São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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CAMPANHA

No Rio Grande do Sul, a invasão da política nas discussões do dia-a-dia envaidece a população

Eles só pensam naquilo

 "Lá no lugar que eu morava
É ruim do pobre viver
Os ricos são quem governam
Pra nós pobre obedecer
Os ricos vivem feliz
Fazendo o pobre sofrer"

XICO SÁ
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADOS ESPECIAIS A PORTO ALEGRE

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

Com o acordeão no colo e um vozeirão que dispensa aparato eletrônico, o compositor e cantor Paulinho da Gaita, 40, entoa sua música ""Vida de Pobre" diante do mercado público de Porto Alegre.
A faixa é o must do seu novo CD, "Reverenciando a Querência", de produção própria.
O artista encerra a cantoria, ajeita a bombacha e o lenço vermelho. Começa a conversar com a meia dúzia de viventes que parou para ouvir. Não sobre música, mas sobre política. É o esporte preferido no Rio Grande do Sul.
""Este é o Estado mais politizado do Brasil", bate no peito Paulinho da Gaita. ""É porque esta é uma terra de campeões. O Teixeirinha foi campeão na música. O Felipão foi campeão na Copa. O Pelé não era daqui, mas morou muito tempo aqui e se considera gaúcho."
Nunca se soube da ""gauchez" de Pelé, mas a afirmação sobre a politização local parece impossível de desmentir. Quando ouvem o elogio, os gaúchos se envaidecem. A aldeia do rio Guaíba resiste, como dizem, em comparação com as plagas gaulesas de Asterix.
"É o Estado mais politizado do país", repete o candidato a governador Germano Rigotto (PMDB). "Temos a gente conhecida como a mais participativa e política deste Brasil", diz o governador Olívio Dutra (PT), voltando-se logo para a cuia de chimarrão, símbolo ambulante do nativismo.
Inexistem pesquisas amplas que diagnostiquem a política na veia gaúcha. A ascensão do PT intensificou o fenômeno no Estado de onde, em 1930, saíram os cavalos dos quais apearam as forças pró-Getúlio Vargas no Rio. O Rio Grande do Sul de hoje remete à cena futebolística carioca, onde, mais que torcidas de quatro grandes clubes, há duas: a do Flamengo e a do arco-íris, a coligação antiflamenguista.
A prefeitura da capital está em mãos petistas desde a eleição de 1988. A administração do Estado, desde 1995. Há dois grandes movimentos: o pró-PT e o anti-PT.
Num quadro de polarização, é difícil identificar indecisos. No primeiro turno, a média nacional de votos nulos e brancos para a Presidência foi de 10,4%. No Rio Grande do Sul, de 7,7%.
Os hábitos e paixões do futebol expressam-se na política. Na sexta-feira, centenas de apoiadores do presidenciável José Serra (PSDB) cantavam na rua da Praia, mimetizando os gritos dos estádios: ""Cadê PT? Cadê PT?".
Estava por perto, em vaias estridentes. Quando o tucano adentrou uma farmácia para cumprimentar eleitores, metade dos presentes, funcionários e clientes, foi para o fundo da loja.
A outra metade se atirou sobre Serra para abraçá-lo e beijá-lo. ""Não quero nem cumprimentar", disse a bancária aposentada Jane Ferreira, 49, escondida.
Outra bancária aposentada, Falaídes Coronel, 50, desfila com outro objeto dos estádios que se transformou em mania: carregar bandeira, andando a pé pela cidade, com o nome de candidatos.
Ela leva a de Serra e Rigotto. Ao lado da neta, Valquíria, 3, expõe suas teses sobre a politização gaúcha: ""Isso vem de berço. Minha neta tem 3 anos e já sabe o que quer em termos de política".
""É uma lição para o Brasil. Somos sérios, coerentes. Aqui colorado [torcedor do Internacional" é colorado. Gremista é gremista. Sou colorada. E anti-PT."
A história comprova a exaltação à lealdade. Algumas famílias de maragatos (usavam lenços vermelhos) e chimangos (brancos), contendores na Revolta Federalista do século 19, mantêm a identidade. O comportamento é implacável com quem muda de partido político de uma hora para outra. O ex-governador Antônio Britto migrou do PMDB para o emergente PPS e foi condenado a uma magra votação. O senador José Fogaça, candidato à reeleição, fez o mesmo caminho e também perdeu.
Política se discute nos cafés, como em todo o Brasil. Mas, nos debates da TV, bares e restaurantes lotam.
Ciganas que perambulam em torno do mercado público lendo mãos contam que, como sempre, a maior procura é de mulheres com dúvidas sobre amor e dinheiro. Mas não é raro as perguntas versarem sobre placar eleitoral. ""É que nós temos histórico", diz a funcionária pública petista Natália Steigleder, 32. ""A gente adora dar opinião em tudo. É a coisa mais linda. Aqui é alto nível, sem baixaria."
Até nos lugares mais improváveis. ""Nossa, o Rigotto chegou na frente do Tarso", exclamou a garota, eleitora do peemedebista, logo após concluir seu espetáculo de strip-tease. Era noite do primeiro turno. Atrás dela, um telão com projeções dos votos. As petistas reagiram. A boate Swing fervia com a discussão. O espetáculo no qual a eleitora despiu peça por peça foi embalado pela canção ""Meu País", com Zezé di Camargo e Luciano, a dupla sertaneja da campanha de Lula (PT).
Uma coincidência na terra onde só se pensa naquilo -política e eleições, bem entendido.


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