$ 437 mil na cueca: "Isso está me cheirando a armação, para surgir num momento como este".
Eleito no primeiro turno, Lula compra uma indulgência e vai para o paraíso da autoglorificação, levando consigo todos os demônios que carrega na alma e nos palácios. Uma nova rodada eleitoral tirará "nosso guia" da redoma em que está enfiado, levando-o a fazer campanha com Gedimar e Freud na agenda. Isso e mais a obrigação de comparecer a um debate com Geraldo Alckmin. Não é muito, mas tira das costas de muitos eleitores o peso de eleger no primeiro turno um candidato em cuja campanha trabalhava um ex-policial que coletou R$ 1,7 milhão da seguinte forma:
Um milhão de "uma pessoa branca, com aproximadamente 45 anos, cabelos negros, carapinha, que se encontrava no interior de um táxi". O restante, de uma "pessoa de nome André, 1,75m, cabelo castanho, com aproximadamente 45 anos".


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