São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOENDA

Engenhos do CE pagam R$ 5 por 12 horas

Cerca de 750 pessoas trabalham sem contrato na produção de rapadura; sindicato vê "exploração"

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Trabalhador que atua como "tacheiro" em um engenho no interior do Ceará; tarefa é feita das 3h às 19h no calor das fornalhas


FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL
No pequeno município de Barbalha, a 600 quilômetros de Fortaleza (CE), cerca de 750 pessoas trabalham 12 horas por dia, no mínimo, na produção de rapadura para tirar de R$ 5 a R$ 8 por dia, um prato de comida e levar para casa uma barra do doce.
Os engenhos da região -são cerca de 15- não trabalham com carteira assinada, nem qualquer outro tipo de contrato. Isto é, quem trabalha não tem direito, por exemplo, a seguro-desemprego ou FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
"Os trabalhadores são explorados, e até hoje não conseguimos que os donos de engenho regularizassem essa situação", afirma Cícero José de Santana, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barbalha.
O sindicato vai chamar os produtores de rapadura para discutir a regularização dos trabalhadores. Uma das reivindicações é fixar um piso salarial para esses trabalhadores, que, na maioria, ganham menos de um salário mínimo por mês. Também querem que os trabalhadores do corte e do plantio sejam incluídos nesse sistema de pagamento. Hoje, recebem por tarefa.
"Não vai dar para assinar a carteira do pessoal. Estamos trabalhando no vermelho", afirma Jorge Nei, 50, dono de engenho. Ele conta que tem 20 empregados e produz 1.500 quilos de rapadura por dia -durante 20 dias no mês. "Faturo R$ 6.000 e gasto isso por mês."
A queixa de Jorge Nei é que caiu a demanda por rapadura e, portanto, o preço. Uma barra de 80 gramas custa entre R$ 0,50 e R$ 0,60 para o consumidor, podendo chegar a R$ 0,80 quando cai o estoque do produto. "Tenho 10 mil quilos em estoque."
Ao redor da estrada que liga Barbalha a Juazeiro do Norte, já chegaram a operar cerca de 50 engenhos de rapadura. "Os engenhos estão quebrando. Por isso os trabalhadores aceitam ganhar R$ 8 por dia, com direito a almoço, jantar e merenda. A cada 15 dias eles também recebem de dois a três litros de mel. Trabalhar muito e ganhar pouco é o que se vê em todo o país."
Para Santana, se houver pressão mais rígida do Ministério do Trabalho, os engenhos podem regularizar a situação dos trabalhadores. "Por causa da nossa luta, alguns já assinaram a carteira de quatro ou cinco, mas não é fácil convencê-los. Eles dizem que fabricam um produto que não tem venda certa e preço fixo. Na hora que começa a moagem, o preço é bom, mas quando todo mundo mói, o preço cai muito."
Antônio Domingo Alves, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Juazeiro do Norte, cidade vizinha, diz que as piores condições de trabalho são as dos "tacheiros" -como são chamados os que ficam no tacho dos engenhos. "Para não perder produtividade, trabalham das 3h até as 19h no calor das fornalhas. O engenho tem de funcionar, mas não precisa esfolar esses trabalhadores."
Alves também afirma que a situação já foi pior na região de Missão Velha, Crato, Barbalha e Jardim, onde já houve autuação de engenhos que empregavam de mão-de-obra infantil.


Texto Anterior: Outro lado: Ministério diz que está ampliando o número de equipes
Próximo Texto: Vigia trabalhou trancado durante 11 meses em SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.